Dois meses morei em Agrura, uma
cidade sem atrativos e de estranhos costumes. Recebendo participação nas vendas de aparelhos de
televisão, tinha a ambição de amealhar o suficiente para abrir meu próprio
negócio, de preferência em ambientes menos precários e mais civilizados. Minha intenção era, desse modo, permanecer ali
durante bastante tempo.
Não se deu assim, infelizmente. Pois
tive a má sorte de testemunhar o assassinato do doutor Abdias Arruda no bar de
maior frequência da cidade. Mais um episódio de sangue na história de duas
famílias que se odiavam e tinham capacidade bastante para mirar no coração do
inimigo.
Pior é que fui arrolado como testemunha do crime, o que, segundo me disseram, significava uma sentença de morte, pois seria liquidado pela parte que se sentisse contrariada com o que eu declarasse ao juiz. Pessoas amigas e influentes, exatamente por isso, nunca eram chamadas a testemunhar. Imediatamente todos deixaram de falar comigo, temendo enredar-se no problema.
Estou perdido, pensei, e, no desespero, redigi, e depois decorei, o que iria dizer ao excelentíssimo senhor juiz naquela manhã de terça-feira:
Pior é que fui arrolado como testemunha do crime, o que, segundo me disseram, significava uma sentença de morte, pois seria liquidado pela parte que se sentisse contrariada com o que eu declarasse ao juiz. Pessoas amigas e influentes, exatamente por isso, nunca eram chamadas a testemunhar. Imediatamente todos deixaram de falar comigo, temendo enredar-se no problema.
Estou perdido, pensei, e, no desespero, redigi, e depois decorei, o que iria dizer ao excelentíssimo senhor juiz naquela manhã de terça-feira:
- Tudo transcorria normalmente no
Bar do Ponto, quando, surgindo não sei de onde, Epitácio gritou: Abdias! O
doutor Abdias voltou-se, e Epitácio fez seis disparos, à queima-roupa, sem dar ao
outro nenhuma oportunidade. Gostaria de acrescentar, meritíssimo, que duas
dezenas de pessoas presenciaram o crime, mas só eu fui indicado como testemunha.
O juiz recebeu-me à porta do
gabinete e, tão logo ficamos a sós, disse-me o seguinte:
- Tenho uma proposta.
- Uma proposta?
- Trata-se de uma espécie de
partilha, dentro da premissa de que se pode perder os anéis para salvar os
dedos. Depende apenas do senhor...
- Seja qual for sua proposta, excelência, considere-a aceita por mim.
Foi assim que renunciei à gerência
da loja de aparelhos de televisão, em favor de alguém cujo nome nem cheguei a
saber, e em dois dias estava de volta ao Rio de Janeiro. Tenho essa
história para contar e, bem agasalhada no coração, a esperança de não presenciar nenhum outro crime.
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