quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

AI DOS VENCIDOS

ERREI, FUI HOMEM...

Casei- me em 2001, logo após ser contratado pela Energy Improvements. Por orientação do diretor de empreendimentos, tomei um curso de oito meses na Fundação Getúlio Vargas, no qual entrei engenheiro civil, sabendo construir prédios, obras hidráulicas, estradas e viadutos, e saí engenheiro de produção, preparado para examinar projetos de investimentos, orientar a tomada de decisões em regime de incerteza e discutir cláusulas contratuais de joint-ventures com companhias internacionais de energia.

Sofia

Imediatamente formei uma equipe de negociações, integrada por dois engenheiro de minas, um economista, um advogado e alguns estagiários. Minha secretária, Sofia, falava vários idiomas, sabia tudo de informática e era admirada por sua beleza excepcional, mas nela enxergava apenas a excelente profissional, pois amava minha mulher, que me bastava, e não tinha olhos para nenhuma outra pessoa.

Sun Tzu

Nossa atuação era de natureza prospectiva. Competia-nos descobrir a oportunidade, estimar os custos e receitas de cada projeto potencial, orientar a decisão a ser tomada pelo conselho de administração, buscar sócios, participar das licitações e negociar os acordos. Primeiro, calculávamos os resultados virtuais dos eventos possíveis,
a respectiva probabilidade de ocorrência e, finalmente, o valor monetário esperado do projeto médio, composto com as propriedades de todos os eventos possíveis. Depois, efetuávamos as negociações dos contratos, que eram assinados com agências do governo ou, quase sempre, com companhias que se associavam às nossas joint-ventures. No decorrer dos meses, com a experiência adquirida, chegamos a desenvolver uma linha de atuação, a filosofia da competência, para não errar nas negociações, pois os estrangeiros vinham cheios de estratagemas, dossiês pessoais e providências facilitadoras.


- Aquela história de Sun Tzu, prazos enganosos, falsos orçamentos, cláusulas de palha e quejandos, que a gente conhecia exclusivamente para nossa defesa, pois o recurso da enganação não se encaixava no nosso repertório como um postulado estratégico.

Todos os pontos deveriam estar negociados antes da assinatura de qualquer protocolo, ou seja, se a negociação não estivesse toda concluída, não haveria solenidade comemorativa de nenhuma natureza, nem encontro dos negociadores estrangeiros com nossos diretores. Também exercitávamos a flexibilidade, com o objetivo de acomodar pretensões justas da outra parte, caso houvesse, sem comprometer os nossos interesses. Decidi também que nós nos prepararíamos à exaustão antes de qualquer negociação, excluindo definitivamente a figura do negociador desprevenido e despreparado. Ficou também estabelecido que cultuaríamos a discrição, não mentindo para os que negociavam conosco, não demonstrando autossuficiência, não ironizando as posições da outra parte e nunca comentando aspectos da negociação com pessoas não envolvidas nas mesmas.

Negociadores

É justo acrescentar que Sofia, extrapolando suas funções, aos poucos mostrou-se de grande valia na formulação de cláusulas alternativas e na redação dos textos. Muitas vezes participava das nossas discussões preparatórias e não raro sugeria caminhos alternativos, que serviam ao êxito das negociações.

Êxito

Funcionou. Funcionou, sim, muito bem. Ouso dizer, a partir dessa experiência, que o planejamento determina o êxito.
Uma vez concluídas as negociações, a execução das obrigações contratuais cabia a outros departamentos, que, para meu orgulho e felicidade, nunca se queixaram de nenhum defeito substantivo em nenhuma cláusula negociada sob minha supervisão. Oito anos de êxito. Eu me considerava um negociador vitorioso, gostava do que fazia e vivia uma permanente sensação de bem-estar. É bom, muito bom, perceber que se tem importância num projeto decididamente vencedor. Um diretor chegou a dizer que eu negociava "como um lorde-chanceler”, o que me deixou orgulhoso, e até envaidecido, mas o que me movia, para além de meu amor por minha mulher, era a obsessão do trabalho bem feito.

Carla
Carla, minha mulher, fazia uma exuberante carreira paralela, como estilista profissional. Nossa parceira familiar sólida e generosa era fundamental para nossas conquistas e êxitos profissionais. Pois nós nos amávamos, para dizer numa palavra tudo. Eu me divertia com a ideia de que ela poderia substituir-me na Improvements, apta que estava para estimar custos e receitas, traçar perfis de lucro e calcular juros e taxas de rentabilidade. E refutar todos os ardis que os do outro lado da mesa lhe opusessem na negociação das cláusulas contratuais.

- Mas a recíproca não era verdadeira, pois eu nada entendia de moda e de desfiles...


Houve, porém, a Sofia...

É preciso, todavia, contar todo o resto, pois errei, fui homem. Sofia, a linda secretária, tornava-se cada dia mais irresistível e, aos poucos e com muita arte, acabou me atraindo para jantares dissimulados e escapadelas desestabilizadoras. Não cabe aqui a menção de pormenores e miudezas, que nem serviriam para melhorar a narrativa, bastando acrescentar que, ao fim e ao cabo, terminei ficando sem as duas mulheres. Carla me colocou imediatamente para escanteio, desaparecendo completamente da minha vida.

- A independência financeira torna o desenlace fácil e operacional...

Desorientado e sem rumo, comecei a equivocar-me nas negociações, escolhi projetos temerários e resultei demitido da Improvements. De pronto Sofia me descartou: claro, eu já não representava uma prenda a ser conquistada.

Estou, em 2009, como comecei, oito anos atrás: sem mulher e sem emprego.

- Ai dos vencidos!

A frase foi dita em 387 a. C. pelo general gaulês Breno, aos romanos derrotados, que reclamavam dos elevados tributos de guerra. Sabia muito o bravo e eficiente general.

Um comentário:

Alaya disse...

Caro Remo, estava procurando algum email ou contato seu no google quando cai em seu blog. Sou mestranda em filosofia antiga pela UnB e fiquei muito interessada num paper que apresentastes em um colóquio de filosofia da religião organizado pelo prof Marcus Reis.
Estou estudando Plotino e o Gnosticismo e gostaria de saber se poderia me enviar seu trabalho sobre Platão e o Gnosticismo??
Fiquei muito interessada.
Obrigada
Alaya (alayadullius@gmail.com)