A loura da praia
A loura da praia me cumprimentou quando me aproximei da Rua do Ouvidor. Não pretendia responder ao cumprimento, mas tive um pressentimento esquisito e perguntei:
- Você é a loura que trabalhou no filme do Tarantino?
(Não sei por quê, mas, para mim, toda loura trabalha em filme do Tarantino.)
- Sou eu mesma.
- No filme com o Tim Robbins.
- Tim Roth.
(Eu sempre confundo o Tim Roth com outro Tim.)
Foi então que marcamos um encontro para quarta-feira, às 21 horas, no Saint Honoré. Cada um, a loura da praia e eu, ficou de comparecer com sete mil reais, um aporte de capital recíproco, puro equity, que eliminaria todas as exigibilidades.
Na segunda-feira, porém, fui convocado pela Câmara dos Deputados, pois de mim se exigiam explicações categóricas sobre o ataque especulativo ao mercado de índices da Bolsa de Milão.
- Mercado de quê?
- Mercado de índices...
Eu era fundamental para desvendar o enigma. Tomei o avião tranquilamente, certo de que, dados os esclarecimentos solicitados, estaria voltando no mesmo dia para o Rio de Janeiro. Em Brasília fui informado de que o meu depoimento fora adiado para o dia seguinte, terça-feira, a pedido do Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, de maneira que tive de me hospedar num hotel de primeira classe. Na terça fui informado de novo adiamento, dessa vez para quinta, o que me reteve mais dois dias na capital.
Cheguei ao recinto da Câmara na hora aprazada e percebi, com alegria incontida, que havia grande curiosidade pelo que me cabia declarar. Pela primeira vez na vida, eu era a solução. A sala de reuniões encheu-se de deputados, senadores, jornalistas, acróbatas, empresários, psicagogos, músicos, preparadores físicos, lobistas e eletricitários, de modo que, não havendo espaço para acomodar tanta gente, o presidente da CPI assim determinou:
- Retirem-se do recinto todas as pessoas que não sejam detentoras de mandato.
Ninguém duvide da autoridade de um presidente. Fui retirado do recinto, pobre de mim, e, no mesmo dia, retornei ao Rio de Janeiro. No avião, um padre me perguntou se eu tinha inveja de alguém.
- Diariamente, respondi.
- Hoje o senhor está com inveja de quem?
- Do Lucio Dalla, que compôs aquela música, “Caruso”. Não sou bom em italiano, mas sei que a música tem a ver com o Golfo de Sorrento, na Baía de Nápoles.
- Conheço.
- O Golfo de Sorrento?
- Não, a música. Eu sou bom em italiano e posso asseverar que a letra fala em “te voglio bene assaie, ma tanto tanto bene sai.”
- Eu diria que o senhor é bom em dialeto napolitano.
Quando cheguei ao meu apartamento, no Leblon, vi sobre a mesa-de-cabeceira os sete mil reais que eu sacara para somar aos sete mil reais da loura da praia no encontro que havíamos marcado para quarta-feira, no Saint Honoré. Minha estada em Brasília frustrara os nossos planos. Tivesse, ao menos, o endereço, o teletrim, o fax, o email ou o telefone da loura da praia! O twitter, o facebook, o orkut, o teleprompter, o scanner, o software, nada disso estava a meu alcance. Se fiquei aborrecido? Escrevi uma poesia, cantando os amores frustrados da minha vida, incluindo o da moça do Colecionador. (Sempre que me aborreço, escrevo uma poesia que canta os amores frustrados da minha vida, incluindo o da moça do Colecionador.)
Não a transcrevo, clareando os garranchos acima, porque seria um abuso insuportável propor uma poesia de minha lavra, assim impunemente, com tanto livro do Manoel de Barros à disposição dos que queiram exercitar-se na arte de ler poesia: Poesia ao Rés do Chão, Poemas Concebidos Sem Pecado, Face Imóvel, Compêndio para Uso dos Pássaros, Gramática Expositiva do Chão, Arranjos para Assobio, Livro de Pré-Coisas , O Guardador de Águas, e por aí vai.
Resumindo tudo
Fiquei com a poesia, muito garranchosa, e os sete mil reais, mas sem a loura da praia.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
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