sábado, 1 de janeiro de 2011

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Um pouco do "Resíduo"
(muito pouco)

De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.

Dos gritos gagos.

Da rosa ficou um pouco.
Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato se cobriu.

Ficaram poucas roupas, poucos véus rotos,
pouco, pouco, muito pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco do teu queixo no queixo de tua filha. De teu áspero silêncio um pouco ficou, um pouco nos muros zangados, nas folhas, mudas, que sobem.

Se de tudo fica um pouco, mas por que não ficaria um pouco de mim? No trem que leva ao norte,
no barco, nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
Na consoante? No poço?

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Um comentário:

Anônimo disse...

Drummond com seus versos, traduz sentimentos diversos tentando resolver através deles, problemas existênciais internos, como: angustia, incompreensão e inadaptação ao mundo com sua personalidade reservada e tímida.
Ele era despido de qualquer traço de vaidade e orgulho diante de uma obra.
Como ele disse: "Ninguem é igual a ninguem. Todo Ser Humano é um estranho ímpar"
E com isto só respondendo com uma outra poesia onde Drummond também viveu o seu TÃO POUCO!

Amar o perdido
deixa confundido
este coração!

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não!

As coisas tangíveis
torna-se insensíveis
a palma da mão.

Mas, as coisas findas
muito mais que lindas,
Essas ficarão!

São poemas maravilhosos, deixado por ele exercendo um fascínio sobre nós que não se explica.

Maria das Graças.