domingo, 2 de novembro de 2008

A IMAGEM DO UNIVERSO (2/n)

Hesíodo

Hesíodo (770 - 700 a. C.), poeta que viveu na Beócia, região situada no centro da Grécia, passou a maior parte da vida em Ascra, a aldeia natal. Segundo seus próprios relatos, depois da morte do pai, seu irmão Perses corrompeu os juízes locais e apoderou-se da maior parte da herança que a ambos correspondia. Por esse motivo, em suas obras sempre exaltou a justiça, cuja guarda atribui a Zeus. Diferentemente de Homero, não se ocupou das esplêndidas façanhas dos heróis gregos, mas sua obra constituiu um dos pilares sobre os quais se edificou a identidade helênica.
Ficou conhecido por dois trabalhos, de caráter didático:

- Trabalhos e Dias, um poema destinado às comunidades gregas de agricultores, em que ressaltava a necessidade do trabalho duro e honesto e estabelecia normas para a agricultura e para a educação dos filhos.

-
Teogonia ou Gênese dos Deuses, um poema místico, relato da história dos deuses da mitologia grega pré-homérica.

Hesíodo

Trabalhos e Dias

Nessa obra Hesíodo trata de temas terrenos, mostrando uma utilização prática para as informações colhidas na observação do céu. Estava-se já em plena “revolução neolítica”, que se caracterizou pelo surgimento da agricultura e, pois, da necessidade de prever as melhores épocas de plantios e de colheitas, programar as festas religiosas e estabelecer os melhores períodos para a navegação. Por isso, sem ainda ter chegado à ciência, o homem já olhava para o céu e até sabia sobre o “movimento” das estrelas e suas posições ao longo do ano. De fato, Hesíodo mostra aos agricultores como deveriam se organizar tomando por base os acontecimentos do céu:

"Ao despertar das Plêiades, filhas de Atlas,
dai início à colheita e, quando se recolherem, à semeadura.

Ordenai a vossos escravos que, tão logo surja
a força de Órion,
pisem, em círculos,
o trigo sagrado de Demeter, em local arejado e eira redonda.
Quando Órion e Sírius alcançarem o meio do céu
e a Aurora dos dedos de rosa enxergar Arturus,
colhe então os cachos de uva e faça a sua provisão."
.
Os pontos de orientação do agricultor são as estrelas mais brilhantes, como as Plêiades, Arturus e Sirius:

Plêiades

Plêiades

As Plêiades ("Sete Irmãs") são um aglomerado estelar da constelação de Touro; seu levantar matinal ocorre em maio, início da estação quente e propícia à navegação (para Hesíodo, a época de colher); seu ocaso matinal, em novembro, coincide com o início do inverno e das tempestades no Mediterrâneo (época de semear).

Arturus

Arturus (Alpha Boötis)

Arturus é uma estrela dupla de primeira grandeza, situada na constelação do Boieiro, no prolongamento da cauda da Ursa Maior. Arturus é a quarta estrela mais brilhante do céu e é tão luminosa que se distingue por sua cor alaranjada. Os gregos identificavam-na com o filho da deusa Demeter, o qual passou à mitologia romana com o nome de Ceres - não por acaso a divindade dos produtos da terra, especialmente o trigo. De "Ceres", vem a palavra "cereal".

Sirius
Sirius, estrela da constelação do Cão Maior, a somente 8,7 anos-luz da Terra (82,3 trilhões de quilômetros), emite 23 vezes mais luz do que o Sol e é 1,8 vezes maior do que este. É a estrela mais brilhante do céu. No antigo Egito, Sirius era venerada e associada à Deusa Sothis, ou Isis Sotis, e ao Deus Hermes Thot. Seu aparecimento no céu coincidia com o momento da cheia do rio Nilo, no auge do verão, implicando fertilidade às terras inundadas e trazendo prosperidade. Na antiga Roma, cachorros eram sacrificados em nome de Sirius.

Teogonia

A concepção de Hesíodo sobre a origem dos deuses mistura fatos da observação (noite, tempo, sombra, luz, terra, céu, mar, montanhas) com suas idéias mitológicas.

Hemera

No início era o Caos, depois vieram a Terra e o Amor. A sombra originou-se do Caos, e da sombra nasceram Érebo, a personificação da escuridão, e sua irmã gêmea Nix, a personificação da noite. Érebo desposou Nix, gerando a luz celestial (o Éter) e o dia (Hemera).
A Terra (ou Gaia, ou Géia)
dará nascimento às montanhas, ao mar e ao céu (Urano), com o qual se acasalou para procriar os titãs, entre os quais Cronos e Réia.

"A Terra deu à luz Urano, o céu estrelado, para que ele pudesse cobri-la completamente e ser uma morada firme e permanente para todos os deuses. Gerou depois as montanhas, cujos vales são moradas favoritas das deusas, as ninfas. Gerou também aquele mar desolado, encapelado, o Ponto Euxino, tudo sem Eros, sem acasalamento."

Cronos insurgiu-se contra Urano, derrotou-o e governou o Universo, até ser destronado pelo filho Zeus, que fundou o panteão helênico clássico.


A importância de olhar o céu

"Ter uma idéia acerca da Terra, mesmo de forma mítica, já implica certo grau de abstração. Para elaborar tais representações, os homens acumularam, desde os tempos mais remotos, observações sobre os grandes fenômenos astronômicos: a trajetória do Sol, as fases da Lua, a rotação do céu noturno... já que esses eventos estão indissoluvelmente ligados ao seu cotidiano e à sua necessidade, progressivamente afirmada, de se orientar no tempo e no espaço."
(Arkan Simaan e Joëlle Fontaine, em "A Imagem do Mundo, dos Babilônios a Newton", Companhia das Letras, 2003)

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