Naquele Brasil versus Inglaterra de 1959, cento e trinta mil pessoas se comprimiam no Maracanã para ver e homenagear os heróis da Copa do Mundo de 1958. Heróis que no ano anterior haviam acabado com aquela história de que o jogador brasileiro, por causa do complexo de vira-latas de que falava Nélson Rodrigues, sempre se acorvadava nos momentos importantes. Um sentimento de inferioridade que também predominava fora das quatro linhas: quando, em 1949, o Fluminense enfrentou o Arsenal, nas Laranjeiras, o técnico Zezé Moreira instruiu o ponteiro Róbson para não se exceder nos dribles sobre os ingleses, que eram seres superiores e não podiam ser desrespeitados. Resultado do jogo: Arsenal 5x1 Fluminense.
Veio a Copa de 1958 e o desempenho dos nossos craques superou o complexo e resgatou a autoestima dos brasileiros.
Aquele Brasil versus Inglaterra, primeiro jogo após a grande conquista na Suécia, era, pois, uma celebração. A surpresa veio quando o alto-falante do estádio anunciou que na ponta direita jogaria Julinho, e não Garrincha.
Houve então a vaia, que passou à história como a “vaia do Julinho”.
De fato bom jogador, Julinho, que atuava pelo Fiorentina, da Itália, havia declinado da sua convocação para a mencionada seleção de 1958, com a inusitada alegação de que era necessário ceder a vez para os que jogavam no Brasil. Na verdade, jogar na seleção brasileira, antes da Copa de 1958, era uma empreitada de alto risco, tratando-se de uma seleção até então estigmatizada como perdedora. Por causa da Copa de 1950, Zizinho seis anos depois ainda era vaiado no Maracanã, como aconteceu no jogo Brasil 2x0 Itália, de julho de 1956, em que teve de ser substituído. Além disso, em 1958 teríamos como adversários iniciais a Áustria e as então temíveis seleções da Inglaterra e da União Soviética. Seja como for, a recusa de Julinho, cuja suplência estava reservada para Joel, permitiu a convocação de Garrincha.
No fundo, e sem ironia, Julinho deveria ser aplaudido por esse gesto de recusa, que, ao fim e ao cabo, redundou em tantos benefícios para o Brasil.
Voltemos, porém, à questão da vaia.
Pelo alto-falante, para surpresa de todos, foi anunciado que o ponta direita seria Julinho, e não Garrincha, que, sobre ter sido um dos responsáveis pela conquista de 58, era ídolo do Maracanã desde 1953. Se esse anúncio tivesse sido feito na véspera, metade do público não estaria ali presente .
Ora, faça-me o favor... Escalar Julinho naquele jogo foi um ato de burrice, insensibilidade e covardia. Um resquício do complexo de vira-latas, uma vassalagem ao jogador que jogava na Europa, que não podia ser preterido por um Zé Mané tupiniquim. Só que esse não era um Zé Mané qualquer: era Garrincha, ídolo e alegria do povo, e, de todos os jogadores, o que mais merecia dos cariocas aquelas homenagens.
Veio então a vaia estrondosa: a vaia pela ausência de Garrincha. Ninguém se importou com o substituto, mas com o substituído. Fosse escalado nessa ponta direita o Papa, ou Luther King, ou o Presidente Juscelino, ou Madre Teresa de Calcutá, a vaia teria sido a mesma. Desse modo, Julinho entra nessa história meio de lado, pois ninguém estava interessado em vaiá-lo.
A “vaia do Julinho” é como a Batalha de Itararé, aquela que nunca houve. Pois o que houve foi a vaia pela inacreditável ausência do Garrincha. O Maracanã não vaiou Julinho porque não tinha nenhuma razão para fazê-lo. Seria dar a Julinho uma importância que ele não teve no episódio.
O jogo foi Brasil 2x0 Inglaterra. Julinho jogou bem, fez um dos gols e deu passe para o outro, o do Henrique Frade. Foi aplaudido por ter jogado bem, não porque os 130 mil torcedores decidiram redimir-se da vaia do Julinho, o que nem faria sentido, tratando-se de uma vaia que não houve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário