quarta-feira, 28 de julho de 2010

ANDANDO PELA PRAIA

Somos todos japoneses

Sem a loura da praia, que assim é meu estado normal, voltei à rotina de caminhar pela orla correspondente ao Leblon, Ipanema e adjacências.



Vejo, nessas caminhadas, muitos artistas,
cantores, sexólogos, chaveiros, desenhistas, mecânicos, percussionistas, dançarinos e desembargadores. Esse fato me leva a pensar nas vantagens da divisão do trabalho: cada um faz o que o outro não sabe, e assim vamos convivendo na maior harmonia. Como recorrer aos atuários, aos anjos do asfalto e aos empalhadores, se todos decidissem ser treinadores de goleiros, escafandristas, ventríloquos ou borracheiros? A diversidade, que é uma decorrência das leis físicas e de seus referenciais, reparte as nossas tarefas, para benefício de todos. Nessas horas dou grande valor a um Taylor, a um Ford, a um Pardal e a todos que nos ensinaram a dedicar o máximo da nossa capacidade ao bom funcionamento do sistema, que, como as pessoas, tem de estar vivo e saber que vai continuar vivo.
Daí a validade dos incentivos psicofisiológicos, psicodinâmicos e psicossociais que resolvemos adotar na fábrica. Aos que me perguntam se essas providências deram resultados positivos, costumo responder afirmativamente: a solução do cilindro barulhento e o projeto das embalagens se deveram à ação do Zé Pretinho e do Chico Pé de Ganso, com apenas as máquinas que estavam ociosas na divisão de operações industriais. Sem contratar nenhuma consultoria ou serviço de terceiros. Tudo isso vem encantando os pesquisadores de todo o mundo, até os da Louisiana State University.

Veja, então. Essa vitoriosa aplicação da engenharia humana permitiu mostrar o valor do trabalhador carioca, eficiente, aplicado, laborioso e, paradoxalmente, tão vilipendiado. Após a derrocada dos mercados asiáticos, em particular o de Tóquio, ficou definitivamente comprovado que, em matéria de trabalho, o carioca é o japonês da vida real. Você vai à praia, ao cinema, ao Maracanã: os cariocas que você vê são, na verdade, japoneses.

- Minha senhora....

- Alice.


-
Peço-lhe, dona Alice, a gentileza de tomar conhecimento de que se casou com um japonês.

Infelizmente, porém, mesmo com nossos abundantes japoneses, o êxito não se mede pelo entusiasmo que temos pelas nossas obras. É preciso um balanço, o do navio ao sabor das ondas do mar, o balanço-d'água refletindo um equilíbrio hídrico, o balanço da morena que caminha pelas cálidas areias do Leblon, mas, acima de tudo, o balanço contábil.

- Aí está o problema. O nosso balanço, o contábil, acusou no exercício um prejuízo de cem milhões de dólares. Cem milhões de dólares! Isso não é um balanço, mas um balancim!

Estava eu mergulhado nessas edificantes elucubrações quando, na altura do Posto 10, encontrei o padre do avião, que nunca foi a Sorrento, mas conhece muito bem o dialeto napolitano. Mais que um padre, um padre ubíquo. O qual, muito curioso, foi logo me perguntando:


- Você está com inveja de quem, hoje?


Eu estava naquele instante com inveja tanto do Frank Sinatra, por causa da Ava Gardner, quanto do Ascenso Ferreira. Achei que seria inútil, complicado, extemporâneo e até pornográfico falar a um padre sobre Ava Gardner e, num arroubo de incontida generosidade, ou de sensatez, sei lá, decidi simplificar a questão:

- Saiba Vossa Excelência Reverendíssima que hoje estou com muita inveja do Ascenso Ferreira.

- Por causa de mulher?

- Não, por causa da Sucessão de São Pedro.

- Uma eleição? Uma oração?


- Não, uma poesia.

- Poderia dizê-la para mim?


- É necessário um sotaque bem pernambucano:


“Seu vigário!
Está aqui esta galinha gorda
Que eu trouxe pro mártir São Sebastião.
- Está falando com ele!
- Está falando com ele!”

O padre maldou que eu estava tentando provocá-lo e afirmou, na maior histeria, que nunca mais se relacionaria comigo. Seja como for, continuo com a opinião de que quem fala napolitano, e sabe de Lucio Dalla, com mais razão deveria conhecer a poesia do Ascenso Ferreira, grande poeta recifense nascido na Rua dos Tocos, e nesse mister começar pela leitura de Catimbó e Outros Poemas.

- Enfim, por que diabos fui recitar uma poesia para um padre?

Um comentário:

cirandeira disse...

Fantástico!!!!
Simplesmente.




Um abraço