quarta-feira, 4 de junho de 2008

UMA TÉCNICA DE ALHEAMENTO

EUTANÁSIA

Certo dia, a uma pergunta de Português, em vez de “antonomásia”, respondi “eutanásia”, e esse equívoco mudou para sempre a minha vida. Não é normal, nem justo, que fique impune um pecado desta magnitude. Recebi, porém, uma pena desproporcional:
deram-me o apelido de "Eutanásia", e passei a ser enxovalhado pelos colegas, pelas meninas e até pelos professores.

O bobo da corte
- Como vai, Eutanásia?

- Bom dia, Eutanásia!

- Vamos jogar bola, Eutanásia?


- Alhos com bugalhos, Malásia com Dona Eufrásia, viva o Eutanásia!

Eutanásia, o bobo da corte, eu, exatamente eu! Esquecia-me de acrescentar que tenho horror ao vexame. Passados quase vinte anos, ainda carrego dentro do peito dolorido o ônus desse passado insuportável. Acumulei pouco amor, nenhuma fé, muita renúncia e abjeções dolorosas, certo de ser um culpado definitivo, nem importa de quê. Sou culpado, absoluta e inarredavelmente culpado, e a todos eximo de me perdoar ou absolver.


Alheamento

O recurso era ignorar as provocações, e, isolado na carteira da última fila, sentia-me humilhado, só e desnecessário. Não prestava nenhuma atenção às aulas e quase não interagia com as outras pessoas, que já não me interessavam, muito menos seus projetos, êxitos e fracassos. Não ria de anedota, contada fosse por colega ou professor, e cada vez menos ia ao pátio na hora do recreio. Aos poucos fui desenvolvendo uma técnica de alheamento que me permite voar para longe das minhas circunstâncias, sendo esta a blindagem contra o que não preciso ver e, principalmente, contra o que não quero ouvir. Eles falam aqui, e eu estou lá, longe, muito longe, tentando entender o princípio da relatividade, de Galileu, ou aprendendo com Schopenhauer que a gente vive para... continuar vivendo.

Permaneço desde então dedicado aos livros, estes, sim, amigos leais e incapazes de ignomínias ou provocações. Leio e dialogo com o que li, pois eu, apenas eu, sou a medida de mim mesmo.
Meu interesse maior é pelos poetas, seres especiais, iluminados, que prestam relevantes serviços no domínio dos sentimentos e dos sonhos. São os missionários da alma, a cozinha especial de que nos fala Fernando Pessoa, a nos servir, quentes e bem passados, os sentimentos universais dos seres humanos:


Quem, de fato, não se viu reproduzido nas Confidências de um Itabirano, de Drummond?

Quem não teve os sonhos de Pasárgada, de Manuel Bandeira?

Quem não admitiu, alguma vez, errei, fui homem, como Fagundes Varela, ou não teve, como João Cabral, uma educação pela pedra, por lições, para aprender da pedra, freqüentá-la?

João Cabral de Melo Neto

Não me limitei aos poetas, todavia. A esmo e sem nenhum planejamento, desvairadamente li
peças, folhetos e ensaios, Dostoiévski e Marcel Proust, as crônicas de Graciliano Ramos e de Rubem Braga, os discursos de Rui Barbosa, a vida de Abraham Lincoln, inumeráveis coisas assim, mas também matemática, cosmologia e, principalmente, livros de física ou sobre leis físicas, fascinado que sou pelo espetáculo soberano da Natureza.

- Eutanásia, como assim?

- Por antonomásia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Neste capítulo Eutanásia ou antonomásia, o autor se desdobra e enriquece com seus conhecimentos literários, tudo que assimulou no decorrer dos anos.Autonomásia figura semântica de retórica que consiste em designar um indivíduo por um nome comum ou pela espécie também a que pertence: A cidade (maravilhosa) Rio de Janeiro, são usadas para embelezar o texto e evitar repetição como no quadro Guernica de Picasso: retórica contra o fascismo e a guerra.De Dostoievski onde este autor Russo descreve tão bem em Fiador romance que se passa em São Peterburgo nos dando a descrição que o Sol se pôe quase à meia noite,e até a madrugada não fica totalmente escura, nos convidando a meditarmos sobre a Luz que dissipa as Trevas!
Poetas como Fernando Pessoa, Português que escreveu: Ler é sonhar pela mão de outrem.
Confidências de um Itabirano mineiro Drummond nos faz relembrar também nossa pequena cidade que nos acolheu com nossas indecisões, alheamentos, mas procurando agora nos desvencilhar do hábito de sofrer, do orgulho, cabeça baixa, lembranças que ficaram, tentando olhar o ontem sem dor!
Manoel Bandeira:
...E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro bravo
Subirei no pau de sebo...
...Que no tempo de "eu menino"
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada!
João Cabral poeta pernambucano, foi embaixador, doutor Honoris causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte,consul em Portugual autor de uma engenharia poética na sua obra inesquecível: Morte Severina!
Marcel Proust escritor francês romancista e crítico literário, na obra "Em busca do tempo perdido dizia:
O nosso "Eu" é edificado pelo suposição de estados sucessivos, mas essa superposição não é imutável, como a estratificação de uma montanha.Levantamentos contínuos fazem aflorar a superficie de camadas antigas!
__Aquilo que se aproxima, não é a comunhão das opiniões, mas a consiguinidade dos espiritos!
Carl Jung com seu livro Memórias Sonhos e Reflexões, proporciona a todos, inclusive ao autor fascinado pelo espetáculo soberano da natureza, inteirar-se num trechos escrito por Jung:
"Mas quando seguimos o caminho da individuação, quando vivemos nossa vida, é preciso também aceitar o erro, sem o qual a vida não será completa: nada nos garante em nenhum instante que não possamos cair em erro ou perigo mortal...Como Fagundes Varela admite: Alguma vez errei, fui homem!Maria das Graças.

Anônimo disse...

Uma Técnica de Alheamento diversifica com estas páginas e dá a cada um dos leitores oportunidades de procurar melhorar nossas limitações lendo tantos assuntos de poetas,cientistas, homens de bens, que nos tira do ostracismo,exilio de nós mesmos.
Muito convidativo!
Rubem Braga, com seu temperamento introspectivo e de um intenso lirismo, escreveu:
_Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:
"Eu sou lá de Cachoeiro"
Apenas para ler estas páginas deste livro teremos que acompanhar o autor em todo seu conhecimento tornando o livro numa gema literária,ilustrando com Rui Barbosa sua intensa produção intelectual:
Elogio à Castro Alves pelo seus dez anos de falecimento Rui Barbosa disse:
__Bem perto estive de sua alma pela amizade!
Abrahan Lincoln deixou também seu legado iluminado:
_Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o caráter de um homem dê-lhe Poder!
_Quase sempre a maior e menor felicidade depende do grau de decisão de ser Feliz!
Com o estudo da Evolução do Universo pela Cosmologia sabemos que existe " O Grande Arquiteto" que nos impusionam para este Espaço Incomensurável e Real.
Maria das Graças.