O céu estrelado acima de mim
As duas referências fundamentais de Kant, "o céu estrelado acima de mim" e "a lei moral dentro de mim", constituem uma alegoria da perplexidade do homem perante o Universo grandioso e avassalador. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Não havia na remota Antiguidade como definir nosso papel em face do Universo, e não resistimos à ideia de responder a essas questões com nos autoconferir condição e estatuto privilegiados.
- Fomos criados no Paraíso e, a seguir, colocados no centro do Universo.
O conhecimento científico, adquirido progressivamente, foi servindo para nos ajustar à realidade. Desse modo, o homem sofreu um duro revés quando as teorias de Copérnico o desentronizaram do centro do Universo e teve outra decepção com Darwin, que, acabando com a fantasia do Paraíso e do homem modelado diretamente por Deus, condenou-nos a uma corrida evolutiva em disputa com outros seres vivos, sem nenhum caminho ou direito preferencial.
Na década de 1920, Edwin Hubble constatou a expansão do Universo, tudo se afastando do centro, e o homem viu-se relegado à periferia, habitando um planeta mediano, que gira em torno de uma estrela da Via Láctea, que contém mais de 200 bilhões de outras estrelas e dá o vexame de existir ao lado de outros 100 bilhões de galáxias!
- Eis a perplexidade da lei moral, dentro de mim, diante do céu estrelado, acima de mim.
Nossas percepções
Nossa autoestima teve de ser ainda rebaixada após o conhecimento que nos foi trazido pela teoria da relatividade e pela mecânica quântica, pois aprendemos que não somos independentes das nossas medições, não existem espaço e tempo absolutos, e o princípio da causalidade, que desde Aristóteles tanto nos encantava, mostrou-se inadequado para explicar os processos atômicos individuais.
No mundo subatômico, a natureza trabalha com dois modelos alternativos e mutuamente excludentes, dos quais, conhecendo um, não me é dado conhecer o outro, de acordo com o princípio da complementaridade de Niels Bohr. Luz, próton, elétron, nêutron, tudo pode ser partícula ou onda: quem vê partícula não vê onda e quem vê onda onda não vê partícula.
E não é só, pois o francês Henri Poincaré no alvorecer do século XX deu início à teoria do caos, mostrando que a maioria dos fenômenos se interrelaciona mediante equações complicadas, aumentando a insegurança do homem e sua incerteza perante o Universo. Pois em quase tudo há realimentação interna, interação constante e toda sorte de perturbações não-lineares, como observamos a cada instante na meteorologia, nas flutuações dos preços nas bolsas de valores, nas correntezas e no crescimento das populações animais. Ou seja, muito efeito-borboleta à solta, prevaricando por aí e assoberbando a lei moral dentro de mim.
A matemática
Ah, restavam-nos, ainda, a matemática e a palavra. Por exemplo, a matemática pode provar tudo com sua lógica, a partir de postulados criteriosos, como na geometria euclidiana. Verdade?
- Não, não é verdade, provou o matemático Kurt Gödel, em 1931, demonstrando que existem verdades matemáticas que não podem ser provadas, caracterizando a matemática como insuficiente.
Gödel também demonstrou que há verdades matemáticas que não podem ser provadas, caracterizando-se como indecidíveis. Ou seja, a matemática pode ser insuficiente e incompleta como, às vezes, até inconsistente, pois é impossível garantir a consistência de postulados arbitrariamente escolhidos.
E a palavra?
Leibniz propôs que os filósofos se reunissem para definir certas palavras, como moralidade, liberdade, espaço, tempo, e, após, discutissem suas ideias sem nenhuma ambiguidade.
Na mesma linha, Bertrand Russell pretendeu criar um “atomismo lógico”, partindo dos átomos, e destes para as moléculas, e depois para substâncias e objetos. Desse modo, poderíamos chegar a afirmações abrangentes a respeito do mundo que fossem livres de inconsistências e ambiguidade.
É nesse ponto que entra Wittgenstein, demonstrando a inutilidade dessa tentativa, pois a palavra é boa para contar piadas, falar de amor, cantar, contar vantagem, mas tem reduzido valor para discutir a filosofia do mundo. Pois o sentido do mundo é exterior ao mundo e está fora do nosso alcance.
O reflexo
No seu livro "From Certainty to Uncertainty", publicado em 2002, o físico inglês F. David Peat afirma que essas mudanças de entendimento sobre nossas relações com o Universo têm consequências que se estendem para além da ciência, influindo decisivamente na arte, na literatura, na filosofia e nas relações sociais.
É que o céu estrelado pesa sobre a lei moral, e a derrocada dos mitos antropocêntricos se reflete no baixo nível de criatividade das artes e da literatura, com o aumento das nossas dúvidas e perplexidades e pela falta de afirmações abrangentes a serem feitas ou de grandes mitos a serem revelados.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
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Um comentário:
Bravo!!!!
Bravíssimo!!!!!!
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