quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

UMA ANEDOTA DO BARÃO DE ITARARÉ

O CASO DO GUARDA-CHUVA


Um homem dirigiu-se a outro, na fila dos Correios.

- Boa tarde.

- Boa tarde.

- Você se lembra de mim?

- Não me lembro.

- Fomos apresentados na casa do Olavo Seixas, há cerca de três semanas.



- Tudo bem, mas como me reconheceu?


- Pelo guarda-chuva.


- Mas nessa época eu não tinha guarda-chuva.


-Pois é: eu tinha...

sábado, 26 de dezembro de 2009

DUAS POESIAS FUNDAMENTAIS

Argila

Raul de Leoni (1895 - 1926)


Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;

Tens legendas pagãs nas carnes claras

E eu tenho a alma dos faunos na pupila...


Às belezas heroicas te comparas

E em mim a luz olímpica cintila,

Gritam em nós todas as nobres taras

Daquela Grécia esplêndida e tranquila...


É tanta a glória que nos encaminha

Em nosso amor de seleção, profundo,

Que (ouço de longe o oráculo de Elêusis)


Se um dia eu fosse teu e fosses minha,

O nosso amor conceberia um mundo

E do teu ventre nasceriam deuses...


Preparação para a Morte

Manuel Bandeira (1886 - 1968)


A vida é um milagre.
Cada flor, com sua forma, sua cor, seu aroma,

Cada flor é um milagre.

Cada pássaro, com sua plumagem, seu voo, seu canto,

Cada pássaro é um milagre.


O espaço, infinito, o espaço é um milagre.

O tempo, infinito, o tempo é um milagre.

A memória é um milagre.

A consciência é um milagre.

Tudo é milagre.

Tudo, menos a morte.


— Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.


quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Ressalva

MERCHANDISING


Padre Justino estava incomodado com as velas que os fiéis faziam acender diariamente nas escadarias da Igreja de Santa Terezinha, que se situa na entrada do Túnel Novo, do lado de Botafogo. Pois a cera derretida era de limpeza difícil e onerosa.


Foi por isso que mandou afixar na entrada da Igreja um cartaz com os seguintes dizeres:

Para Deus, mais vale uma oração do que um pacote de velas.


No dia seguinte, um segundo cartaz apareceu junto daquele, com um recado adicional:

A não ser que se trate das legítimas velas Brumadinho.


sábado, 19 de dezembro de 2009

Duas poesias de Adélia Prado

Amor Feinho

Eu quero amor feinho.

Amor feinho não olha um pro outro.

Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.

Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca, da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem e você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança: eu quero amor feinho.


Exausto

Eu quero uma licença de dormir,

perdão pra descansar horas a fio,

sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.

Semente.

Muito mais que raízes.


Adélia Prado (nascida em 1935), em "Bagagem"

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

BOCA DE OURO

Caminhando pela Ataulfo de Paiva, Crisóstomo fazia intermináveis comentários, sempre obcecado pelas suas estranhas premonições.


- No mundo que nos irá suceder estarão proibidas a História e a Engenharia, ramos do conhecimento que embasam e justificam todos os males.

Heródoto
- Não entendi...

-
Nada de Heródoto, nada de Arquimedes. Sem História, não se aprenderá sobre guerras, e, sem Engenharia, não haverá telefones celulares, fornos elétricos e câmeras fotográficas digitais. Nem aceleradores de partículas, golpes de aríete ou virabrequim, cujo desgaste é intolerável.

- De fato?

- Muitas coisas existem só porque tiveram a má sorte de serem inventadas, não sendo nada inteligente reinventá-las num mundo perfeito, entendeu?

- Sim, creio que sim...

- O homem, então, estará novamente no paraíso.

Entidades inexistentes

Teorema de Tales

Para Crisóstomo, as seguintes entidades não existirão, por desnecessárias, no mundo ideal que nos vai suceder:

Teorema de Tales
Lei dos grandes números
Gatos pardos, pingados e escaldados
Tribunal de pequenas causas
Elevadores e logaritmos neperianos

Críticos de cinema, dilema e eczema

Bidê, dendê e meus óculos, cadê?
Macbeth e Lady Macbeth, assassinos do sono

Teoria Geral do Estado e estado geral da teoria

Relógios, atrito de rolamento e elefantíase
Pisicanalistas e ansiedades básicas
Maiô e essa nega Fulô
Paris, Texas
Questão Christie
Comida a quilo, rádios de pilha, sacos cheios e conjuntos vazios

Medidas provisórias, cadernos de encargos e telefone
Torcicolo e dependências de empregadas
Ponto flexível, ponto de vista, duas horas em ponto e eu dormi no ponto
Viés diagonal e reversão de expectativas
Tratado básico de eletricidade, sem mestre, terceira edição



O Oriente será habitado por gente pacífica, e no Vietnã crianças soltarão pipas coloridas no Golfo de Tonquim.
Heráclito se esquecerá de dizer que "não se pode entrar duas vezes no mesmo rio". Porque Heráclito, coitado, já não será o mesmo, nem o rio.
As indiretas serão abolidas, e o bolo, repartido.
Políticos não serão molestados, como de outras vezes, pela peste suína africana, médicos não farão greves, e o MAM, ao queimar, poupará Mathieu e Portinari.
Serão abolidos os telegramas, as genuflexões, a luz polarizada, os ensinamentos de Pontes de Miranda e a paulatina, mas eficiente, poluição da Baía de Guanabara.

Código

"Crisóstomo"significa "Boca de Ouro", em grego. Para ele, apenas um monumento será erigido, num sítio especial a ser escolhido para sediar o admirável mundo novo. Nele se lerá o único código permitido:

- Abaixo o Estreito de Dardanelos...

"Guerra a todas as máquinas de calcular, aos índices de produtividade, à estatística e à inflação persistente, mas controlada;
Guerra às democracias, ao ângulo obtuso, ao número 18 e aos nomes de guerra;
Guerra à lei da gravitação universal, ao ano decretório, à tripanossomíase sul-americana e aos mecanismos de defesa do nosso ego atribulado;
Guerra ao crivo de Eratóstenes, ao Estreito de Dardanelos e ao esternoclideomastoideo;
Guerra às divisões celulares, à segunda divisão e às divisões blindadas;
Guerra ao anacoluto, ao estilo gótico e ao Tratado de Tordesilhas, revisto e ampliado;
Guerra a todas as guerras."

A guerra contra todas as guerras, esta guerra com certeza existirá.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Proposições indecidíveis

Paradoxo do mentiroso

Alguém declarou: “sou mentiroso.”

- Esse cujo disse uma verdade ou uma mentira?


Impossível saber. Verdade não pode ser, pois contrariaria o que a própria frase está a dizer. Também não pode ser mentira, pois esta paradoxalmente transformaria o mentiroso num não-mentiroso. Um enunciado desse tipo configura uma proposição indecidível, conhecida como "paradoxo de Creta" ou "paradoxo do mentiroso", que vem sendo estudada desde os pré-socráticos.

Autoalusão


Há enunciados que se autocontradizem, como nos cinco exemplos a seguir:

É proibido proibir.

Não tolerarei erros hortográficos.

Acentue todas as proparoxitonas.

Toda generalização é despropositada.

Fabricamos o sorvete Sem Nome

Erros lógicos

Um professor escreveu no quadro-negro: “esta frase contém seis palavras”. Os alunos perceberam que o enunciado estava errado, pois a frase na verdade tem cinco palavras.

- Professor, houve um erro de contagem.

Chamado a corrigir a frase, um aluno acrescentou-lhe um “não”, de maneira a alterar o enunciado para “esta frase não contém seis palavras”.

- A frase permanece no erro, observou o professor, pois, com o acréscimo que você fez, passou a ter realmente seis palavras. Eu tinha errado na contagem. Você errou porque conferiu poder absoluto às palavras, esquecendo-se da lógica.

Paradoxo de Russell


Bertrand Russell

Alguém narrava para Bertrand Russell que, numa pequena cidade da Espanha, todos os homens andavam sempre muito bem barbeados; o único barbeiro da cidade barbeava todas as pessoas que não se barbeavam a si próprias, e mais ninguém.

- Isso não é possível, disse o filósofo, pois o barbeiro não podia andar barbeado sem que ninguém o barbeasse!

- Barbeio todos os que não se barbeiam a si próprios, e somente estes...
- Então você deveria ser barbudo...

De fato, a primeira informação inclui o barbeiro entre os barbeados: "todos os homens da cidade andam sempre muito bem barbeados". Mas a segunda o exclui dessa condição, ao informar que "o citado barbeiro barbeia todos os da cidade que a si não se barbeiam, e mais ninguém". Como o barbeiro não pode ao mesmo tempo "ser barbeado" e "não ser barbeado", segue-se que não há resposta possível para a questão "quem barbeia o barbeiro?"

Repercussão na Matemática

As autoalusões e proposições indecidíveis tiveram importante repercussão no desenvolvimento da Matemática, sobretudo na teoria dos conjuntos e no reconhecimento de que há verdades matemáticas que não podem ser demonstradas.


sábado, 5 de dezembro de 2009

PALAVRAS DE FILÓSOFOS (3)

QUEM DISSE?
Platão

(1) Somente anjos e animais não conhecem a angústia.

(2) A ciência dos números pode explicar cada aspecto da realidade.

(3) Nas mãos do homem, tudo degenera.

(4) Todo conhecimento é uma recordação.
Hegel
(5) Convém apostar na existência de Deus, pois o prêmio é muito grande.

(6) As palavras são um excelente instrumento para mentir.

(7) Talvez a vida seja um sonho muito longo.

(8) Habitamos um dos infinitos mundos do Universo.

(9) Tudo que existe se afirma, se nega e se supera.

(10) A virtude está no justo meio.


Confira

(1)
Sören Kierkegaard (1813-1855)
Francis Bacon
(2)
Pitágoras (cerca de 570-500 a. C.)


(3)
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

(4)
Platão (428-347 a. C.)

(5)
Blaise Pascal (1623 - 1662)

(6)
Francis Bacon (1561-1626)
Giordano Bruno
(7)
Arthur Schopenhauer (1788 - 1860)

(8)
Giordano Bruno (1548-1600)

(9)
Wilhelm Friedrich Hegel (1770 - 1831)

(10)
Aristóteles (384-324 a.C.)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

AI DOS VENCIDOS

ERREI, FUI HOMEM...

Casei- me em 2001, logo após ser contratado pela Energy Improvements. Por orientação do diretor de empreendimentos, tomei um curso de oito meses na Fundação Getúlio Vargas, no qual entrei engenheiro civil, sabendo construir prédios, obras hidráulicas, estradas e viadutos, e saí engenheiro de produção, preparado para examinar projetos de investimentos, orientar a tomada de decisões em regime de incerteza e discutir cláusulas contratuais de joint-ventures com companhias internacionais de energia.

Sofia

Imediatamente formei uma equipe de negociações, integrada por dois engenheiro de minas, um economista, um advogado e alguns estagiários. Minha secretária, Sofia, falava vários idiomas, sabia tudo de informática e era admirada por sua beleza excepcional, mas nela enxergava apenas a excelente profissional, pois amava minha mulher, que me bastava, e não tinha olhos para nenhuma outra pessoa.

Sun Tzu

Nossa atuação era de natureza prospectiva. Competia-nos descobrir a oportunidade, estimar os custos e receitas de cada projeto potencial, orientar a decisão a ser tomada pelo conselho de administração, buscar sócios, participar das licitações e negociar os acordos. Primeiro, calculávamos os resultados virtuais dos eventos possíveis,
a respectiva probabilidade de ocorrência e, finalmente, o valor monetário esperado do projeto médio, composto com as propriedades de todos os eventos possíveis. Depois, efetuávamos as negociações dos contratos, que eram assinados com agências do governo ou, quase sempre, com companhias que se associavam às nossas joint-ventures. No decorrer dos meses, com a experiência adquirida, chegamos a desenvolver uma linha de atuação, a filosofia da competência, para não errar nas negociações, pois os estrangeiros vinham cheios de estratagemas, dossiês pessoais e providências facilitadoras.


- Aquela história de Sun Tzu, prazos enganosos, falsos orçamentos, cláusulas de palha e quejandos, que a gente conhecia exclusivamente para nossa defesa, pois o recurso da enganação não se encaixava no nosso repertório como um postulado estratégico.

Todos os pontos deveriam estar negociados antes da assinatura de qualquer protocolo, ou seja, se a negociação não estivesse toda concluída, não haveria solenidade comemorativa de nenhuma natureza, nem encontro dos negociadores estrangeiros com nossos diretores. Também exercitávamos a flexibilidade, com o objetivo de acomodar pretensões justas da outra parte, caso houvesse, sem comprometer os nossos interesses. Decidi também que nós nos prepararíamos à exaustão antes de qualquer negociação, excluindo definitivamente a figura do negociador desprevenido e despreparado. Ficou também estabelecido que cultuaríamos a discrição, não mentindo para os que negociavam conosco, não demonstrando autossuficiência, não ironizando as posições da outra parte e nunca comentando aspectos da negociação com pessoas não envolvidas nas mesmas.

Negociadores

É justo acrescentar que Sofia, extrapolando suas funções, aos poucos mostrou-se de grande valia na formulação de cláusulas alternativas e na redação dos textos. Muitas vezes participava das nossas discussões preparatórias e não raro sugeria caminhos alternativos, que serviam ao êxito das negociações.

Êxito

Funcionou. Funcionou, sim, muito bem. Ouso dizer, a partir dessa experiência, que o planejamento determina o êxito.
Uma vez concluídas as negociações, a execução das obrigações contratuais cabia a outros departamentos, que, para meu orgulho e felicidade, nunca se queixaram de nenhum defeito substantivo em nenhuma cláusula negociada sob minha supervisão. Oito anos de êxito. Eu me considerava um negociador vitorioso, gostava do que fazia e vivia uma permanente sensação de bem-estar. É bom, muito bom, perceber que se tem importância num projeto decididamente vencedor. Um diretor chegou a dizer que eu negociava "como um lorde-chanceler”, o que me deixou orgulhoso, e até envaidecido, mas o que me movia, para além de meu amor por minha mulher, era a obsessão do trabalho bem feito.

Carla
Carla, minha mulher, fazia uma exuberante carreira paralela, como estilista profissional. Nossa parceira familiar sólida e generosa era fundamental para nossas conquistas e êxitos profissionais. Pois nós nos amávamos, para dizer numa palavra tudo. Eu me divertia com a ideia de que ela poderia substituir-me na Improvements, apta que estava para estimar custos e receitas, traçar perfis de lucro e calcular juros e taxas de rentabilidade. E refutar todos os ardis que os do outro lado da mesa lhe opusessem na negociação das cláusulas contratuais.

- Mas a recíproca não era verdadeira, pois eu nada entendia de moda e de desfiles...


Houve, porém, a Sofia...

É preciso, todavia, contar todo o resto, pois errei, fui homem. Sofia, a linda secretária, tornava-se cada dia mais irresistível e, aos poucos e com muita arte, acabou me atraindo para jantares dissimulados e escapadelas desestabilizadoras. Não cabe aqui a menção de pormenores e miudezas, que nem serviriam para melhorar a narrativa, bastando acrescentar que, ao fim e ao cabo, terminei ficando sem as duas mulheres. Carla me colocou imediatamente para escanteio, desaparecendo completamente da minha vida.

- A independência financeira torna o desenlace fácil e operacional...

Desorientado e sem rumo, comecei a equivocar-me nas negociações, escolhi projetos temerários e resultei demitido da Improvements. De pronto Sofia me descartou: claro, eu já não representava uma prenda a ser conquistada.

Estou, em 2009, como comecei, oito anos atrás: sem mulher e sem emprego.

- Ai dos vencidos!

A frase foi dita em 387 a. C. pelo general gaulês Breno, aos romanos derrotados, que reclamavam dos elevados tributos de guerra. Sabia muito o bravo e eficiente general.