sábado, 30 de janeiro de 2010

A MOÇA DA ANTERO DE QUENTAL

O EMPARELHAMENTO IMPROVÁVEL

Tenho obsessão pela Simona, a moça mais bonita da Antero de Quental, cuja, entretanto, nem suspeita da minha existência. Ela frequenta a praia na altura da Venâncio Flores, onde, de longe, contemplo suas linhas exuberantes, que a mim me parecem ser um dos motivos da grande afluência masculina naquele ponto da areia. Aos poucos vou reunindo informações sobre ela, colhidas discretamente, em diligências laboriosas e eficientes.Tenho a ambição de que o acaso nos aproxime um dia.

- Quem sabe a encontro na sala de espera de algum consultório dentário?


Darwin

Ela estuda Biologia e tem grande interesse pelo darwinismo. Tive a ideia de fazer o que chamo de emparelhamento, estudando seus assuntos preferidos. Preciso ter o que conversar quando o acaso nos reunir na mesma antessala. Foi por isso que comprei "O Gene Egoísta", do Richard Dawkins, e já sei sobre replicadores e sobre a importância de sua longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia.

Imagino Simone a conversar comigo, comentando que, há quatro bilhões de anos, surgiram no mar moléculas que tinham a capacidade de se autorreproduzirem. Elas se organizaram em máquinas de sobrevivência, que somos nós, animais e vegetais. Uma sobrevivência sustentada num regime de feroz competição, pois até o altruísmo é um ato egoísta dos genes. Nesse ponto da conversa, posso emparelhar, discorrendo sobre a importância da longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia, nos rumos da seleção natural. Simona, claro, vai me perguntar:

- Bem observado, você também estuda Biologia?

- Uma questão de cultura geral, pois sou estudante de Economia.

Eugene Onegin

Certa vez Simona esteve na Sale's e importou o DVD da ópera "Eugene Onegin", de Tchaikovsky. Confesso que não sabia da existência de nenhuma ópera de
Tchaikovsky, muito menos com esse nome. Nascia assim mais uma oportunidade de emparelhamento, e foi por isso que encomendei o mesmo DVD, despendendo na empreitada 63 reais.

Uma ópera lírica, baseada numa novela de Alexander Pushkin. Eugene Onegin é um galã entediado e irresponsável, que conquista o coração da bela camponesa Tatiana, cuja irmã, Olga, é noiva do poeta Vladimir Lensky, grande amigo de Onegin. Num exercício de afetação e galantaria, Onegin esnoba Tatiana e decide conquistar Olga durante um baile em que se comemora o aniversário de Tatiana. Lensky, enciumado e revoltado com o cinismo do amigo, desafia-o para um duelo, e neste é mortalmente ferido por Onegin. O qual viaja depois para outras terras, atormentado por ter provocado a morte do amigo, e se dá conta de que está irreversivelmente apaixonado por Tatiana.


Neste ponto, eu faria o emparelhamento competente, acrescentando:

- Sei o resto da história. Anos mais tarde, Onegin vai a uma festa de nobres em San Petersburg e nela reencontra Tatiana, agora casada com o príncipe Gremin. Confessa-lhe seu amor, mas é recusado por Tatiana, que ainda o ama, mas declara-lhe que em nenhuma hipótese será infiel ao seu marido.

- Você conhece a obra, hein?

- Curto muito o
Tchaikovsky. Essa ópera é baseada num conto de Pushkin, que o construiu com base na história de seu vizinho Pyotr Chaadae.

Quem sabe?

Outro dia, porém, soube que Simona tem o hábito de viajar todo ano para Londres, onde participa de torneios de hipismo, competindo com nobres de toda a Europa, o que só é possível porque seu pai é um industrial muito rico.
Isso eu não sabia. Foi então que a ficha caiu, pois essa informação me mostrou que há um abismo entre nós, cerceativo e quase intransponível.


-
Entendo... Uma questão de emparelhamento econômico e financeiro.

-
Fora do alcance dos meus sofridos 63 reais. Pelo sim, pelo não, passei a jogar na sena acumulada.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

CAMINHANDO PARA A INCERTEZA

O céu estrelado acima de mim

Kant

As duas referências fundamentais de Kant, "o céu estrelado acima de mim" e "a lei moral dentro de mim", constituem uma alegoria da perplexidade do homem perante o Universo grandioso e avassalador. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Não havia na remota Antiguidade como definir nosso papel em face do Universo, e não resistimos à ideia de responder a essas questões com nos autoconferir condição e estatuto privilegiados.

- Fomos criados no Paraíso e, a seguir, colocados no centro do Universo.

O conhecimento científico, adquirido progressivamente, foi servindo para nos ajustar à realidade. Desse modo, o homem sofreu um duro revés quando as teorias de Copérnico o desentronizaram do centro do Universo e teve outra decepção com
Darwin, que, acabando com a fantasia do Paraíso e do homem modelado diretamente por Deus, condenou-nos a uma corrida evolutiva em disputa com outros seres vivos, sem nenhum caminho ou direito preferencial.

Darwin

Na década de 1920, Edwin Hubble constatou a expansão do Universo, tudo se afastando do centro, e o homem viu-se relegado à periferia, habitando um planeta mediano, que gira em torno de uma estrela da Via Láctea, que contém mais de 200 bilhões de outras estrelas e dá o vexame de existir ao lado de outros 100 bilhões de galáxias!

- Eis a perplexidade da lei moral, dentro de mim, diante do céu estrelado, acima de mim.

Nossas percepções


Nossa autoestima teve de ser ainda rebaixada após o conhecimento que nos foi trazido pela teoria da relatividade e pela mecânica quântica, pois aprendemos que não somos independentes das nossas medições, não existem espaço e tempo absolutos, e o princípio da causalidade, que desde Aristóteles tanto nos encantava, mostrou-se inadequado para explicar os processos atômicos individuais.
No mundo subatômico, a natureza trabalha com dois modelos alternativos e mutuamente excludentes, dos quais, conhecendo um, não me é dado conhecer o outro, de acordo com o princípio da complementaridade de Niels Bohr. Luz, próton, elétron, nêutron, tudo pode ser partícula ou onda: quem vê partícula não vê onda e quem vê onda onda não vê partícula.

Poincaré

E não é só, pois o francês Henri Poincaré no alvorecer do século XX deu início à teoria do caos, mostrando que a maioria dos fenômenos se interrelaciona mediante equações complicadas, aumentando a insegurança do homem e sua incerteza perante o Universo. Pois em quase tudo há realimentação interna, interação constante e toda sorte de perturbações não-lineares, como observamos a cada instante na meteorologia, nas flutuações dos preços nas bolsas de valores, nas correntezas e no crescimento das populações animais. Ou seja, muito efeito-borboleta à solta, prevaricando por aí e assoberbando a lei moral dentro de mim.

A matemática

Ah, restavam-nos, ainda, a matemática e a palavra. Por exemplo, a matemática pode provar tudo com sua lógica, a partir de postulados criteriosos, como na geometria euclidiana. Verdade?

- Não, não é verdade, provou o matemático Kurt Gödel, em 1931, demonstrando que
existem verdades matemáticas que não podem ser provadas, caracterizando a matemática como insuficiente.

Einstein e Gödel, dois expoentes da Politécnica de Zurich

Gödel também demonstrou que há verdades matemáticas que não podem ser provadas, caracterizando-se como indecidíveis. Ou seja, a matemática pode ser insuficiente e incompleta como, às vezes, até inconsistente, pois é impossível garantir a consistência de postulados arbitrariamente escolhidos.

E a palavra?

Leibniz propôs que os filósofos se reunissem para definir certas palavras, como moralidade, liberdade, espaço, tempo, e, após, discutissem suas ideias sem nenhuma ambiguidade.

Bertrand Russell

Na mesma linha, Bertrand Russell pretendeu criar um “atomismo lógico”, partindo dos átomos, e destes para as moléculas, e depois para substâncias e objetos. Desse modo, poderíamos chegar a afirmações abrangentes a respeito do mundo que fossem livres de inconsistências e ambiguidade.
É nesse ponto que entra Wittgenstein, demonstrando a inutilidade dessa tentativa, pois a palavra é boa para contar piadas, falar de amor, cantar, contar vantagem, mas tem reduzido valor para discutir a filosofia do mundo. Pois o
sentido do mundo é exterior ao mundo e está fora do nosso alcance.

O reflexo

No seu livro "From Certainty to Uncertainty", publicado em 2002, o físico inglês F. David Peat afirma que essas mudanças de entendimento sobre nossas relações com o Universo têm consequências que se estendem para além da ciência, influindo decisivamente na arte, na literatura, na filosofia e nas relações sociais.

F. David Peat

É que o céu estrelado pesa sobre a lei moral, e a derrocada dos mitos antropocêntricos se reflete no baixo nível de criatividade das artes e da literatura, com o aumento das nossas dúvidas e perplexidades e pela falta de afirmações abrangentes a serem feitas ou de grandes mitos a serem revelados.

sábado, 23 de janeiro de 2010

PLAYERS E OBSERVADORES

NO MEIO DOS NHAMBIQUARAS

Outro dia, ao cruzar a Cinelândia, reencontrei o Ramiro, gênio capaz de uma Capela Sistina ou de uma Teoria da Relatividade.
Não mudara quase nada, o sorriso que mais parecia uma hipotenusa, naquela cara trigonométrica e proparoxítona. Engenheiro suma cum laudae da turma de 1966, adquirira grande experiência construindo túneis e viadutos e trabalhou, depois, na construção da... ponte Rio-Niterói. Bingo! Eu, lá atrás, entendia alguma coisa de futuro...

- Diga-me, indaguei, você usou os conhecimentos do professor Kakaze, os 1.512.000 agrupamentos, o cálculo das probabilidades e a distribuição de Gauss?

- Não, nada disso foi necessário.

A obra havia dispensado a parte mateológica da sua inexcedível competência. Usara apenas ferragem, cimento, brita um, brita dois, brita três, tabelas, ábacos, thumb rules...


- O quê?

- Thumb rules, isso que se chama de "chutes"...


- Pombas!
Regras Práticas ou "Chutes" Educados

Terminada a ponte, Ramiro engajou-se no desenvolvimento de campos de petróleo nas costas britânicas do Mar do Norte. Assentamento de plataformas e construção de sistemas flutuantes de produção, projetos que se justificam quando os preços do petróleo estão elevados, como agora.

- Está de férias?, perguntei-lhe, já em tom de despedida.

- Não, voltei de vez. Estou desempregado, mas decidido a conseguir uma ocupação sem grandes tardanças. Concorri ao cargo de engenheiro de manutenção numa fábrica de computadores em Maria da Graça, mas fui recusado no teste. Não soube responder o nome que se dá à unidade de elastância.

- É daraf, comentei, usando meus conhecimentos de palavras cruzadas. O daraf é o inverso do farad, que, por sua vez, é a unidade prática de capacitância.

- Estou, porém, na iminência de conseguir um emprego de oito salários mínimos, mais sobreaviso e periculosidade, numa hidrelétrica no norte de Mato Grosso, junto da reserva indígena dos nhambiquaras. Uma passagem de avião por ano, ida e volta, para visitar o Rio de Janeiro. Vou usar toda a minha experiência na construção de barragens, sem nenhuma agressão ao meio ambiente ou ao
s processos ecológicos essenciais.

Nhambiquaras

Profissionais de mercado

Não consigo imaginar o Ramiro senão brilhando, o giz em riste, sob os aplausos entusiasmados do professor Kakaze.
Mas essa questão dos nhambiquaras me desconcertou, desestabilizando as minhas memórias. Dos quais, nhambiquaras, sei, apenas e cruzadisticamente, que gostam de aaru, que é um bolo no qual se misturam carne de tatu e farinha de mandioca.

- Meu caro pitecantropo, o binômio de Newton é até citado nas poesias do Fernando Pessoa.

Será que o Ramiro brilhava mesmo ou não passava de uma das minhas fantasias? O professor Kakaze citou realmente o Fernando Pessoa?

Veio então a ideia. É verdade que eu nunca dera importância à poesia e conhecia, se tanto, o Mal Secreto e alguns trechos bem condoreiros do Navio Negreiro. Seja como for, fui à livraria e comprei as obras completas de Fernando Pessoa, o poeta que, em sonhos, sonhos criou. Logo na introdução, fiquei sabendo que foi um homem do comércio, autor de textos para dirigentes de empresas, publicados na Revista de Comércio e Contabilidade, de Lisboa, e de uma vasta Teoria e Prática do Comércio.

- Um profissional de mercado, exatamente como eu!


Li toda obra e encontrei o poema em Álvaro de Campos:



“O Binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.
óóóó óóóóóó óó óóóóóóó óóóóóóó
(O vento lá fora.)”


Players e observadores

Um exemplo de player: Vittorio Gassman, o homem que desfrutou o doce arroz amargo... Outros players: Costa e Silva, Rembrandt e Ramiro. Eles entendem de álgebras e metáforas e movem a história, para o bem ou para o mal, o êxito ou o infortúnio. Tentei ser player também, mas não passei de um mero observador. Resta-me o consolo de que, sem observadores, este universo não faria nenhum sentido.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A METÁFORA DO JOGO DE XADREZ

ENTENDENDO A NATUREZA



Thomas Henry Huxley, médico e cientista inglês, chamado de "Buldogue de Darwin", e Richard Feynman, que muitos consideram o maior físico da história dos Estados Unidos, usaram o jogo de xadrez como imagem da realidade natural. Existe um Universo, cujas leis não são evidentes e têm de ser descobertas pelo homem inteligente; e, mais, não temos outro recurso senão o de acompanhar o jogo - protagonizado pela Natureza- antes de entendê-lo, o que significa errar muitas vezes antes de acertar com as suas regras.

Thomas Henry Huxley (1825-1895)

Charles Darwin formulou a Teoria da Evolução
entre 1836 e 1858: as espécies evoluem mediante processos naturais, a partir de algumas poucas formas primitivas simples, quem sabe a partir de uma única forma. Quando suas idéias se tornaram conhecidas, foram combatidas pelos religiosos vitorianos, gerando uma controvérsia que culminou com um debate, diante de um público de 800 pessoas, na Universidade de Oxford, em 30 de junho de 1860.
Nesse debate, os ortodoxos foram representados pelo Rev
erendo Samuel Wilberforce, Bispo de Oxford, e Charles Darwin, por Thomas Huxley.

Huxley

"O tabuleiro de xadrez é o mundo, as peças são os fenômenos do Universo, as regras do jogo são o que convencionamos chamar de as leis da Natureza. O jogador do outro lado está oculto para nós. Sabemos que seu jogo é sempre limpo, justo e paciente. Mas também sabemos, pela nossa experiência, que ele nunca perdoa um erro, nem faz a menor concessão à ignorância."

( Thomas Huxley, em "A Liberal Education", 1868)


Richard Feynman (1918-1988)

Richard Fe
ynman, recebedor do Prêmio Nobel de Física de 1965, notabilizou-se por ter criado a Eletrodinâmica Quântica e por trabalhos importantes sobre interações fracas, trabalhos sobre interações fortes e trabalhos sobre a superfluidez do hélio líquido. Exímio professor, foi o criador do "diagrama de Feynman". Passou uma temporada no Brasil, onde, tocando tamborim com maestria no bloco carnavalesco Inocentes de Copacabana, foi campeão do carnaval em 1952.

Richard Feynman

"Podemos imaginar que esse arranjo de coisas móveis que constitui o mundo seja algo como uma grande partida de xadrez jogada pelos deuses, e nós somos os observadores do jogo. Não conhecemos as regras, e tudo que podemos fazer é observá-lo. É claro que, se insistirmos na observação, acabaremos captando algumas das regras, e estas formam a física fundamental. Quando conhecermos todas as regras, estaremos "entendendo" o mundo."

(Richard Feynman, em "Feynman Lectures on Physics", 1963)

sábado, 16 de janeiro de 2010

DOCE ARROZ AMARGO

Premonições, maná e bolsa de valores

Qualquer pessoa normal entende a lógica da contabilidade, pois o grande Luca Paciolo, criador das partidas dobradas, era um homem positivamente menos complicado do que o professor Kakaze. Para começar, a terminologia é simples e direta. Não se cogita de nenhum logaritmo, nem de derivada, mas do ativo disponível. O passivo circulante ocupa o lugar das equações trigonométricas e das integrais indefinidas, e não há espaço para inequações de nenhuma natureza, sendo certo, com justa razão, que os dois pratos da balança deverão permanecer em rigorosa paridade.
Fora isso, basta ter um pouco de organização, para não misturar informações, e de paciência, para consultar tabelas, como quem vai ao dicionário.

- Ah, vale também um pouco de bom senso, para nunca somar o que deve ser subtraído, pois essa inversão implica um erro multiplicado por dois.


- Fora da contabilidade também.

Logo percebi que a atividade estava a meu alcance e, incapaz de viver das palavras cruzadas, decidi trabalhar como contador. Botei banca de guarda-livros, apenas ciente dos prolegômenos contábeis, e nesse mister, entre borradores e diários, muito me valeu o aforismo de Sparafucile de Pococô:

- O dinheiro é bolsípeto, pois, se sair de um bolso, entra necessariamente em outro bolso.

- Bolsípeto?

- Movido por uma força de natureza centrípeta, como aquela que a gente estuda na Física. Seria até melhor dizer "bolsímpeto".

No início faturava pouco, cobrando um salário mínimo por cliente. Depois, perdida a inocência, passei a exigir honorários cada vez mais elevados, certo de que os clientes não teriam como me opor nenhuma resistência. Impor o preço, na cartilha dos bem-sucedidos, implica um decisivo salto de qualidade...

Eu e a bolsa de valores

Foi, então, que entrei para a classe dos milionários de gabinete, quando gloriosamente me pus a especular na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, à sombra da Comissão de Valores Mobiliários, estimulado pela Fazenda, aplaudido, e muito, pelo Planejamento e conven
ientemente documentado pela Associação Nacional dos Analistas dos Mercados de Capitais. Ah, nunca me esqueça de dizer que naquela época tudo o que se amealhava nesse mercado gozava de isenção do imposto de renda.

- Um incentivo providencial, muito justo e conveniente...

Bolsa de Valores do Rio de Janeiro

Minha técnica era a de adquirir barato, e a termo, na adinamia do mercado, e enfiar caro, e à vista, nas fases de euforia. Em outras palavras, comprar quando todos queriam vender e vender quando decidiam voltar às compras, movidos pela ambição de violar princípios termodinâmicos e criar o moto contínuo de primeira espécie. Quem não se lembra de 1971, quando as pessoas trocavam suas casas por ações? O Plano Cruzado, esquecer quem há de?

- Eu, na outra ponta, vendia ações a mancheias...

Se é verdade que se pode perder muito (ou, o que dá no mesmo, ganhar milhões num dia e vê-los desaparecer no dia seguinte), o esperto geralmente se dá bem, muito bem, pois a Bolsa, convenientemente utilizada, pode ensejar um retorno muito superior ao esforço despendido.

- Um jogo desproporcional, desequilibrado, a favor dos... equipados.

- Engana-se o cruzadista que entender
, na vida real que existe cá fora do diagrama, que maná é apenas o alimento que Deus mandou em forma de chuva para socorro dos israelitas no deserto...

Arroz doce

Consumado o êxito das minhas especulações, desapareci completamente dos pregões, pois especular é atividade de gente pobre. Ou melhor, de gente ainda pobre. Comprei um apartamento de três andares, mais cobertura, na Avenida Vieira Souto, uma ilha em Cabo Frio e uma centena de salas nos melhores edifícios da Avenida Rio Branco. Passei a acionista majoritário de algumas empresas sólidas e rentáveis, engajadas em negócios de fertilizantes, bebidas e metalurgia, que meus prepostos administram com redobrado zelo e eficiência, na pressuposição e temor de que posso demiti-los a qualquer momento.

- Fiquei rico porque fui incapaz de aprender Matemática...


Do meu escritório, de frente para o pôster de Silvana Mangano, depois da surra na chuva e molhada de 18 anos, contemplo com nostalgia a obra de 13 quilômetros a cuja construção não tive acesso por não ter entendido a distribuição de Gauss, eis o meu fracasso mais retumbante.

- Não me despojarei, porém, do mérito de tê-las antevisto, Silvana e a ponte, tamanhas, nas minhas premonições de adolescente...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

SANTO SUDÁRIO

A RELÍQUIA

A peça de linho, de 1,10 m por 4,35m, que se encontra guardada numa capela da Catedral de Turim seria a mortalha de Jesus Cristo ? Os sudaristas afirmam que sim, e os céticos garantem que não, duas correntes, antagônicas, cujos argumentos se baseiam em razões exaustivas e provas que se excluem mutuamente. Essa relíquia, conhecida pelos nomes de Síndone, Sabana, Mandylion, Santo Sudário ou simplesmente Sudário, foi fotografada pela primeira vez em 1898, por Secondo Pia, que obteve, como imagem, o negativo, em frente e verso, do corpo de um homem morto, inteiramente nu, com barba e cabelos longos, lembrando o Cristo crucificado.

História
Igreja de Lirey

O Sudário teria sido levado no Século I para Edessa, na Turquia, onde recebeu o nome de Mandylion, e lá permaneceu até 944, quando os bizantinos o transportaram para Constantinopla. A peça desapareceu de Constantinopla em 1204, levada para a Europa talvez pelos Templários, e ressurgiu na França, nas mãos do cruzado Geoffroy de Charny, que em 1356 o fez guardar na Igreja de Lirey.
Em 1453 Margarita de Charny doou-o a Ana de Lusignano, esposa de Ludovico de Savoia, que o manteve guardado na Igreja de Chambéry. Em 1694 o Sudário foi levado definitivamente para Turim, onde se encontra guardado na Capela do Arquiteto Guarino Guarini, anexa à catedral de Turim. Em 1983 a Casa de Savoia doou o Santo Sudário ao Vaticano, que, não obstante, manteve-o em Turim.

Cruz de Savoia

Céticos

Os céticos acreditam que a peça não passa de uma falsificação do Século XIV. Em 1988 fragmentos do Sudário foram submetidos ao teste do carbono 14, por três universidades, a saber, Oxford, na Inglaterra, Arizona, nos Estados Unidos, e Zurich, na Suíça, que indicaram tratar-se de objeto com origem entre os anos de 1260 e 1390. Walter McCrone, um dos mais famosos microscopistas do mundo, afirmou não haver encontrado nenhum vestígio de sangue no Sudário, além do fato de que não há nele nenhuma indicação de aloé e mirra, que teriam untado o corpo de Cristo, segundo o Evangelho de São João.

Turim
Sudaristas

Por seu turno, os sudaristas, também conhecidos como redentoristas, procuram desqualificar esses testes, alegando que os mesmos se basearam em amostras contaminadas, porque deterioradas pela presença de carbono e fumo, decorrente de um incêndio sofrido pelo Sudário em 1532. Os químicos americanos Alan Adler e John Heller encontraram hemoglobina nos fragmentos do Sudário e contestam a afirmação de McCrone de que a imagem corresponde a uma tinta formada por pigmentos ocre e vermelho, tratando-se, pelo contrário, do escurecimento das fibras do tecido por causa da hidratação da celulose. A mancha corresponde, assim, a sangue coagulado sobre a pele de um homem ferido, que não seria possível obter por meios artificiais. Pólens de flores que crescem na região do Mar Morto na época da Páscoa foram encontrados no Sudário, que, adicionalmente, contém resíduos de pólen da França e da Turquia. Muitos se dedicam profissionalmente aos estudos sobre o Sudário, sendo conhecidos como sindonologistas, cada um com sua especialização, que pode ser em anatomia, química, biologia, fotografia, computação gráfica ou palinologia. Há cerca de 400 grupos de sindonologistas, um dos quais, o STURP (Shroud of Turin Research Project - Projeto de Pesquisa do Sudário de Turim), formado por 40 cientistas, emitiu em 1983 um relatório contendo o resultado de 100 mil horas de estudo, com a afirmação de que suas pesquisas não atestam "nenhum indício de que a relíquia seja falsa".

STURP: pesquisando sobre o Sudário

João Paulo II

O Papa João Paulo II visitou o Sudário em Turim em 1988 e, contornando a controvérsia com grande habilidade, declarou, na ocasião, que “a Igreja confia aos cientistas a tarefa de investigar e responder adequadamente às questões relacionadas com o manto que, segundo a tradição, cobriu o corpo do Redentor, quando foi descido da cruz. O homem refletido no Sudário é a imagem do sofrimento humano, que nos convida à reflexão sobre o mistério da dor e de suas causas. Para os que creem, o Santo Sudário é o espelho do Evangelho.”

sábado, 9 de janeiro de 2010

EU E O VESTIBULAR

Ponte, gênios e solidão

Hoje tenho por melhor exercício divagar sobre acontecimentos afastados no tempo, pois o passado é a minha matéria. Mais ou menos na linha do doutor Pedro Nava, para quem o futuro é somente uma expectativa da nossa experiência, sujeita a todos os riscos, e o presente não tem dimensão, sendo apenas este ponto da trajetória, que já passou, nem sei se quem me lê percebeu.

- Só o passado existe como realidade objetiva.

Eu era obrigado a seguir para Araruama nos fins de semana, pois na minha família criança não tinha voz, nem vez. Eram horas intermináveis na fila das barcas, até chegar o momento de embarcar o carro e transpor a baía. Imaginei a ponte imensa e, dos seus numerosos profetas, fui dos poucos que tiveram a ambição de construí-la.

Do pensamento à ação, cheguei a frequentar um curso preparatório para o vestibular de engenharia, no longínquo ano de 1960. Meus planos esbarraram, porém, nos obstáculos que o professor Kakaze ia depondo à minha frente. Lembro-me muito bem da satisfação que lhe proporcionavam os seus teoremas e dos problemas que costumava propor, a todo instante, para testar os conhecimentos daquela turma de principiantes. Que só faziam revelar a minha inaptidão e aumentar a minha angústia. Pobre de mim!
Dia importante, nessa fase de ensaio e muito erro, foi o da questão que se colocou para sempre no epicentro das minhas frustrações:

- Utilizando dez consoantes e cinco vogais, quantos agrupamentos de quatro consoantes e duas vogais distintas podem ser formados?

Tremi, perplexo, sem saber como enfrentar o desafio. O Ramiro, lá na primeira fila, levantou-se rapidamente com o resultado:


- 1.512.000 agrupamentos.


A namorada do Ramiro

Não me contive:

- Então, professor, isso é necessário?

- Certamente, meu caro pitecantropo. Passaremos da análise combinatória ao binômio de Newton, que, de tão importante, é citado até nas poesias do Fernando Pessoa. Depois estudaremos o cálculo das probabilidades e a distribuição de Gauss. A qual há de ser sempre
campanular, você sabia? Sem a distribuição de Gauss não se enriquece o urânio, não se gera, não se transmite e não se distribui eletricidade, não se constroem as grandes estruturas, como o Maracanã, nem os canhões necessários à segurança nacional.

- Nem a ponte Rio-Niterói?

-Nem a ponte Rio-Niterói, ora se!


Voltei para casa cheio de desalento. Sem a distribuição de Gauss, não havia nenhuma salvação. Além disso, 1.512.000 agrupamentos!
Algumas semanas ainda insisti, impotente e desamparado, na luta desigual com integrais e polinômios. O desenlace entre mim e a engenharia, cada vez mais inevitável, consumou-se no dia 8 de junho de 1960, quando o Kakaze indagou pelo logaritmo, na base raiz de dois, do logaritmo de 81, na base raiz de três. Um pesadelo dentro do pesadelo. Enquanto o Ramiro dava, lá na frente, seu espetáculo de competência, escapuli sorrateiramente e, desatinado como um ícaro que percebe na queda a ruína das suas ambições impossíveis, abandonei a engenharia, em caráter irrevogável e irretratável.

- Não obstante a ponte Rio-Niterói?

- Não obstante a ponte Rio-Niterói.

Gênios

Cervantes escreveu o “Dom Quixote”, Rembrandt pintou a “Ronda Noturna”, e Einstein, mesmo assoberbado na seção de patentes de Berna, explicou o movimento browniano e o efeito fotoelétrico, entendeu a natureza dual da luz, a um só tempo partícula e onda, e formulou a desconcertante Teoria da Relatividade.

Ronda Noturna

Com certeza se dirá que foram gênios, e eu, óbvio que seja, muito modestamente acrescento: pessoas dotadas de extraordinária aptidão e avassaladora força de vontade.
Exatamente assim eu via o Ramiro, a quem estava reservado o privilégio das grandes edificações, incluindo, quem sabe, a ponte Rio-Niterói. Cervantes, Rembrandt e Einstein, lá atrás, gênios indisputáveis. Ramiro, cá na frente, na expectativa decorrente da minha experiência, era um gênio em plena e decidida elaboração.

Solidão
Eu, que não sou gênio por falta de talento e até mesmo por falta de vontade, estou sempre resolvendo problemas de palavras cruzadas. Não sei explicar por quê. Imagino que a atividade esteja relacionada com a solidão, tratando-se de empreendimento que não carece de parceiros, nem de testemunhas. Quando depôs sobre os anos de chumbo, Ernesto Geisel atribuiu ao general Costa e Silva o apego excessivo às palavras cruzadas. Posso imaginar o general, entre um e outro ato institucional, fazendo a invocação mística dos hindus com a luz que emana da ponta dos dedos e colocando o demônio tibetano no inferno dos malês, antes da noa, que salvo engano é a penúltima hora canônica.

- Indizível solidão...


quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

CAPIVARA NÃO TEM GARANTIA

UMA TACADA DE MESTRE

Tutu generoso e fecundo

- Digamos que você venda uma quantidade de ações da Petrobras por 100, comprometendo-se a entregá-las apenas numa data futura; depois, a ação caindo, antes da data futura acordada você recompra igual quantidade por 40, por exemplo; como você vendeu e comprou a mesma posição, está zerado e não precisa entregar nada. Um jogo, de créditos e débitos, onde não entram ações, que estas não interessam, mas apenas suas cotações. Mas há um troco de 60, entendeu?

- Troco de 60?

- O qual é tutu, generoso e fecundo, no bolso da criança!

- Mas as ações da Petrobras vão cair?

- Sem nenhuma dúvida, Yorick, pois sei de fonte limpa que o balanço anual, no fim do mês, virá muito aquém da expectativa do mercado. Balanço ruim, as cotações correrão para baixo, uma tacada de mestre!

Faturando com a queda

Yorick, o poliglota, não tinha nenhuma familiaridade com esses torneios vitoriosos da Bolsa de Valores, mas compreendeu a operação. Ouvira falar vagamente de mercado futuro e de gente que ganhou fortunas com esse tipo de especulação e acabou admitindo que aquela era a sua vez. Se tinha uma informação privilegiada, era usá-la para ganhar também.

- Anche io sono figlio di Dio, pensou ele, assim mesmo, em italiano.

Marina

Marina

Procurou uma corretora de valores e negociou os maiores lotes que lhe permitiam seus recursos, pois, se tinha de entrar nesse negócio, que fosse de maneira decisiva. Ganhar o dinheiro da sua vida e casar com a Marina, pois não me recusará, como antes, quando o cidadão aqui não era um milionário.
Reuniu todas as suas disponibilidades, além de recorrer a empréstimos bancários, para fazer a margem, que era a garantia exigida na operação.
Restou-lhe, depois, aguardar, e Yorick foi acompanhando, ansioso, a evolução do mercado pelos jornais. As ações da Petrobras, como previsto, começaram a cair devagarinho, que a informação sub-reptícia vai se alastrando, insidiosa, de modo que os avisados vão se livrando do papel. Se há muita oferta, os preços desabam, eis uma lei presente em todos os mercados.

- So far, so good, pensou Yorick, satisfeito.


Quando afinal o balanço fosse publicado e a desvalorização chegasse ao máximo, recompraria os lotes vendidos, auferindo o lucro da sua vida.


Geometria e capivaras

A geometria, que é anterior ao homem, nos mostra que o quadrado de uma hipotenusa é soma de dois quadrados, sempre, sempre, antes do Big Bang, na época de Empédocles de Agrigento, nos dias atuais e eternidade adentro. Uma propriedade assegurada por estoicos e desavisados catetos, bastando medi-la e elevar ao quadrado o resultado da medição, qualquer que seja a hipotenusa, não importa se feia, imbecil ou desfavorecida.

- Por que se pode afirmar isso?

- Porque a geometria garantidamente não falha!


- E o resto?

- Bem, o resto é o resto, como a capivara, que não tem nenhuma garantia.

Nenhuma garantia

Pois é, o inesperado aconteceu. Uma semana antes do balanço, veio o anúncio precipitado da descoberta na Bacia de Campos, triplicando as reservas nacionais de petróleo. As ações da Petrobras, ao invés de cair, dispararam na Bolsa de São Paulo, tanto quanto em Wall Street e Buenos Aires. Nunca tinha havido uma escalada tão espetacular nas cotações do papel. Ou seja, no caso do Yorick a tacada funcionou ao contrário. Viu-se obrigado a recomprar os lotes comprometidos pelo dobro do crédito gerado na operação, realizando, no frigir dos ovos, um prejuízo de 102,5 por cento, para zerar sua posição. Por isso tinham exigido todas aquelas garantias! Perdeu na empreitada tudo o que possuía e retirou-se para uma cidadezinha do Espírito Santo, onde sobrevive vendendo sanduíches de linguiça, da boa e apimentada, à porta do estádio de futebol.

Yorick

- Sou Yorick, o bobo da corte.

sábado, 2 de janeiro de 2010

SOLILÓQUIO

Aguardando uma tertúlia literária

Chego muito antes das 14 horas e acomodo-me na primeira fila. Lembro-me de ter trazido as crônicas do Machado de Assis e aproveito para ler sobre o velho Senado, pois conhecer a alma das instituições sempre me comove e emociona.

Machado de Assis

"Paranhos costumava falar com moderação e pausa; firmava os dedos, erguia-se para o gesto lento e sóbrio, ou então para chamar os punhos da camisa, e sua voz ia saindo meditada e colorida. Naquele dia, porém, a ânsia de produzir a defesa era tal, que as primeiras palavras foram antes bradadas que ditas:

- Não à vaidade, senhor presidente...

Daí a um instante, a voz tornava ao diapasão habitual, e o discurso continuou como nos outros dias. Eram nove horas da noite, quando ele acabou; estava como no princípio, nenhum sinal de fadiga, nem dele nem do auditório, que o aplaudiu."

Bardo Sereno

Dez minutos passados, talvez mais, absorvido pelo texto do Machado só agora percebo que a sala está lotada. Há muitas pessoas em pé. Ainda faltam 20 minutos para o início da sessão, uma eternidade. Subitamente um homem levanta-se no meio da plateia e toma a palavra:

- Meu nome é Bardo Sereno. Nada tenho a ver com este evento, mero circunstante e metediço que sou por aqui, mas gostaria que os senhores ouvissem o meu texto.

Bardo Sereno

Um constrangimento prolongado, até que o velhinho da bengala se manifestou:

- Texto, que texto?

- Um pequeno solilóquio, mediante o qual apresento a minha capacidade.

- Solilóquio... O que é isso?

- Um monólogo dramático de caráter literário, onde a personagem verbaliza o seu pensamento.

- Manda lá o solilóquio, se de fato pequeno.

- Aí vai... Maldo, escarneço, degringolo, hiperbolizo, descuro, prevarico, infernizo e obscureço, sem que ninguém se dê conta da iniquidade que represento. Tergiverso, ocultamente, e como! Posso rir de todos os discursos sobre o método, extrair a raiz cúbica do infinito, iluminar buracos negros e consolar girafas escandalizadas, eis alguns dos meus mais frequentes e divertidos passatempos. Posso evitar o assassinato de Lincoln, impedir o terremoto de Lisboa,
apagar o incêndio de Roma, absolver Giordano Bruno e Galileu Galilei, decidir sobre o Santo Graal, conferir os cálculos de Eratóstenes e reabrir a Academia de Platão, dela excluindo os que não saibam matemática, e somente estes. Que mais, isso mesmo, que mais? Sou capaz de conversar com Cervantes, convencer o indeciso Pilatos de que a democracia direta é muito complicada, conter os arroubos de Napoleão ou salvá-lo de Waterloo, dar ouvidos a Beethoven, atirar longe a cicuta de Sócrates e comprar trigais diretamente de Van Gogh. Uma pechincha, senhores, uma pechincha!

- Muito bem!

- Maravilhoso!

- Valeu, Bardo Sereno!

- Sinceramente... Eu não esperava críticas, assim, tão construtivas.
Obrigado, obrigado a todos!

Pier Angeli

- Saiba, Pier Angeli, que amanhã será tarde demais.

Muito curioso esse Bardo Sereno, mas prefiro que ninguém mais se anime para uma segunda exibição. Não tenho disposição, nem paciência, para ser plateia dos ASP, autores sem público. Pelo menos aqui. Não mesmo, não mesmo. Pois, como caixa de banco indefeso e desqualificado, sou obrigado a ouvir todo dia o gerente da conta dos aposentados, que tem um discurso parecido com o desse Bardo Sereno para relatar suas inesgotáveis proezas e capacidades. É o doutor Pacheco, um velhinho que fala rumeno sem sotaque, conhece armas e brasões, é PHD em geografia política, foi campeão de tênis, derrotou o Petrossian com xeque-mate de cavalo e sobreviveu 40 dias no deserto. Ah, antes que me esqueça, protagonizou o Cyrano de Bergerac, namorou a Pier Angeli e deu aulas particulares para Norberto Bobbio.

- Solilóquio, so - li - ló - quio...