domingo, 8 de fevereiro de 2009

VERSOS RIDÍCULOS

Minha cachorrinha

Confesso que tenho cara de sósia, do tipo trivial e genérico, tantas vezes me confundiram com outras pessoas.

- Você não é aquele jogador do Palmeiras?

- Parabéns pelo seu discurso de domingo!

Aquela noite, todavia, o mal-entendido veio com exagerado fervor e destempero. Saíamos do motel, e a desconhecida, irrompendo do nada, deu um empurrão em May e dirigiu-se a mim de maneira agressiva e irracional.

- Pensa que a coisa vai ficar assim, seu cretino? Me deixando por essa aí? Não adianta tirar a barba, nem o bigode, que eu te reconheço debaixo de qualquer disfarce, mesmo fantasiado de Satanás ou de vice-rei da Catalunha! Eu irei atrás de você até as profundezas do inferno!


De um lado, a mulher equivocada, cheia de fúria e desespero, e, do outro, um homem perplexo e desconcertado, eu, exatamente eu, sem saber o que fazer, nem como reagir.


- Mas, quem é a senhora?

- Não sabe quem sou eu, essa é boa, muito boa! E, além de tudo, me chamando de senhora! Você sempre me chamou de minha cachorrinha, não se lembra não, seu cretino?

- Sou a sua cachorrinha!

Cada vez mais desorientado, naqueles minutos que pareceram uma contundente eternidade, só a custo consegui me desvencilhar da mulher alucinada. Então, a surpresa maior: May, na confusão, havia abandonado o local, desaparecendo misteriosamente.

Julgado e condenado

À perplexidade daquele momento juntou-se a decepção dos dias que se seguiram.
May simplemente recusou-se a atender aos meus telefonemas.
Não sei se doeu mais a separação ou se a lógica absurda na qual se baseou. Semanas a fio vivi uma sensação de impotência, a de um inocente condenado por causa de um lamentável mal-entendido, inerme e inerte diante de um tribunal chamado May, a mulher que eu amava. Que ouviu uma acusação contra mim, de nenhum fundamento, julgou-me e condenou-me, sem sequer conceder-me a generosidade de me ouvir.


Julgando e condenando...

Apesar disso, ou, quem sabe, exatamente por isso, sentia muita falta dela.
Afinal, May não tinha culpa de ignorar minha inocência.
Foram dois meses de angústia. Uma poesia nunca passara pela minha cabeça, pois
não tenho nenhuma afirmação abrangente a fazer, nem para os amigos, nem, sobretudo, para a humanidade. De repente, porém, a mão correu mais que o medo do grotesco e os versos fluíram, arredondilhados e cheios de rimas.

Versos ridículos

Cheguei a ensaiar tudo o que lhe diria.

- Fiz uma poesia para você, os primeiros versos da minha vida:

A banda passa na praça,
Tocando com muita graça.
Passa boi, passa boiada,
Passarinho, passarada.

O aluno estuda e passa,
O filme passa no paço,

E, do pascácio que caça
Com ledo desembaraço,

Não fica nem a carcaça.
A febre, grande ameaça,
Sempre demora, mas passa,

Sem deixar nenhum defeito.
Mas você, aqui no peito,

Agarrada como traça,
Impassante, impassada,

Só você é que não passa.


Você não passa...

Para ir ao Museu e depor-lhe o meu amor, eu teria de enfrentar, e vencer, todas as minhas resistências. O que não consegui, pois, tudo aferido e sopesado, prevaleceu o meu recato.

- Ir ao Museu, de poesia em punho, onde já se viu, ora essa!

Uma decisão acertada, pois tenho horror ao vexame. Mas, convenhamos, os meus versos, como são ridículos os meus versos! Só faltou dizer que a uva se atrasa, mas passa!
Sic transit gloria mundi, ou, dizendo melhor, perdi mais esta, pois não soube mais da May.

4 comentários:

Anônimo disse...

Resposta da may:
Já não se encantarão os meus olhos nos teus olhos,
Já não se adoçará junto a tí a minha dor.
Mas para onde vá levarei o teu olhar
e para onde caminhes levarás a minha dor.
Fui tua, foste meu.O que mais? Juntos fizemos uma curva na rota por onde o amor passou,
Vou-me embora.
Estou triste:mas sempre estou triste.
Venho dos teus braços.
Não sei para onde vou.
Mas te amo secretamente, entre a sombra e a alma,
Te amo não assim deste modo em, que não sou nem és.
Posso escrever os versos mais tristes,
Que me ouve de longe, e a minha voz
não te alcança.
Deixa-me que me cale com o silencio teu.
Adeus!

cirandeira disse...

Fiquei rindo sozinha diante do computador!O teu senso de humor é ótimo e aquela cachorrinha com lacinho na cabeça, toda produzida, é demais, está mesmo hilária.Quanta imaginação e criatividade ao escrever. O que tens publicado, já saiu alguma coisa nas livrarias? Gostaria de saber para poder conhecer tua obra...Tô falando sério, viu? Avisa-me. Grande abraço e obrigada pela "visita" no "cirandeira".

Remo Mannarino disse...

Cirandeira:

Sou autor dos livros "Hamlet e Macbeth nasceram em Muriaé" (contos) e "O Homem Horizontal" (romance). Este último talvez possa ser encontrado na Livraria da Travessa - veja no site abaixo

http://74.125.47.132/search?q=cache:Xh1Zp3y0ShUJ:www.travessa.com.br/Publit/editora/

Encontra-se também, com certeza, na Banca de Jornais Ataulfo 900 (quase esquina com General Urquiza). "Hamlet e Macbeth..", atualmente, pode ser obtido comigo (tanto quanto o HH).
Melhor seria eu entregar os dois livros a um portador seu.

Um grande abraço,

Anônimo disse...

Inteligentissimo seu blog.
Parabens!