Walter Raleigh e Florbela Espanca
Walter Raleigh, o grande herói britânico, escreveu uma poesia-epitáfio pouco antes de ser decapitado a machadadas, a qual tive a ousadia de traduzir:
Assim é o Tempo, que toma com desdém
Juventude e alegria, as coisas que a gente tem,
E nos retribui, sim, mas com velhice e poeira;
Ele, o cujo, na morada escura e derradeira,
Perdido nosso rumo e sem nenhum caminho,
Vai calando nossa história de mansinho:
Mas da terra, da sepultura e do pó, em meio,
A mim o Senhor me resgatará, eu creio.
Uma certeza que me acompanha existência afora, nem sei exatamente por quê, é a de que todo mundo acaba fazendo alguma poesia, mesmo que seja umazinha só, mirrada e despretensiosa. Talvez, assim como Raleigh, na hora da morte. Serei uma exceção a essa regra, eis o que eu pensava, pois sempre estive certo de que não tenho nenhuma afirmação abrangente a fazer, nem para os amigos, nem sobretudo para a humanidade.
- Gosto dos versos dos grandes poetas, neles muitas vezes me vejo refletido, mas falta-me talento para a arte. Embora apreciador das iguarias, nunca me atreverei a cozinheiro.
Asim eu pensava. Devo confessar que esse foi mais um engano de minha parte. Pois, no desespero do mal-entendido que me fizera perder a namorada, chegou minha vez de ser poeta por um dia, e outro dia registrei no papel vinte versos que brotaram de uma só vez na minha mente. Neles confessava meu amor, abrindo-me como se fosse uma Florbela Espanca.
Essa poesia tem de ser mostrada, imaginei, ou deve ir para a lata do lixo. Foi por isso que pensei em ir ao Museu, procurar May e depor-lhe o meu amor. Uma declaração de amor, seguida de uma declamação, de acordo com um teatro que cheguei a ensaiar.
- Fiz uma poesia para você, veja aqui, os primeiros versos da minha vida. Versos ruins, sem dúvida, o que não tem nenhuma importância, nem consequência. Porque não sou poeta, May, mas um homem confessando o seu amor.
Não era tão simples, todavia. Para ir ao Museu, teria de encarar, e vencer, minhas resistências intestinas, meu constrangimento e o horror que padeço pelo vexame. Vou amanhã, não, melhor não, terça-feira é mais apropriado, vou depois de amanhã, quem sabe vou, quem sabe não vou. Até que, tudo aferido e sopesado, prevaleceu meu recato e acabei não indo. Frustrou-se desse modo a minha primeira iniciativa de tentar chegar até a May.
sábado, 15 de janeiro de 2011
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Um comentário:
Mas a tua prosa é de uma poesia que
que me emociona por demais!
Não faço a menor ideia do porquê de
te lembrares de Walter Raleigh agora, e, embora não conheça o texto original do poema, gostei muito da tradução que fizeste. Que vida a desse hoem, que vida!
Grande abraço
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