quarta-feira, 10 de março de 2010

UMA PRIMAVERA NO TEXAS

CECÍLIA

Universidade do Texas (Austin)

Era a minha primeira aula na Universidade do Texas. O professor Burford, comentando o teste de admissão, revelou que dois alunos haviam se confundido na interpretação da terceira questão. Pelo mesmo e prosaico motivo: dificuldades com o idioma inglês. Ambos brasileiros, ambos recém-chegados a Austin.

- Um deles é este aqui, disse Burford, apoiando a mão sobre o meu ombro, e ele se chama Carlos Auvergne de Carvalho. The quick brown fox jumps over the lazy dog e, não obstante, o senhor não sabe o significado de dummy variable. Veja só!

Um vexame que nem cheguei a padecer, pois o professor, deslocando-se para o outro lado da sala, apontou para a bela jovem de calça jeans e casaco branco. Foi naquele momento que a vi pela primeira vez.


- Cecília, Cecília Lafayette de Castro.

O
aplauso de toda a turma era uma demonstração de solidariedade, que ela agradecia cheia de modéstia, mas com sorriso cativante. Sem dúvida, um tributo à sua extraordinária beleza, pois, se assim não fosse, teriam me aplaudido também, por que não?

Cecília

O importante é que eu já não estava só naquele mundo estrangeiro, cujo sotaque decifrava com dificuldade e ouvido incompetente. No Union´s, o restaurante do campus universitário, ela me explicou que era arquiteta por formação, mas tinha a ambição de ser estilista.


- The quick brown fox jumps over the lazy dog, o que Burford quis dizer com isso?


- A ligeira raposa marrom salta sobre o cão preguiçoso. É uma frase que contém todas as letras usadas no idioma inglês, utilizada nos testes relacionados com as máquinas de telégrafo. Essa frase faz parte do show do Burford, que viu em nós, estrangeiros, o pretexto para dizer que a língua inglesa se espalha galhardamente por aí, em todas as bibliotecas do mundo, usando não mais que escassas 26 letras. Daí a estranheza com alunos graduados que não sabem o que é dummy variable. Já pensou na tragédia que será alguém morrer sem saber o significado de dummy variable?

- Ou seja, isso de não saber inglês é pura negligência... Devemos reconhecer, todavia, que foi carinhoso conosco, pois, seja como for, fomos apresentados à turma.

- Sem dúvida... Mas, voltando à raposa, será que o Burford sabe português? São também 26 letras, as mesmas, se não estou enganada.

- Suficientes para escrever os Lusíadas.

- E as crônicas do Rubem Braga...


- Mudando de assunto, Cecília, por que uma estilista tem de estudar estatística?


- Porque trabalha com moda.

- Um trocadilho?


- Não, não mesmo. Onde você acha que os estatísticos foram buscar a sua noção de moda? A moda, a das roupas, tem tudo a ver com amostragem, média, mediana, momentos, desvio padrão...


- É, basta ter uma distribuição de frequências.

Moda, mediana e média

- E você, por que está aqui, na Universidade do Texas?

- Bem, sou engenheiro recém-formado e cumpro um treinamento de três meses, a serviço da WED.


- WED?


- Sim, W-E-D, Western Energy Development.


Cecília e eu decidimos estudar juntos e, entre histogramas, regressões e números-índices, tive a percepção de que estávamos construindo uma parceria vitoriosa, que iria para além de uma primavera universitária no Texas. Acertei, pois logo estávamos namorando, e morando juntos, perfeitamente integrados um ao outro.
Terminado o curso, visitamos Nova Orleans, San Francisco e Nova York, antes de voltar para o Rio de Janeiro.

- Se você quiser, Cecília, podemos duas coisas.

- Acho que podemos mais do que duas coisas, Carlinhos.


- Sem dúvida, mas quero me referir a duas delas, muito específicas e fundamentais. A primeira é estabelecer um binômio para nós: lealdade e generosidade.

- Muito justo e pertinente. E a outra?

- É a gente se casar, assim que chegarmos ao Brasil.

E assim aconteceu, pois na semana seguinte estávamos casados.

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