Compareci ao tribunal com a intenção de explicar a queda nas vendas, os preços declinantes dos nossos produtos, os juros altos, os problemas da caldeira, a concorrência predatória, o aumento dos impostos, as indenizações trabalhistas e as chuvas inesperadas e inclementes, que destruíram as instalações que mantemos a céu aberto.
- Onde a culpa, se esses eventos não estavam previstos no orçamento?
Meus argumentos eram apenas um vetor da questão, pois seria necessário dar a palavra a outras pessoas, respeitando a diversidade que justifica plebiscitos e permite a existência de hipódromos.
(Neste ponto peço um voto de confiança, mínimo que seja, àqueles que tiveram a ventura de não ter estudado nem cálculo das probabilidades nem teoria da relatividade.)

- O senhor se encontrou com a loura da praia quantos metros depois de invadir o pregão?
Meu primeiro impulso foi responder que o encontro se dera 417,6 metros depois, tanto que cheguei a exclamar:
- Meritíssimo...
Contei até dez, como sempre faço, e, num reflexo providencial, dei-me conta de que o magistrado, pela maneira como construíra a pergunta, não fazia distinção nenhuma entre espaço e tempo: conhecia, pois, a teoria da relatividade e por certo sabia muito bem que há uma física para cada observador. Eu tinha de responder àquela pergunta sem deixar prosperar nenhuma controvérsia. Não podia mentir, nem parecer que estava mentindo, pois qualquer mal-entendido seria usado contra mim.
(Para Richelieu, mentir só se necessário.)

- Meritíssimo, isso depende.
- Depende de quê?
- Depende do referencial.
O juiz deu-se por satisfeito e passou à pergunta seguinte:
- Como o senhor conheceu a loura da praia?
- Ela trabalhou num filme do Tarantino.
- Cães de aluguel?
- Pode ser, pois o filme era com o Rintintin.

- Uma inveja diária, meritíssimo, uma inveja diária!
O Zé Pretinho e o Chico Pé de Ganso me acusaram de haver aceitado suas sugestões para resolver os problemas da engrenagem e da embalagem. Por minha culpa, não podiam mais queixar-se de que ninguém aceitava suas sugestões. A loura da praia aproveitou o ensejo e me acusou de haver insinuado que ela tinha um caso com o Tim Maia, só porque trabalhara num filme do Quentin Tarantino, que positivamente não era Cães de Aluguel.

O juiz acusou-me de litigação prevaricativa.
(Sem saber o que isso significava, fui depois ao Aurélio e fiquei sabendo que “litigação” e “prevaricativa” são palavras não relacionadas na norma culta. O juiz laboraria melhor se se expressasse em latim, tachando-me de "improbus litigator"...)
Em seguida, o magistrado teve a gentileza de dispensar as testemunhas de defesa e deu início aos debates. Todos me acusavam e, na sua diversidade, usavam diferentes referenciais:
- Ele é imputável!
- Ele é inimputável!
No calor da discussão o juiz fez prevalecer sua autoridade com acionar a campainha.

- Sonho, tudo um sonho absurdo!
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