quarta-feira, 3 de março de 2010

MINHA PROFESSORA DE ETIQUETA

EU E SOFIA LOREN

- Elisa vai lhe ensinar maneiras. Depois você aprenderá sobre cepas e investimentos.


- Como assim?, perguntei, assustado.


- Ora, Thales, você participará de inúmeros encontros internacionais, de grave responsabilidade. Por isso, é essencial que você saiba o que os outros não sabem. Imagine-se no Castelo Sforza, em Milão, à mesa com Silvio Berlusconi, Diane Keaton e Sofia Loren, e, por hipótese, ....

Sofia Loren

- Eu, exatamente eu?

... a você é dado escolher um vinho para acompanhar o prato sugerido por Sofia Loren:
pato selvagem da região de Trentino. Como fazê-lo, sem conhecer sobre fenólicos e taninos ou ignorando a diferença entre um varietal italiano e um magnífico bordeaux, mis en bouteille à la propriété? Da mesma forma, você não poderá errar nos talheres. Nem ignorar o teorema das forças vivas, as concepções de Demócrito e de Empédocles de Agrigento ou, enfim, por que Tony Blair sustentou várias vezes na Câmara dos Lordes que a Inglaterra sempre se manteve acima do benchmark.

- Benchmark?


- Sim, um nível básico que serve para referência e comparação dos resultados alcançados por um país ou por uma empresa.

Benchmark competente...

Saber o que é benchmark, onde já se viu? Hei de arranjar uma maneira de avisar a esse pessoal que nasci em Cascadura, pois com certeza estão cometendo um descomunal erro de pessoa. Morrer, dormir, sonhar, renascer em Copacabana, quem sabe?


- Aprender tudo isso, eu, euzinho, que, embora Thales, não sou de Mileto? Você está falando sério?

- Seriíssimo. O homem moderno distingue-se pelo estilo e, principalmente, pelo nível de suas informações.

- Tudo bem, tudo bem.

- Elisa está esperando por você. Preste muita atenção, para não ser reprovado.

- Reprovado?

Etiqueta

É melhor receber aulas de etiqueta, e até ser reprovado, do que pedir dinheiro emprestado, contrair malária ou penar na fila dos doentes irreversíveis. Não importa, nada importa, pois, reprovado que seja, a História vai acabar me absolvendo. Ela se chama Elisa e vai me ensinar etiqueta, mais do que isso não sei.

- Os etimologistas afirmam que, na época do Absolutismo, os burgueses, de pouco refinamento, recebiam na forma de bilhetes (”etiquettes”), acostados aos respectivos convites, as regras de comportamento a serem observadas nos eventos da Corte. Essa a origem da palavra “etiqueta”.

- Muito interessante...

- Todavia, fica melhor pensar que a etiqueta é uma extensão da ética, uma eticazinha, como norma comportamental de respeito ao outro, dissociando-a das concepções preconceituosas que a relacionam com gestos de submissão, cerimoniais, salamaleques, frases feitas, talheres de prata, uso de luvas, fraques ou cartolas. Ser gentil com caixas de supermercado, não usar telefone celular em ambientes fechados ou ceder a vez a uma senhora na fila é mais importante do ponto de vista social do que segurar corretamente o garfo ou saber como dirigir-se a um garçom. A pessoa precisa saber como recusar um convite, comportar-se perante idosos e portadores de deficiências físicas, corresponder a um favor recebido, organizar uma lista de convidados ou agradecer por um presente de casamento. Não comentar sobre defeitos de outros, não ufanar-se, permitir que as outras pessoas também se manifestem e tomar em consideração opiniões e posições alheias. Não exibir-se, nem mostrar o que não sabe...

- Sempre faço muita força para isso, professora.

- Aprenda a dizer “bom dia”, “por favor” e “muito obrigado”. Se não quer, diga “não”. Se não sabe, diga “não sei”. Se tiver dúvida, peça todos os esclarecimentos. Seja assertivo, impondo-se sempre, mas sem grosseria, que esta nunca rendeu nenhum dividendo em favor de ninguém.

Linda, linda, a Elisa. Acho que ela está flertando comigo. Não, não, não, claro que não. Não posso dar nenhuma bandeira. Se dou um fora, ela amanhã me reprova, perco tanto o emprego quanto os banquetes com a Sofia Loren e fico com a só opção de voltar para Cascadura...

Noite de verão

Elisa

Acordei no meio da noite e percebi que Elisa estava deitada a meu lado. Seminua, linda. Voltei a dormir e, quando acordei, ela já não estava, como pode? Não foi sonho, não, pois ela segurou a minha mão carinhosamente e até conversou comigo.

- Thales?

- Sim, Elisa.

- Você foi aprovado.

Considero-me aprovado, aprovado para sempre!

4 comentários:

Fernando Graça disse...

Remo Mannarino (se é seu nome mesmo),
Tudo bem?
Estava lendo seu blog. Achei um primor. Você escreve muito bem. Não sei sua idade, mas isso não importa - você escreve bem e fico feliz de ver pessoas assim. Eu sou novo, provavelmente você é mais velho do que eu, mas como preferências não possuem relação com ser velho ou novo, vim lhe deixar um comentário. Mas gostaria de resposta. Não sou exigente, mas é que penso que podemos bater papo, principalmente sobre o caso do Shakespeare. Juro, morro de curiosidade. Já pensei em fazer projeção astral apenas para encontrar a alma dele. Não ria, por favor! Mas não encontrei seu e-mail. Poderia me enviar? fernando.280@gmail.com

Remo,
Conhece a Wikipédia? ''Não''! Tenho certeza que sim. Pois então, você deve entender a proposta da Wikipédia. Eu sou um usuário de lá e penso que, inclusive, você poderia contribuir de maneira significativa para o projeto, com todo seu conhecimento. Estou a trabalhar em Shakespeare lá (desde sua biografia até as relações a esse nome).

To aguardando.
Um abraço,
fernando

cirandeira disse...

APROVADÍSSIMO! Cada dia que passa
escreves cada vez melhor, é impressionante!
Concordo com o que Fernando disse:
teu blog é um primor. Coisa rara nessa blogosfera descartável.
Obrigada por compartilhar o que escreves conosco.
Um abraço

cirandeira disse...

APROVADÍSSIMO! Cada dia que passa
escreves cada vez melhor, é impressionante!
Concordo com o que Fernando disse:
teu blog é um primor. Coisa rara nessa blogosfera descartável.
Obrigada por compartilhar o que escreves conosco.
Um abraço

Aragão disse...

É maravilhoso o dom de transformar idéias em letras e palavras,e no meio de tanta coisa sem graça que se escreve neste mundo, ver seu trabalho foi gratificante.
Saudações democráticas.