BILL ABERDEEEN
Desde o início do século XIX os ingleses defendiam a extinção do tráfico internacional de escravos, sobretudo por causa da concorrência que o açúcar brasileiro fazia ao açúcar das Antilhas inglesas, pois era usado para aquisição de negros africanos.
Em 1845, o Parlamento Britânico aprovou uma lei, o Bill Aberdeen, que dava à armada inglesa o poder de capturar navios negreiros em alto mar, qualquer que fosse sua nacionalidade, confiscar sua carga, prender a tripulação e submeter os tripulantes a julgamentos pelas leis britânicas. Navios brasileiros suspeitos de tráfico negreiro passaram a ser interceptados em águas internacionais e levados a julgamento nos tribunais ingleses.
Essa política tornou-se mais agressiva em 1850, quando Lord Palmerston, ministro das relações exteriores do governo do primeiro-ministro John Russell, determinou que a Lei Aberdeen fosse estendida à costa brasileira, não mais se limitando às interceptações internacionais. A Inglaterra se autoconcedia o direito de invadir águas territoriais brasileiras, inspecionar e rebocar navios suspeitos, mesmos aqueles já ancorados nos portos brasileiros.
A armada britânica entrou em ação imediatamente, atuando nas costas da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e, especialmente, no Porto de Paranaguá, onde o navio britânico HMS Cormorant aprisionou os navios brasileiros Dona Ana, Serea, Astro e a galera Campeadora.
Consta que o Cormorant foi hostilizado por um grupo de civis que acorreram à Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, na Ilha do Mel, em Paranaguá, sem estarem informados de que o forte se encontrava abandonado. Mesmo assim, usando armas e petardos improvisados, conseguiram atingir e danificar o Cormorant, cuja tripulação, surpreendida, afundou dois dos navios que haviam sido aprisionados e fez o Cormorant retirar-se de águas brasileiras, com destino a Serra Leoa, na África.
A lei Eusébio de Queiroz, ainda no ano de 1850, foi uma consequência direta e quase imediata da radicalização dos ingleses, estabelecendo, pelo texto aprovado, o fim do tráfico de negros da África para o Brasil, sendo certo que alguns traficantes insistiram por algum tempo em atuar clandestinamente, até que houve a cessação total dessas atividades.
João Hermes Pereira de Araújo, em sua "História da Diplomacia Brasileira", afirma que o Brasil importou:
em 1845: 19.453 escravos;
em 1846: 50.324;
em 1847: 56.172;
em 1848: 60.000;
em 1849: 54.000;
em 1850 (ano da Lei Eusébio de Queiroz): 23.000;
em 1851: 3.287; e
em 1852: 700.
A partir daí o cativeiro no Brasil ficaria limitado aos negros anteriormente escravizados, cuja libertação lamentavelmente ainda tardaria quase 40 anos.
sábado, 31 de julho de 2010
quarta-feira, 28 de julho de 2010
ANDANDO PELA PRAIA
Somos todos japoneses
Sem a loura da praia, que assim é meu estado normal, voltei à rotina de caminhar pela orla correspondente ao Leblon, Ipanema e adjacências.
Vejo, nessas caminhadas, muitos artistas, cantores, sexólogos, chaveiros, desenhistas, mecânicos, percussionistas, dançarinos e desembargadores. Esse fato me leva a pensar nas vantagens da divisão do trabalho: cada um faz o que o outro não sabe, e assim vamos convivendo na maior harmonia. Como recorrer aos atuários, aos anjos do asfalto e aos empalhadores, se todos decidissem ser treinadores de goleiros, escafandristas, ventríloquos ou borracheiros? A diversidade, que é uma decorrência das leis físicas e de seus referenciais, reparte as nossas tarefas, para benefício de todos. Nessas horas dou grande valor a um Taylor, a um Ford, a um Pardal e a todos que nos ensinaram a dedicar o máximo da nossa capacidade ao bom funcionamento do sistema, que, como as pessoas, tem de estar vivo e saber que vai continuar vivo.
Daí a validade dos incentivos psicofisiológicos, psicodinâmicos e psicossociais que resolvemos adotar na fábrica. Aos que me perguntam se essas providências deram resultados positivos, costumo responder afirmativamente: a solução do cilindro barulhento e o projeto das embalagens se deveram à ação do Zé Pretinho e do Chico Pé de Ganso, com apenas as máquinas que estavam ociosas na divisão de operações industriais. Sem contratar nenhuma consultoria ou serviço de terceiros. Tudo isso vem encantando os pesquisadores de todo o mundo, até os da Louisiana State University.
Veja, então. Essa vitoriosa aplicação da engenharia humana permitiu mostrar o valor do trabalhador carioca, eficiente, aplicado, laborioso e, paradoxalmente, tão vilipendiado. Após a derrocada dos mercados asiáticos, em particular o de Tóquio, ficou definitivamente comprovado que, em matéria de trabalho, o carioca é o japonês da vida real. Você vai à praia, ao cinema, ao Maracanã: os cariocas que você vê são, na verdade, japoneses.
- Minha senhora....
- Alice.
- Peço-lhe, dona Alice, a gentileza de tomar conhecimento de que se casou com um japonês.
Infelizmente, porém, mesmo com nossos abundantes japoneses, o êxito não se mede pelo entusiasmo que temos pelas nossas obras. É preciso um balanço, o do navio ao sabor das ondas do mar, o balanço-d'água refletindo um equilíbrio hídrico, o balanço da morena que caminha pelas cálidas areias do Leblon, mas, acima de tudo, o balanço contábil.
- Aí está o problema. O nosso balanço, o contábil, acusou no exercício um prejuízo de cem milhões de dólares. Cem milhões de dólares! Isso não é um balanço, mas um balancim!
Estava eu mergulhado nessas edificantes elucubrações quando, na altura do Posto 10, encontrei o padre do avião, que nunca foi a Sorrento, mas conhece muito bem o dialeto napolitano. Mais que um padre, um padre ubíquo. O qual, muito curioso, foi logo me perguntando:
- Você está com inveja de quem, hoje?
Eu estava naquele instante com inveja tanto do Frank Sinatra, por causa da Ava Gardner, quanto do Ascenso Ferreira. Achei que seria inútil, complicado, extemporâneo e até pornográfico falar a um padre sobre Ava Gardner e, num arroubo de incontida generosidade, ou de sensatez, sei lá, decidi simplificar a questão:
- Saiba Vossa Excelência Reverendíssima que hoje estou com muita inveja do Ascenso Ferreira.
- Por causa de mulher?
- Não, por causa da Sucessão de São Pedro.
- Uma eleição? Uma oração?
- Não, uma poesia.
- Poderia dizê-la para mim?
- É necessário um sotaque bem pernambucano:
O padre maldou que eu estava tentando provocá-lo e afirmou, na maior histeria, que nunca mais se relacionaria comigo. Seja como for, continuo com a opinião de que quem fala napolitano, e sabe de Lucio Dalla, com mais razão deveria conhecer a poesia do Ascenso Ferreira, grande poeta recifense nascido na Rua dos Tocos, e nesse mister começar pela leitura de Catimbó e Outros Poemas.
- Enfim, por que diabos fui recitar uma poesia para um padre?
Sem a loura da praia, que assim é meu estado normal, voltei à rotina de caminhar pela orla correspondente ao Leblon, Ipanema e adjacências.
Vejo, nessas caminhadas, muitos artistas, cantores, sexólogos, chaveiros, desenhistas, mecânicos, percussionistas, dançarinos e desembargadores. Esse fato me leva a pensar nas vantagens da divisão do trabalho: cada um faz o que o outro não sabe, e assim vamos convivendo na maior harmonia. Como recorrer aos atuários, aos anjos do asfalto e aos empalhadores, se todos decidissem ser treinadores de goleiros, escafandristas, ventríloquos ou borracheiros? A diversidade, que é uma decorrência das leis físicas e de seus referenciais, reparte as nossas tarefas, para benefício de todos. Nessas horas dou grande valor a um Taylor, a um Ford, a um Pardal e a todos que nos ensinaram a dedicar o máximo da nossa capacidade ao bom funcionamento do sistema, que, como as pessoas, tem de estar vivo e saber que vai continuar vivo.
Daí a validade dos incentivos psicofisiológicos, psicodinâmicos e psicossociais que resolvemos adotar na fábrica. Aos que me perguntam se essas providências deram resultados positivos, costumo responder afirmativamente: a solução do cilindro barulhento e o projeto das embalagens se deveram à ação do Zé Pretinho e do Chico Pé de Ganso, com apenas as máquinas que estavam ociosas na divisão de operações industriais. Sem contratar nenhuma consultoria ou serviço de terceiros. Tudo isso vem encantando os pesquisadores de todo o mundo, até os da Louisiana State University.
Veja, então. Essa vitoriosa aplicação da engenharia humana permitiu mostrar o valor do trabalhador carioca, eficiente, aplicado, laborioso e, paradoxalmente, tão vilipendiado. Após a derrocada dos mercados asiáticos, em particular o de Tóquio, ficou definitivamente comprovado que, em matéria de trabalho, o carioca é o japonês da vida real. Você vai à praia, ao cinema, ao Maracanã: os cariocas que você vê são, na verdade, japoneses.
- Minha senhora....
- Alice.
- Peço-lhe, dona Alice, a gentileza de tomar conhecimento de que se casou com um japonês.
Infelizmente, porém, mesmo com nossos abundantes japoneses, o êxito não se mede pelo entusiasmo que temos pelas nossas obras. É preciso um balanço, o do navio ao sabor das ondas do mar, o balanço-d'água refletindo um equilíbrio hídrico, o balanço da morena que caminha pelas cálidas areias do Leblon, mas, acima de tudo, o balanço contábil.
- Aí está o problema. O nosso balanço, o contábil, acusou no exercício um prejuízo de cem milhões de dólares. Cem milhões de dólares! Isso não é um balanço, mas um balancim!
Estava eu mergulhado nessas edificantes elucubrações quando, na altura do Posto 10, encontrei o padre do avião, que nunca foi a Sorrento, mas conhece muito bem o dialeto napolitano. Mais que um padre, um padre ubíquo. O qual, muito curioso, foi logo me perguntando:
- Você está com inveja de quem, hoje?
Eu estava naquele instante com inveja tanto do Frank Sinatra, por causa da Ava Gardner, quanto do Ascenso Ferreira. Achei que seria inútil, complicado, extemporâneo e até pornográfico falar a um padre sobre Ava Gardner e, num arroubo de incontida generosidade, ou de sensatez, sei lá, decidi simplificar a questão:
- Saiba Vossa Excelência Reverendíssima que hoje estou com muita inveja do Ascenso Ferreira.
- Por causa de mulher?
- Não, por causa da Sucessão de São Pedro.
- Uma eleição? Uma oração?
- Não, uma poesia.
- Poderia dizê-la para mim?
- É necessário um sotaque bem pernambucano:
“Seu vigário!
Está aqui esta galinha gorda
Que eu trouxe pro mártir São Sebastião.
- Está falando com ele!
- Está falando com ele!”
Está aqui esta galinha gorda
Que eu trouxe pro mártir São Sebastião.
- Está falando com ele!
- Está falando com ele!”
- Enfim, por que diabos fui recitar uma poesia para um padre?
sábado, 24 de julho de 2010
UNIVERSO EM EXPANSÃO (1/2)
O UNIVERSO SERIA ESTÁTICO?
Sabe-se hoje que a parte visível do Universo comporta cerca de 100 bilhões de galáxias, cada uma contendo em média cerca de 100 bilhões de estrelas. Somando tudo, são 10 bilhões de trilhões de estrelas! Com o impressionante detalhe de que as estrelas guardam entre si distâncias extraordinárias: a estrela mais próxima do Sol, a estrela Alfa, da constelação de Centauro, dele dista cerca de quatro anos-luz (38 trilhões de quilômetros!). A distância da Terra ao Sol é de pouco mais de 8 minutos-luz, cerca de 150 milhões de quilômetros, "apenas".
- Se não existir vida fora da Terra, então o Universo será um grande desperdício de espaço (...), costumava dizer Carl Sagan.
Até 1929 acreditava-se que o Universo era estático, o que significava admitir que suas grandes massas permaneciam mais ou menos equilibradas e distribuídas homogeneamente, uma crença induzida pela invariabilidade aparente da posição das estrelas isoladas, das constelações e das próprias galáxias.
A esse respeito escreveu Aristóteles, quatro séculos antes de Cristo:
Em 1915, Einstein formulou a Teoria da Relatividade Geral, demonstrando que o espaço é deformado pela matéria.
- A matéria deforma o espaço, o qual, assim deformado, indica o caminho a ser seguido pela matéria.
Essa a verdadeira natureza da gravidade newtoniana. Na prática, além disso, não prevalece a Geometria Euclidiana, mas a Riemanniana, de Georg Friedrich Riemann, na qual o espaço é curvo e tem quatro dimensões (três dimensões espaciais e uma de tempo) e as retas são substituídas por curvas chamadas "geodésicas".
Como estático?
A partir da Teoria da Relatividade, a concepção do Universo estático começou a ser contestada. As equações de Einstein não permitiam nenhuma solução estacionária, pois, se a gravidade fosse a única força essencial, as grandes massas deveriam se atrair, provocando num futuro qualquer uma grande hecatombe universal, o chamado "Big Crunch".
Como a aproximação das galáxias de fato não ocorre, a conclusão óbvia era a de que o Universo devia ser considerado em expansão, submetido a uma força que suplantava a gravidade e, além disso, determinava a sua evolução.
- Einstein descobriu a expansão do Universo, apenas munido de lápis e papel, uma consagração da inteligência humana...
Podia ter sido assim, mas não foi, pois Einstein não conseguiu aceitar o que era indicado pelas suas geniais equações e deixou-se vencer pelo preconceito.
- Falta algo nas minhas equações, pois o Universo é estático, como todos acreditam e eu também.
Foi por isso que Einstein, numa iniciativa que em ciência se chama ironicamente de “salvar o fenômeno”, apressou-se em introduzir nas suas equações um termo, que chamou de "constante cosmológica", para se opor à atração universal:
- Se fosse só a gravidade, as galáxias deveriam se atrair, provocando o colapso do Universo; há, entretanto, uma força, que chamei de constante cosmológica, deformando o espaço no sentido contrário. A constante cosmológica contrabalança a gravidade, de modo que o Universo é realmente estático. Aristóteles e Newton estavam cobertos de razão.
Friedmann
Em junho de 1922, o cientista russo Alexander Alexandrovich Friedmann enviou um trabalho à Revista de Fisica da Alemanha ("Zeitschrift der Physik") no qual demonstrava que o Universo não poderia ser estático, pois a solução da constante cosmológica proposta por Einstein era instável e inconsistente. Ou seja, como Einstein desprezara suas próprias equações, arranjando um jeito de contorná-las, coube a Friedmann a primazia de prever teoricamente a expansão do Universo.
- O Universo estático é impossível, postulou Friedmann, baseando-se em cálculos matemáticos rigorosos, cujo ponto de partida foi a própria Relatividade Geral.
A reação de Einstein foi refutar precipitadamente o trabalho de Friedmann, ainda em 1922, alegando que o mesmo violava o princípio da conservação da energia, conforme comentário que enviou à "Zeitschrift der Physik". Essa objeção einsteiniana era equivocada, o que foi demonstrado oito meses depois pelo cientista russo Yuri A. Krutkov, amigo de Friedmann.
- Venci Einstein na discussão sobre Friedmann, e a honra de Petrogrado está salva!, escreveu Krutkov à irmã, em 18 de maio de 1923.
Einstein não teve outra saída senão retratar-se, nos termos da carta que enviou à "Zeitschrift der Physik", também em 1923:
"Em nota enviada a esta revista, critiquei o trabalho de Friedmann "Sobre a Curvatura do Espaço". Minha crítica fundamentou-se num erro de cálculo cometido por mim, conforme pude constatar com base na carta que acabo de receber do senhor Friedmann e nas conversas que mantive com Yuri Krutkov, em Leiden, na casa do físico holandês Paul Ehrenfest. As equações, de fato, permitem tanto a solução estática como as soluções dinâmicas de Friedmann, cujos cálculos são corretos e esclarecedores."
Apesar da humildade da retratação, reconhecendo seu erro de cálculo e a impertinência da observação que fizera para desqualificar o trabalho de Friedmann, Einstein permaneceu com a convicção de que o Universo era estático, incluindo esta possibilidade entre as soluções possíveis, no próprio texto da retratação.
Mas, afinal, o Universo está se expandindo ou é estático?
(continua)
Sabe-se hoje que a parte visível do Universo comporta cerca de 100 bilhões de galáxias, cada uma contendo em média cerca de 100 bilhões de estrelas. Somando tudo, são 10 bilhões de trilhões de estrelas! Com o impressionante detalhe de que as estrelas guardam entre si distâncias extraordinárias: a estrela mais próxima do Sol, a estrela Alfa, da constelação de Centauro, dele dista cerca de quatro anos-luz (38 trilhões de quilômetros!). A distância da Terra ao Sol é de pouco mais de 8 minutos-luz, cerca de 150 milhões de quilômetros, "apenas".
- Se não existir vida fora da Terra, então o Universo será um grande desperdício de espaço (...), costumava dizer Carl Sagan.
Até 1929 acreditava-se que o Universo era estático, o que significava admitir que suas grandes massas permaneciam mais ou menos equilibradas e distribuídas homogeneamente, uma crença induzida pela invariabilidade aparente da posição das estrelas isoladas, das constelações e das próprias galáxias.
A esse respeito escreveu Aristóteles, quatro séculos antes de Cristo:
Aristóteles
“Desde o início da Humanidade, de acordo com as informações transmitidas no decorrer das gerações, não se encontrou nenhuma alteração no céu distante, nem em nenhuma das suas partes observáveis."
Newton estava de acordo com o Universo estático de Aristóteles, assim como Einstein e a grande maioria das pessoas.
A natureza da gravidade
Newton estava de acordo com o Universo estático de Aristóteles, assim como Einstein e a grande maioria das pessoas.
A natureza da gravidade
- A matéria deforma o espaço, o qual, assim deformado, indica o caminho a ser seguido pela matéria.
Essa a verdadeira natureza da gravidade newtoniana. Na prática, além disso, não prevalece a Geometria Euclidiana, mas a Riemanniana, de Georg Friedrich Riemann, na qual o espaço é curvo e tem quatro dimensões (três dimensões espaciais e uma de tempo) e as retas são substituídas por curvas chamadas "geodésicas".
Como estático?
A partir da Teoria da Relatividade, a concepção do Universo estático começou a ser contestada. As equações de Einstein não permitiam nenhuma solução estacionária, pois, se a gravidade fosse a única força essencial, as grandes massas deveriam se atrair, provocando num futuro qualquer uma grande hecatombe universal, o chamado "Big Crunch".
Como a aproximação das galáxias de fato não ocorre, a conclusão óbvia era a de que o Universo devia ser considerado em expansão, submetido a uma força que suplantava a gravidade e, além disso, determinava a sua evolução.
- Einstein descobriu a expansão do Universo, apenas munido de lápis e papel, uma consagração da inteligência humana...
Podia ter sido assim, mas não foi, pois Einstein não conseguiu aceitar o que era indicado pelas suas geniais equações e deixou-se vencer pelo preconceito.
- Falta algo nas minhas equações, pois o Universo é estático, como todos acreditam e eu também.
Foi por isso que Einstein, numa iniciativa que em ciência se chama ironicamente de “salvar o fenômeno”, apressou-se em introduzir nas suas equações um termo, que chamou de "constante cosmológica", para se opor à atração universal:
- Se fosse só a gravidade, as galáxias deveriam se atrair, provocando o colapso do Universo; há, entretanto, uma força, que chamei de constante cosmológica, deformando o espaço no sentido contrário. A constante cosmológica contrabalança a gravidade, de modo que o Universo é realmente estático. Aristóteles e Newton estavam cobertos de razão.
Friedmann
Em junho de 1922, o cientista russo Alexander Alexandrovich Friedmann enviou um trabalho à Revista de Fisica da Alemanha ("Zeitschrift der Physik") no qual demonstrava que o Universo não poderia ser estático, pois a solução da constante cosmológica proposta por Einstein era instável e inconsistente. Ou seja, como Einstein desprezara suas próprias equações, arranjando um jeito de contorná-las, coube a Friedmann a primazia de prever teoricamente a expansão do Universo.
- O Universo estático é impossível, postulou Friedmann, baseando-se em cálculos matemáticos rigorosos, cujo ponto de partida foi a própria Relatividade Geral.
A reação de Einstein foi refutar precipitadamente o trabalho de Friedmann, ainda em 1922, alegando que o mesmo violava o princípio da conservação da energia, conforme comentário que enviou à "Zeitschrift der Physik". Essa objeção einsteiniana era equivocada, o que foi demonstrado oito meses depois pelo cientista russo Yuri A. Krutkov, amigo de Friedmann.
- Venci Einstein na discussão sobre Friedmann, e a honra de Petrogrado está salva!, escreveu Krutkov à irmã, em 18 de maio de 1923.
Einstein não teve outra saída senão retratar-se, nos termos da carta que enviou à "Zeitschrift der Physik", também em 1923:
"Em nota enviada a esta revista, critiquei o trabalho de Friedmann "Sobre a Curvatura do Espaço". Minha crítica fundamentou-se num erro de cálculo cometido por mim, conforme pude constatar com base na carta que acabo de receber do senhor Friedmann e nas conversas que mantive com Yuri Krutkov, em Leiden, na casa do físico holandês Paul Ehrenfest. As equações, de fato, permitem tanto a solução estática como as soluções dinâmicas de Friedmann, cujos cálculos são corretos e esclarecedores."
Apesar da humildade da retratação, reconhecendo seu erro de cálculo e a impertinência da observação que fizera para desqualificar o trabalho de Friedmann, Einstein permaneceu com a convicção de que o Universo era estático, incluindo esta possibilidade entre as soluções possíveis, no próprio texto da retratação.
Mas, afinal, o Universo está se expandindo ou é estático?
(continua)
sexta-feira, 23 de julho de 2010
A MOÇA DE PRETO
PASCALE
A partir da palavra “SALMO”, Estevinho queria chegar à palavra “LINHA”, transitando por palavras intermediárias, cada uma diferindo da anterior por uma letra, e somente uma. Verbos, melhor não... Pensou depois nas questões indecidíveis, que não admitem solução. Numa pequena cidade, o único barbeiro barbeia todas as pessoas que não se barbeiam a si mesmas, e apenas estas. Quem barbeia o barbeiro? Jamais me associaria a um clube que tivesse a insensatez de me aceitar como sócio. O cretense Epimênides afirmou que todos os cretenses são mentirosos. Está na Bíblia...
- Garçom, mais um black and white. Oito anos, por favor.
Sentiu a mão no ombro. Era a moça de preto.
- Posso sentar? - Por favor.
- Peço que não estranhe a ousadia. Estava a observá-lo e senti uma vontade irresistível de conversar com você.
- Não seja por isso. Muito prazer em conhecê-la.
- Não sei, não, mas você me parece muito angustiado. - Estou pensando no paradoxo do mentiroso e curtindo um pouco a solidão.
- Solidão cheia de manias: “garçom, mais um black and white. Oito anos.” Nunca vi black and white que não fosse oito anos... - Nem eu. Mas não gosto de correr nenhum risco...
- Muito engraçado!
Pascale. Olhou-a atentamente. Era olhos e boca, como uma mulher de Manuel Bandeira. Quem sabe francesa? Há francesas que abordam homens nos bares, falam Português e tomam banho. Aos 34 anos, Estevinho vivera todas as situações: casara-se, desquitara-se, casara-se novamente, divorciara-se, juntara-se algumas vezes. Mulheres que partiam, mulheres que chegavam. Algumas, de férias, por prazo definido, ou, como dizia, mulheres dia três, que vão embora no dia quatro, para Porto Alegre, Munique, Juiz de Fora, Florença, Houston ou Além Paraíba. Pois é necessário retornar ao trabalho ou aos braços de um noivo impaciente e cheio de saudade.
- Aceita um uísque?
- Só se for oito anos...
Na cama
Um homem e uma mulher que tomam uísque juntos, no Leblon, são cúmplices de um ideal inexorável: a cama. Quanta obra-prima existe, livros, filmes, peças e canções, sobre mesas, pianos, luvas, colares, retratos e outros variados objetos, usados como metáfora do amor ou de sua ausência. Há um texto de Rubem Braga exaltando o guarda-chuva. Sobre cama, todavia, tudo que Estevinho conhecia era a história de um homem traído, que, ao separar-se da mulher, doou-lhe tudo, absolutamente tudo, menos a cama. Pois se a cama fosse com ela, além da mulher, teria perdido a própria alma. Pois é, minha pátria é minha cama, pensou Estevinho, quando viu Pascale, deitada a seu lado. Nua assim, deitada assim, magnífica assim. Simplesmente deslumbrante! Uma mulher bonita começa pelos olhos, continua nos lábios, alteia-se em montes soberbos, estende-se por vales insondáveis e acaba... não acaba não, isso mesmo, uma mulher bonita não acaba nunca. A mulher é a perfeição. Se Aristóteles não disse isso, eis uma imperdoável omissão de Aristóteles.
Volúpia, entrega, prazer, apoteose à primeira potência, apoteoses ao quadrado, apoteoses ao infinito, eis o enredo do amor, que é a melhor das capacidades humanas. Um instante de amor, Estevinho, vale por uma boa eternidade.
Dia três
Muito esperta, a Pascale. Não levou nem cinco minutos para sair de ”SALMO” e chegar a “LINHA”:
Subitamente, percebi que estava apaixonado. Mais uma vez. Pensei mon amour, je t´aime, com todas as forças do meu despedaçado, combalido e aviltado coração. Olhei-a emocionadamente e disse Pascale, eu te amo. E ela? Apenas sorriu, transbordando de ternura. Gostara muito de mim, do meu jeitão, da minha cama. Não era por nada não, tinha de ir-se.
Pois é, como sempre, mulher dia três: Pascale é casada, muito bem casada, e professora de História da Filosofia numa importante universidade francesa.
Fazer o quê, Estevinho?
A partir da palavra “SALMO”, Estevinho queria chegar à palavra “LINHA”, transitando por palavras intermediárias, cada uma diferindo da anterior por uma letra, e somente uma. Verbos, melhor não... Pensou depois nas questões indecidíveis, que não admitem solução. Numa pequena cidade, o único barbeiro barbeia todas as pessoas que não se barbeiam a si mesmas, e apenas estas. Quem barbeia o barbeiro? Jamais me associaria a um clube que tivesse a insensatez de me aceitar como sócio. O cretense Epimênides afirmou que todos os cretenses são mentirosos. Está na Bíblia...
- Garçom, mais um black and white. Oito anos, por favor.
Sentiu a mão no ombro. Era a moça de preto.
- Posso sentar? - Por favor.
- Peço que não estranhe a ousadia. Estava a observá-lo e senti uma vontade irresistível de conversar com você.
- Não seja por isso. Muito prazer em conhecê-la.
- Não sei, não, mas você me parece muito angustiado. - Estou pensando no paradoxo do mentiroso e curtindo um pouco a solidão.
- Solidão cheia de manias: “garçom, mais um black and white. Oito anos.” Nunca vi black and white que não fosse oito anos... - Nem eu. Mas não gosto de correr nenhum risco...
- Muito engraçado!
Pascale. Olhou-a atentamente. Era olhos e boca, como uma mulher de Manuel Bandeira. Quem sabe francesa? Há francesas que abordam homens nos bares, falam Português e tomam banho. Aos 34 anos, Estevinho vivera todas as situações: casara-se, desquitara-se, casara-se novamente, divorciara-se, juntara-se algumas vezes. Mulheres que partiam, mulheres que chegavam. Algumas, de férias, por prazo definido, ou, como dizia, mulheres dia três, que vão embora no dia quatro, para Porto Alegre, Munique, Juiz de Fora, Florença, Houston ou Além Paraíba. Pois é necessário retornar ao trabalho ou aos braços de um noivo impaciente e cheio de saudade.
- Aceita um uísque?
- Só se for oito anos...
Na cama
Um homem e uma mulher que tomam uísque juntos, no Leblon, são cúmplices de um ideal inexorável: a cama. Quanta obra-prima existe, livros, filmes, peças e canções, sobre mesas, pianos, luvas, colares, retratos e outros variados objetos, usados como metáfora do amor ou de sua ausência. Há um texto de Rubem Braga exaltando o guarda-chuva. Sobre cama, todavia, tudo que Estevinho conhecia era a história de um homem traído, que, ao separar-se da mulher, doou-lhe tudo, absolutamente tudo, menos a cama. Pois se a cama fosse com ela, além da mulher, teria perdido a própria alma. Pois é, minha pátria é minha cama, pensou Estevinho, quando viu Pascale, deitada a seu lado. Nua assim, deitada assim, magnífica assim. Simplesmente deslumbrante! Uma mulher bonita começa pelos olhos, continua nos lábios, alteia-se em montes soberbos, estende-se por vales insondáveis e acaba... não acaba não, isso mesmo, uma mulher bonita não acaba nunca. A mulher é a perfeição. Se Aristóteles não disse isso, eis uma imperdoável omissão de Aristóteles.
Volúpia, entrega, prazer, apoteose à primeira potência, apoteoses ao quadrado, apoteoses ao infinito, eis o enredo do amor, que é a melhor das capacidades humanas. Um instante de amor, Estevinho, vale por uma boa eternidade.
Dia três
Muito esperta, a Pascale. Não levou nem cinco minutos para sair de ”SALMO” e chegar a “LINHA”:
SALMO, PALMO, PALMA, PALHA, PILHA, PINHA, LINHA
Pois é, como sempre, mulher dia três: Pascale é casada, muito bem casada, e professora de História da Filosofia numa importante universidade francesa.
Fazer o quê, Estevinho?
quarta-feira, 21 de julho de 2010
UM ENCONTRO FRUSTRADO
A loura da praia
A loura da praia me cumprimentou quando me aproximei da Rua do Ouvidor. Não pretendia responder ao cumprimento, mas tive um pressentimento esquisito e perguntei:
- Você é a loura que trabalhou no filme do Tarantino?
(Não sei por quê, mas, para mim, toda loura trabalha em filme do Tarantino.)
- Sou eu mesma.
- No filme com o Tim Robbins.
- Tim Roth.
(Eu sempre confundo o Tim Roth com outro Tim.)
Foi então que marcamos um encontro para quarta-feira, às 21 horas, no Saint Honoré. Cada um, a loura da praia e eu, ficou de comparecer com sete mil reais, um aporte de capital recíproco, puro equity, que eliminaria todas as exigibilidades.
Na segunda-feira, porém, fui convocado pela Câmara dos Deputados, pois de mim se exigiam explicações categóricas sobre o ataque especulativo ao mercado de índices da Bolsa de Milão.
- Mercado de quê?
- Mercado de índices...
Eu era fundamental para desvendar o enigma. Tomei o avião tranquilamente, certo de que, dados os esclarecimentos solicitados, estaria voltando no mesmo dia para o Rio de Janeiro. Em Brasília fui informado de que o meu depoimento fora adiado para o dia seguinte, terça-feira, a pedido do Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, de maneira que tive de me hospedar num hotel de primeira classe. Na terça fui informado de novo adiamento, dessa vez para quinta, o que me reteve mais dois dias na capital.
Cheguei ao recinto da Câmara na hora aprazada e percebi, com alegria incontida, que havia grande curiosidade pelo que me cabia declarar. Pela primeira vez na vida, eu era a solução. A sala de reuniões encheu-se de deputados, senadores, jornalistas, acróbatas, empresários, psicagogos, músicos, preparadores físicos, lobistas e eletricitários, de modo que, não havendo espaço para acomodar tanta gente, o presidente da CPI assim determinou:
- Retirem-se do recinto todas as pessoas que não sejam detentoras de mandato.
Ninguém duvide da autoridade de um presidente. Fui retirado do recinto, pobre de mim, e, no mesmo dia, retornei ao Rio de Janeiro. No avião, um padre me perguntou se eu tinha inveja de alguém.
- Diariamente, respondi.
- Hoje o senhor está com inveja de quem?
- Do Lucio Dalla, que compôs aquela música, “Caruso”. Não sou bom em italiano, mas sei que a música tem a ver com o Golfo de Sorrento, na Baía de Nápoles.
- Conheço.
- O Golfo de Sorrento?
- Não, a música. Eu sou bom em italiano e posso asseverar que a letra fala em “te voglio bene assaie, ma tanto tanto bene sai.”
- Eu diria que o senhor é bom em dialeto napolitano.
Quando cheguei ao meu apartamento, no Leblon, vi sobre a mesa-de-cabeceira os sete mil reais que eu sacara para somar aos sete mil reais da loura da praia no encontro que havíamos marcado para quarta-feira, no Saint Honoré. Minha estada em Brasília frustrara os nossos planos. Tivesse, ao menos, o endereço, o teletrim, o fax, o email ou o telefone da loura da praia! O twitter, o facebook, o orkut, o teleprompter, o scanner, o software, nada disso estava a meu alcance. Se fiquei aborrecido? Escrevi uma poesia, cantando os amores frustrados da minha vida, incluindo o da moça do Colecionador. (Sempre que me aborreço, escrevo uma poesia que canta os amores frustrados da minha vida, incluindo o da moça do Colecionador.)
Não a transcrevo, clareando os garranchos acima, porque seria um abuso insuportável propor uma poesia de minha lavra, assim impunemente, com tanto livro do Manoel de Barros à disposição dos que queiram exercitar-se na arte de ler poesia: Poesia ao Rés do Chão, Poemas Concebidos Sem Pecado, Face Imóvel, Compêndio para Uso dos Pássaros, Gramática Expositiva do Chão, Arranjos para Assobio, Livro de Pré-Coisas , O Guardador de Águas, e por aí vai.
Resumindo tudo
Fiquei com a poesia, muito garranchosa, e os sete mil reais, mas sem a loura da praia.
A loura da praia me cumprimentou quando me aproximei da Rua do Ouvidor. Não pretendia responder ao cumprimento, mas tive um pressentimento esquisito e perguntei:
- Você é a loura que trabalhou no filme do Tarantino?
(Não sei por quê, mas, para mim, toda loura trabalha em filme do Tarantino.)
- Sou eu mesma.
- No filme com o Tim Robbins.
- Tim Roth.
(Eu sempre confundo o Tim Roth com outro Tim.)
Foi então que marcamos um encontro para quarta-feira, às 21 horas, no Saint Honoré. Cada um, a loura da praia e eu, ficou de comparecer com sete mil reais, um aporte de capital recíproco, puro equity, que eliminaria todas as exigibilidades.
Na segunda-feira, porém, fui convocado pela Câmara dos Deputados, pois de mim se exigiam explicações categóricas sobre o ataque especulativo ao mercado de índices da Bolsa de Milão.
- Mercado de quê?
- Mercado de índices...
Eu era fundamental para desvendar o enigma. Tomei o avião tranquilamente, certo de que, dados os esclarecimentos solicitados, estaria voltando no mesmo dia para o Rio de Janeiro. Em Brasília fui informado de que o meu depoimento fora adiado para o dia seguinte, terça-feira, a pedido do Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, de maneira que tive de me hospedar num hotel de primeira classe. Na terça fui informado de novo adiamento, dessa vez para quinta, o que me reteve mais dois dias na capital.
Cheguei ao recinto da Câmara na hora aprazada e percebi, com alegria incontida, que havia grande curiosidade pelo que me cabia declarar. Pela primeira vez na vida, eu era a solução. A sala de reuniões encheu-se de deputados, senadores, jornalistas, acróbatas, empresários, psicagogos, músicos, preparadores físicos, lobistas e eletricitários, de modo que, não havendo espaço para acomodar tanta gente, o presidente da CPI assim determinou:
- Retirem-se do recinto todas as pessoas que não sejam detentoras de mandato.
Ninguém duvide da autoridade de um presidente. Fui retirado do recinto, pobre de mim, e, no mesmo dia, retornei ao Rio de Janeiro. No avião, um padre me perguntou se eu tinha inveja de alguém.
- Diariamente, respondi.
- Hoje o senhor está com inveja de quem?
- Do Lucio Dalla, que compôs aquela música, “Caruso”. Não sou bom em italiano, mas sei que a música tem a ver com o Golfo de Sorrento, na Baía de Nápoles.
- Conheço.
- O Golfo de Sorrento?
- Não, a música. Eu sou bom em italiano e posso asseverar que a letra fala em “te voglio bene assaie, ma tanto tanto bene sai.”
- Eu diria que o senhor é bom em dialeto napolitano.
Quando cheguei ao meu apartamento, no Leblon, vi sobre a mesa-de-cabeceira os sete mil reais que eu sacara para somar aos sete mil reais da loura da praia no encontro que havíamos marcado para quarta-feira, no Saint Honoré. Minha estada em Brasília frustrara os nossos planos. Tivesse, ao menos, o endereço, o teletrim, o fax, o email ou o telefone da loura da praia! O twitter, o facebook, o orkut, o teleprompter, o scanner, o software, nada disso estava a meu alcance. Se fiquei aborrecido? Escrevi uma poesia, cantando os amores frustrados da minha vida, incluindo o da moça do Colecionador. (Sempre que me aborreço, escrevo uma poesia que canta os amores frustrados da minha vida, incluindo o da moça do Colecionador.)
Não a transcrevo, clareando os garranchos acima, porque seria um abuso insuportável propor uma poesia de minha lavra, assim impunemente, com tanto livro do Manoel de Barros à disposição dos que queiram exercitar-se na arte de ler poesia: Poesia ao Rés do Chão, Poemas Concebidos Sem Pecado, Face Imóvel, Compêndio para Uso dos Pássaros, Gramática Expositiva do Chão, Arranjos para Assobio, Livro de Pré-Coisas , O Guardador de Águas, e por aí vai.
Resumindo tudo
Fiquei com a poesia, muito garranchosa, e os sete mil reais, mas sem a loura da praia.
sábado, 17 de julho de 2010
O GOL DE PLACA DE IMMANUEL KANT
Teoria do Céu
Imannuel Kant (1724 - 1804) confessou que duas coisas enchiam seu espírito de admiração e reverência: “o céu estrelado acima de mim” e “a lei moral dentro de mim”. Para entender o céu estrelado, Kant estudou o livro de Isaac Newton, "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural", e publicou, aos 31 anos, uma obra audaciosa e de título complicado, “História Natural Universal e Teoria dos Céus, Ou um Ensaio sobre a Constituição e Origem Mecânica de Todo o Universo Tratada Segundo os Princípios de Newton”, mais conhecida por “Teoria do Céu”. Trata-se de um livro, de 1755, contendo importantes intuições cosmológicas. Entre elas, a de que a Via Láctea seria apenas uma entre uma infinidade de galáxias, cada uma com uma grande quantidade de estrelas e de sistemas solares.
O Grande Debate
Muitos astrônomos, como William Herschel (1738–1822), acreditavam que a Via Láctea era a única aglomeração de estrelas do Universo. Defendiam que as nebulosas eram estrelas jovens dentro da Via Láctea, ao passo que os alinhados com Kant defendiam que essas nebulosas eram outras galáxias, situadas para além da Via Láctea.
A Academia Nacional de Ciências de Washington organizou em abril de 1920 um debate entre as duas correntes, que, ao fim e ao cabo, era na verdade uma discussão sobre o lugar da humanidade dentro do Cosmos. A galáxia única foi defendida pelos astrônomos do Observatório de Monte Wilson, representados por Harlow Shapley (1885-1972), enquanto a tese de que as nebulosas eram galáxias independentes foi defendida pelo experiente astrônomo Heber Curtis (1872-1942).
O Grande Debate pouco acrescentou, pois faltavam dados observacionais que ajudassem a decidir sobre a questão. Alguns astrônomos, pessimistas, chegaram a admitir que essa questão não seria jamais esclarecida, por situar-se numa fronteira indecidível, onde “o intelecto humano começa a falhar". Erro comparável, em contexto equivalente, ao de Augusto Comte, que manifestou em seu Curso de Filosofia Positiva a opinião de que nunca seríamos capazes de estudar a estrutura química e mineralógica das estrelas.
Gol de Placa
Em 4 de outubro de 1923, Edwin Hubble (1889-1953), com seu telescópio de 2,5 metros de diâmetro, descobriu na nebulosa de Andrômedra uma cefeida sete mil vezes mais luminosa do que o Sol e, pela técnica desenvolvida por Henrietta Leavitt, aquela do “Harém de Pickering”, concluiu que essa estrela estava a 900 mil anos-luz da Terra. Ou seja, a cefeida de Andrômeda estava fora da Via Láctea, que tem de ponta a ponta não mais que 100 mil anos-luz. A nebulosa de Andrômedra e outras nebulosas constituíam, pois, outras galáxias.
Hubble só anunciou sua descoberta na reunião de 1924 da Associação Americana para o progresso da Ciência.
A intuição de Kant estava, pois, correta: o Universo não se restringe à Via Láctea, formado que é por cerca de 100 bilhões de galáxias, cada uma com cerca de 100 bilhões de estrelas, sendo a mais próxima do Sol a estrela Alfa da constelação de Centauro, que dista do Sol quatro anos-luz, cerca de 38 trilhões de quilômetros.
Imannuel Kant (1724 - 1804) confessou que duas coisas enchiam seu espírito de admiração e reverência: “o céu estrelado acima de mim” e “a lei moral dentro de mim”. Para entender o céu estrelado, Kant estudou o livro de Isaac Newton, "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural", e publicou, aos 31 anos, uma obra audaciosa e de título complicado, “História Natural Universal e Teoria dos Céus, Ou um Ensaio sobre a Constituição e Origem Mecânica de Todo o Universo Tratada Segundo os Princípios de Newton”, mais conhecida por “Teoria do Céu”. Trata-se de um livro, de 1755, contendo importantes intuições cosmológicas. Entre elas, a de que a Via Láctea seria apenas uma entre uma infinidade de galáxias, cada uma com uma grande quantidade de estrelas e de sistemas solares.
O Grande Debate
Muitos astrônomos, como William Herschel (1738–1822), acreditavam que a Via Láctea era a única aglomeração de estrelas do Universo. Defendiam que as nebulosas eram estrelas jovens dentro da Via Láctea, ao passo que os alinhados com Kant defendiam que essas nebulosas eram outras galáxias, situadas para além da Via Láctea.
A Academia Nacional de Ciências de Washington organizou em abril de 1920 um debate entre as duas correntes, que, ao fim e ao cabo, era na verdade uma discussão sobre o lugar da humanidade dentro do Cosmos. A galáxia única foi defendida pelos astrônomos do Observatório de Monte Wilson, representados por Harlow Shapley (1885-1972), enquanto a tese de que as nebulosas eram galáxias independentes foi defendida pelo experiente astrônomo Heber Curtis (1872-1942).
O Grande Debate pouco acrescentou, pois faltavam dados observacionais que ajudassem a decidir sobre a questão. Alguns astrônomos, pessimistas, chegaram a admitir que essa questão não seria jamais esclarecida, por situar-se numa fronteira indecidível, onde “o intelecto humano começa a falhar". Erro comparável, em contexto equivalente, ao de Augusto Comte, que manifestou em seu Curso de Filosofia Positiva a opinião de que nunca seríamos capazes de estudar a estrutura química e mineralógica das estrelas.
Gol de Placa
Em 4 de outubro de 1923, Edwin Hubble (1889-1953), com seu telescópio de 2,5 metros de diâmetro, descobriu na nebulosa de Andrômedra uma cefeida sete mil vezes mais luminosa do que o Sol e, pela técnica desenvolvida por Henrietta Leavitt, aquela do “Harém de Pickering”, concluiu que essa estrela estava a 900 mil anos-luz da Terra. Ou seja, a cefeida de Andrômeda estava fora da Via Láctea, que tem de ponta a ponta não mais que 100 mil anos-luz. A nebulosa de Andrômedra e outras nebulosas constituíam, pois, outras galáxias.
Hubble só anunciou sua descoberta na reunião de 1924 da Associação Americana para o progresso da Ciência.
A intuição de Kant estava, pois, correta: o Universo não se restringe à Via Láctea, formado que é por cerca de 100 bilhões de galáxias, cada uma com cerca de 100 bilhões de estrelas, sendo a mais próxima do Sol a estrela Alfa da constelação de Centauro, que dista do Sol quatro anos-luz, cerca de 38 trilhões de quilômetros.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
COMO ME SAÍ NA BOLSA DE VALORES
Informações privilegiadas
Tia Estefânia sonhou certa vez com um número: 198. É vaca, disseram. Jogou no bicho e ganhou seiscentos cruzeiros. Cachorro, elefante e outros bichos vieram depois, e ela sempre acertava, pois a seta do tempo, que para quase todos caminha para a frente, e só para frente, nos seus sonhos era capaz de revoluteios mirabolantes muito compensadores. Valendo-se dessa prerrogativa, pôde acumular, devagar e criteriosamente, uma pequena fortuna.
Pesquisando recentemente sobre sonhos de apostadores vitoriosos, descobri que tia Estefânia não foi a única a prevalecer. Por exemplo: entre março e julho de 1946, Lord Kilbracken, que era então o jovem estudante John Godley, teve uma série de oito sonhos com cavalos que iriam vencer as corridas. Ele via nos sonhos os resultados das corridas do dia seguinte e até os prêmios proporcionados pelos animais vencedores. Conta-se que soube, como minha tia, auferir bons lucros a partir de tão privilegiadas informações.
Estefânia de Agrigento, lá em Miracema, e John Godley, em Oxford, eram capazes de subverter a hierarquia da relação que existe entre um fato e o momento em que dele temos a primeira notícia.
Isso, sem falar no polvo da Copa do Mundo.
Elucubrações na orla
Não sei se meus sonhos são muito curtos ou se a complexa entidade a que costumo chamar de eu, ao defender-se, não me permite conhecê-los em toda a sua extensão. São de tal maneira reduzidos que não costumam fazer nenhum sentido. No último dia das férias deste ano, tive, porém, um sonho extremamente longo, do qual me recordo perfeitamente: uma sucessão de acontecimentos envolvendo meu quotidiano, temores e fantasias. Pela primeira vez, em toda a minha vida, uma história completa, como nos sonhos profissionais de Carl Gustav Jung. Completa, mas de sequências intemporais, que se interrelacionavam de modo estranho e irregular.
Na Praia
Durante sete anos e oito meses, andei 8,5 quilômetros todos os dias, na orla que corresponde ao Leblon, Ipanema e adjacências, o que, salvo multiplicações mais exatas, perfaz um percurso acumulado de 23.760 quilômetros. Como estamos no século XXI, é recomendável não ignorar que as leis básicas da física, essas que se aplicam aos fenômenos naturais, não se sustentam obrigatoriamente fora dos limites da nossa observação. A posição relativa de uma pessoa no universo controla o seu ponto de vista. Estivesse eu simultaneamente andando pela orla e olhando-me nessa atividade de um ponto fixo do Sol, o eu da praia teria andado aproximadamente 23.760 quilômetros conforme seu referencial, que sou eu, mas o eu do Sol saberia que me desloquei 6,9 bilhões de quilômetros para além do que postulam, cá embaixo, meus cálculos primários e desqualificados.
- Viver na Terra inclui uma viagem anual gratuita em torno do Sol, observou certa vez alguém inteligente, talvez a minha professora de Geografia.
Mais complicado seria se, em vez de se situar no Sol, o eu que observa o eu que caminha na orla estivesse na origem de um referencial com base em quatro estrelas fixas, tal o sistema de Galileu ou de inércia. De fato, não tenho como apresentar números alusivos às minhas caminhadas nesse último e decisivo sistema, pois calculá-los não está a meu alcance, nem se eu soubesse alguma coisa sobre as equações de Einstein e as concepções de Gödel
Há, de fato, uma física para cada observador, ou seja, diferentes pessoas têm diferentes opiniões. Cada um conforme seu referencial. Vasta e abençoada diversidade, fundamental para que possamos sobreviver neste mundo, qualquer que seja o número de Avogadro! Sem ela, a referida diversidade, não haveria corrida de cavalos, pois nenhum hipódromo sobreviveria se os aficionados apostassem a cada páreo no mesmo animal. Tampouco teríamos casamentos, olimpíadas, estelionatos, plebiscitos e revoluções.
A bolsa é a vida
Quando invadi o pregão da Bolsa de Valores, subi na mesa de operações, dei três batidas no microfone e, percebendo, pelo som esplêndido e cristalino, que funcionava perfeitamente, com a melhor das intenções disse exatamente o que se segue:
- Senhoras e senhores...
Tudo estacou, como num quadro de Ticiano, onde rostos numerosos ficam à espreita, dominados pela dúvida e pela angústia.
Os operadores silenciaram, e os computadores, inerciados pelos acontecimentos, pararam de vomitar cotações em tempo real. Os mercados de Nova York, Londres, Paris, Hong Kong, São Paulo, Kuala Lumpur, Madri, Tóquio, Frankfurt e Buenos Aires permaneceram longo tempo estáticos. E extáticos. Não havia opção, nem derivativo. Pois eu, apenas eu, tinha as informações.
- Senhoras e senhores... Senhoras e senhores...
Depus o microfone com a elegância requerida e me retirei do pregão. Soube depois que, passada a turbulência, Nova York e demais mercados voltaram a operar normalmente, embora minha decisiva intervenção tivesse provocado grande instabilidade na Bolsa de Milão, que naquele dia estava particularmente volátil.
Encerrava-se, assim, minha primeira e única experiência com a Bolsa de Valores.
Tia Estefânia sonhou certa vez com um número: 198. É vaca, disseram. Jogou no bicho e ganhou seiscentos cruzeiros. Cachorro, elefante e outros bichos vieram depois, e ela sempre acertava, pois a seta do tempo, que para quase todos caminha para a frente, e só para frente, nos seus sonhos era capaz de revoluteios mirabolantes muito compensadores. Valendo-se dessa prerrogativa, pôde acumular, devagar e criteriosamente, uma pequena fortuna.
Pesquisando recentemente sobre sonhos de apostadores vitoriosos, descobri que tia Estefânia não foi a única a prevalecer. Por exemplo: entre março e julho de 1946, Lord Kilbracken, que era então o jovem estudante John Godley, teve uma série de oito sonhos com cavalos que iriam vencer as corridas. Ele via nos sonhos os resultados das corridas do dia seguinte e até os prêmios proporcionados pelos animais vencedores. Conta-se que soube, como minha tia, auferir bons lucros a partir de tão privilegiadas informações.
Estefânia de Agrigento, lá em Miracema, e John Godley, em Oxford, eram capazes de subverter a hierarquia da relação que existe entre um fato e o momento em que dele temos a primeira notícia.
Isso, sem falar no polvo da Copa do Mundo.
Elucubrações na orla
Não sei se meus sonhos são muito curtos ou se a complexa entidade a que costumo chamar de eu, ao defender-se, não me permite conhecê-los em toda a sua extensão. São de tal maneira reduzidos que não costumam fazer nenhum sentido. No último dia das férias deste ano, tive, porém, um sonho extremamente longo, do qual me recordo perfeitamente: uma sucessão de acontecimentos envolvendo meu quotidiano, temores e fantasias. Pela primeira vez, em toda a minha vida, uma história completa, como nos sonhos profissionais de Carl Gustav Jung. Completa, mas de sequências intemporais, que se interrelacionavam de modo estranho e irregular.
Na Praia
Durante sete anos e oito meses, andei 8,5 quilômetros todos os dias, na orla que corresponde ao Leblon, Ipanema e adjacências, o que, salvo multiplicações mais exatas, perfaz um percurso acumulado de 23.760 quilômetros. Como estamos no século XXI, é recomendável não ignorar que as leis básicas da física, essas que se aplicam aos fenômenos naturais, não se sustentam obrigatoriamente fora dos limites da nossa observação. A posição relativa de uma pessoa no universo controla o seu ponto de vista. Estivesse eu simultaneamente andando pela orla e olhando-me nessa atividade de um ponto fixo do Sol, o eu da praia teria andado aproximadamente 23.760 quilômetros conforme seu referencial, que sou eu, mas o eu do Sol saberia que me desloquei 6,9 bilhões de quilômetros para além do que postulam, cá embaixo, meus cálculos primários e desqualificados.
- Viver na Terra inclui uma viagem anual gratuita em torno do Sol, observou certa vez alguém inteligente, talvez a minha professora de Geografia.
Mais complicado seria se, em vez de se situar no Sol, o eu que observa o eu que caminha na orla estivesse na origem de um referencial com base em quatro estrelas fixas, tal o sistema de Galileu ou de inércia. De fato, não tenho como apresentar números alusivos às minhas caminhadas nesse último e decisivo sistema, pois calculá-los não está a meu alcance, nem se eu soubesse alguma coisa sobre as equações de Einstein e as concepções de Gödel
Há, de fato, uma física para cada observador, ou seja, diferentes pessoas têm diferentes opiniões. Cada um conforme seu referencial. Vasta e abençoada diversidade, fundamental para que possamos sobreviver neste mundo, qualquer que seja o número de Avogadro! Sem ela, a referida diversidade, não haveria corrida de cavalos, pois nenhum hipódromo sobreviveria se os aficionados apostassem a cada páreo no mesmo animal. Tampouco teríamos casamentos, olimpíadas, estelionatos, plebiscitos e revoluções.
A bolsa é a vida
Quando invadi o pregão da Bolsa de Valores, subi na mesa de operações, dei três batidas no microfone e, percebendo, pelo som esplêndido e cristalino, que funcionava perfeitamente, com a melhor das intenções disse exatamente o que se segue:
- Senhoras e senhores...
Tudo estacou, como num quadro de Ticiano, onde rostos numerosos ficam à espreita, dominados pela dúvida e pela angústia.
Os operadores silenciaram, e os computadores, inerciados pelos acontecimentos, pararam de vomitar cotações em tempo real. Os mercados de Nova York, Londres, Paris, Hong Kong, São Paulo, Kuala Lumpur, Madri, Tóquio, Frankfurt e Buenos Aires permaneceram longo tempo estáticos. E extáticos. Não havia opção, nem derivativo. Pois eu, apenas eu, tinha as informações.
- Senhoras e senhores... Senhoras e senhores...
Depus o microfone com a elegância requerida e me retirei do pregão. Soube depois que, passada a turbulência, Nova York e demais mercados voltaram a operar normalmente, embora minha decisiva intervenção tivesse provocado grande instabilidade na Bolsa de Milão, que naquele dia estava particularmente volátil.
Encerrava-se, assim, minha primeira e única experiência com a Bolsa de Valores.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
NO JANTAR, COM SOFIA LOREN
MEU SONHO COM ELISA
- Elisa vai lhe ensinar maneiras e, depois, sobre cepas e investimentos.
- Como assim?, perguntei, assustado.
- Ora, Thales, você participará de inúmeros encontros internacionais, de grave responsabilidade. Por isso, é essencial que saiba o que os outros não sabem. Imagine-se à mesa, no Castelo Sforza, em Milão, com Silvio Berlusconi, Diane Keaton e Sofia Loren, e, por hipótese,....
- Eu, exatamente eu?
... a você é dado escolher um vinho para acompanhar o prato sugerido por Sofia Loren: pato selvagem da região de Trentino, com molho béchamel de Toscana. Como fazê-lo, sem conhecer sobre fenólicos e taninos ou ignorando a diferença entre um varietal italiano e um magnífico bordeaux, mis en bouteille à la propriété?
- Mis en bouteille à la propriété?
- Da mesma forma, você não poderá errar na hora dos talheres.
- Espero acertar. Saiba, porém, que, emboraThales, não sou de Mileto.
- Depois, no decorrer da desgustação, não lhe cabe ignorar o teorema das forças vivas, a teoria das supercordas, as concepções de Demócrito de Abdera ou, enfim, por que Tony Blair sustentou várias vezes na Câmara dos Lordes que a Inglaterra sempre se sai bem nos processos de benchmarking.
- Benchmarking?
- Sim, uma pesquisa que permite avaliar um desempenho, comparando-o com um referencial de excelência, chamado de benchmark.
Saber o que é benchmarking, onde já se viu? Hei de arranjar uma maneira de avisar a esse pessoal que nasci em Cascadura, pois com certeza estão cometendo um descomunal erro de pessoa. Morrer, dormir, renascer em Copacabana, quem sabe?
- Aprender tudo isso, eu, euzinho? Você está falando sério?
- Seriíssimo. O homem moderno distingue-se pelo estilo e, principalmente, pelo nível de suas informações.
- Tudo bem, tudo bem.
- Preste muita atenção, para não ser reprovado.
O negócio é seguir em frente. É melhor receber aulas de etiqueta, saber o que é benchmark, e até ser reprovado, do que pedir dinheiro emprestado, contrair malária ou penar na fila dos doentes irreversíveis.
Etiqueta
Ela se chama Elisa e vai me ensinar etiqueta, mais do que isso não sei.
- Os etimologistas afirmam que na época do Absolutismo os burgueses, de pouco refinamento, recebiam na forma de bilhetes (”etiquettes”) acostados aos respectivos convites as regras de comportamento a serem observadas nos eventos da Corte. Essa a origem da palavra “etiqueta”.
- Muito interessante...
- Muito interessante? Fica melhor pensar que etiqueta é uma extensão da ética, uma eticazinha, como norma comportamental de respeito ao outro, dissociando-a das concepções preconceituosas que a relacionam com gestos de submissão, cerimoniais, salamaleques, frases feitas, talheres de prata, uso de luvas, fraques ou cartolas. Ser gentil com caixas de supermercado, não usar telefone celular em ambientes fechados ou ceder a vez a uma senhora na fila é mais importante do ponto de vista social do que segurar corretamente o garfo ou saber como dirigir-se a um garçom. A pessoa precisa saber como recusar um convite, comportar-se perante idosos e portadores de deficiências físicas, corresponder a um favor recebido, organizar uma lista de convidados ou agradecer por um presente de casamento. Não comentar sobre defeitos de outros, não ufanar-se, permitir que as outras pessoas também se manifestem e tomar em consideração opiniões e posições alheias. Não exibir-se, nem mostrar o que não sabe...
- Sempre faço muita força para isso, professora.
- Aprenda a dizer “bom dia”, “por favor” e “muito obrigado”. Se não quer, diga “não”. Se não sabe, diga “não sei”. Se tiver dúvida, peça todos os esclarecimentos. Seja assertivo, impondo-se sempre, mas sem grosseria, que esta nunca rendeu nenhum dividendo em favor de ninguém.
Meus pensamentos enquanto ela falava
Linda, linda, a Elisa.
Acho que está flertando comigo.
Não, não, não, claro que não.
Não posso dar nenhuma bandeira.
Se dou um fora, ela me reprova, perco tanto o emprego quanto os banquetes com a Sofia Loren, retornando a Cascadura...
O melhor benchmark
Acordei no meio da noite e percebi que Elisa estava deitada a meu lado, seminua.
Linda e pura como uma Desdêmona de Verdi.
Lembro-me de que segurou minha mão carinhosamente.
- Elisa vai lhe ensinar maneiras e, depois, sobre cepas e investimentos.
- Como assim?, perguntei, assustado.
- Ora, Thales, você participará de inúmeros encontros internacionais, de grave responsabilidade. Por isso, é essencial que saiba o que os outros não sabem. Imagine-se à mesa, no Castelo Sforza, em Milão, com Silvio Berlusconi, Diane Keaton e Sofia Loren, e, por hipótese,....
- Eu, exatamente eu?
... a você é dado escolher um vinho para acompanhar o prato sugerido por Sofia Loren: pato selvagem da região de Trentino, com molho béchamel de Toscana. Como fazê-lo, sem conhecer sobre fenólicos e taninos ou ignorando a diferença entre um varietal italiano e um magnífico bordeaux, mis en bouteille à la propriété?
- Mis en bouteille à la propriété?
- Da mesma forma, você não poderá errar na hora dos talheres.
- Espero acertar. Saiba, porém, que, emboraThales, não sou de Mileto.
- Depois, no decorrer da desgustação, não lhe cabe ignorar o teorema das forças vivas, a teoria das supercordas, as concepções de Demócrito de Abdera ou, enfim, por que Tony Blair sustentou várias vezes na Câmara dos Lordes que a Inglaterra sempre se sai bem nos processos de benchmarking.
- Benchmarking?
- Sim, uma pesquisa que permite avaliar um desempenho, comparando-o com um referencial de excelência, chamado de benchmark.
Saber o que é benchmarking, onde já se viu? Hei de arranjar uma maneira de avisar a esse pessoal que nasci em Cascadura, pois com certeza estão cometendo um descomunal erro de pessoa. Morrer, dormir, renascer em Copacabana, quem sabe?
- Aprender tudo isso, eu, euzinho? Você está falando sério?
- Seriíssimo. O homem moderno distingue-se pelo estilo e, principalmente, pelo nível de suas informações.
- Tudo bem, tudo bem.
- Preste muita atenção, para não ser reprovado.
O negócio é seguir em frente. É melhor receber aulas de etiqueta, saber o que é benchmark, e até ser reprovado, do que pedir dinheiro emprestado, contrair malária ou penar na fila dos doentes irreversíveis.
Etiqueta
Ela se chama Elisa e vai me ensinar etiqueta, mais do que isso não sei.
- Os etimologistas afirmam que na época do Absolutismo os burgueses, de pouco refinamento, recebiam na forma de bilhetes (”etiquettes”) acostados aos respectivos convites as regras de comportamento a serem observadas nos eventos da Corte. Essa a origem da palavra “etiqueta”.
- Muito interessante...
- Muito interessante? Fica melhor pensar que etiqueta é uma extensão da ética, uma eticazinha, como norma comportamental de respeito ao outro, dissociando-a das concepções preconceituosas que a relacionam com gestos de submissão, cerimoniais, salamaleques, frases feitas, talheres de prata, uso de luvas, fraques ou cartolas. Ser gentil com caixas de supermercado, não usar telefone celular em ambientes fechados ou ceder a vez a uma senhora na fila é mais importante do ponto de vista social do que segurar corretamente o garfo ou saber como dirigir-se a um garçom. A pessoa precisa saber como recusar um convite, comportar-se perante idosos e portadores de deficiências físicas, corresponder a um favor recebido, organizar uma lista de convidados ou agradecer por um presente de casamento. Não comentar sobre defeitos de outros, não ufanar-se, permitir que as outras pessoas também se manifestem e tomar em consideração opiniões e posições alheias. Não exibir-se, nem mostrar o que não sabe...
- Sempre faço muita força para isso, professora.
- Aprenda a dizer “bom dia”, “por favor” e “muito obrigado”. Se não quer, diga “não”. Se não sabe, diga “não sei”. Se tiver dúvida, peça todos os esclarecimentos. Seja assertivo, impondo-se sempre, mas sem grosseria, que esta nunca rendeu nenhum dividendo em favor de ninguém.
Meus pensamentos enquanto ela falava
Linda, linda, a Elisa.
Acho que está flertando comigo.
Não, não, não, claro que não.
Não posso dar nenhuma bandeira.
Se dou um fora, ela me reprova, perco tanto o emprego quanto os banquetes com a Sofia Loren, retornando a Cascadura...
O melhor benchmark
Acordei no meio da noite e percebi que Elisa estava deitada a meu lado, seminua.
Linda e pura como uma Desdêmona de Verdi.
Lembro-me de que segurou minha mão carinhosamente.
- Você está aprovado, pois tem o melhor benchmark...
Assim foi. Considero-me aprovado pelo resto da vida.
Assim foi. Considero-me aprovado pelo resto da vida.
sábado, 3 de julho de 2010
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