segunda-feira, 14 de abril de 2008

EM BUSCA DO PETRÓLEO (parte 4/4)

Uma pequena odisséia

Com o passar do tempo, a Legião Estrangeira já não se excitava, nem era movida a grandes esperanças, quando tinha de se deslocar para avaliar novas descobertas, tantas haviam sido as decepções nos testes anteriores. Até que houve a descoberta de Caranguejinho.

- Vamos lá para cumprir tabela, arriscou alguém.

Só que dessa fez foi diferente. Montada a engenhoca da avaliação no poço descobridor, Caranguejinho 1, houve produção de óleo surgente, à razão de 300 barris por dia. O Labra constatou, no decorrer dos cálculos complicados, que a pressão final extrapolada igualava a pressão inicial e que era excelente o índice de produtividade da formação.


- Reservatório infinito!, proclamou,
sob intensa comemoração dos técnicos e operários da sonda.

A coisa tornava-se plural. Com dois campos comerciais de petróleo, Cachoeira Alegre e Caranguejinho, o sertão estava caminhando para se tornar uma província petrolífera...

As baixas


Houve várias baixas, quase ao mesmo tempo, no mês que antecedeu o início da produção comercial. Há explicação para defecções, voluntárias ou forçadas, no exato momento em que as pessoas se tornam prescindíveis, como os andaimes, que se retiram quando a obra se dá por concluída?

Carlinhos Mineiro


Um químico inteligente e generoso, que não confiava na solidez dos bancos e guardava todo o seu dinheiro em almofadas de couro. Um dia as almofadas desapareceram misteriosamente e, com elas, seus 120 mil dólares, amealhados ao longo de 40 meses de trabalho escamado e sofridas privações.

- Quem rouba minha bolsa, rouba lixo, comentou ironicamente o Severo.

Carlinhos chorou diante de todos quando encerrou as buscas pelo dinheiro, entendendo definitivamente que suara por uma liquidez que já não existia. Voltou para Belo Horizonte, onde tornou-se motorista de táxi e faleceu num acidente de trânsito.

Nilberto Boaventura

Nunca pareceu ser uma pessoa normal. Entendia tudo sobre completação de poços, bombeio mecânico e “árvore de natal”, este um arranjo mecânico pelo qual se controlam os poços de produção. Nilberto começou a gritar às três da manhã. Todo o acampamento ouviu estarrecido a ladainha absurda, lancinante, que não deixava ninguém dormir:


- Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá! Viva eu cá na terra sempre triste! Eu sou o quadrado da hipotenusa! Ser ou não ser, eis a questão! Eu sinto em mim o borbulhar do gênio! Eu quero a estrela da manhã! O século que viu Colombo, viu Gutenberg também! Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia assim, de um sol assim! Sou poeta, não troco uma estrofe minha por teu colar de rainha! Mais forte que o tufão, meu filho, é Deus! Eu sou a poderosa artilharia! O estado sou eu! Eu, eu, eu, eu sou mais eu!

Contido pelos enfermeiros do plantão médico, foi arrastado até o ambulatório. No dia seguinte levaram-no para Recife, de onde não regressou nunca mais.

Joaquim Peruano


Geólogo de desenvolvimento, era o responsável pelo cálculo das reservas de petróleo e definição das locações dos poços. Foi encontrado morto, vítima de cruel emboscada, na estrada de Picos Amarelos. Recebeu uma descarga de seis tiros, à queima-roupa, numa ação típica de pistoleiros profissionais. No sertão do petróleo, o crime foi insistentemente atribuído à vingança de Montezuma.


Antônio Labrador


O homem da avaliação das descobertas, misterioso e atrevido, mais conhecido como Labra. Pediu demissão inesperadamente, para alegria de todos os chefes e tristeza dos subordinados. Repartiu suas economias pelos pobres de Cachoeira Alegre e desapareceu para sempre, como um Dom Sebastião ou um deus Quirino. Deixou uma carta afixada no salão da geologia, dando por encerrada sua contribuição à causa do petróleo. Nela afirmou que se engajara no projeto de Cachoeira Alegre para cumprir uma vontade do pai, outrora um ativista na luta do petróleo. No final, uma mensagem para a Legião Estrangeira:


- Sou a vossa testemunha e me sinto grande porque sois grandes.

Início da produção comercial

Mais de duas centenas de poços, com capacidade total de 22.800 barris de petróleo por dia, foram postos a produzir, a uma ordem solene do presidente da companhia. Estavam presentes o vice-presidente da República, o presidente da Câmara dos Deputados, o Governador e muitos convidados.
Foi assim que o petróleo de Cachoeira Alegre começou sua carreira industrial. Ele se desloca horizontalmente pelos poros da rocha, lá na profundidade, até alcançar o poço e, então, ascende pela coluna de produção, na sua luta contra a gravidade, até chegar à superfície. Carrega consigo a energia de muitos derivados, e isso o coloca na galeria dos produtos mais cobiçados em todos os países do mundo.

Ulisses

O petróleo de Cachoeira Alegre carrega também, e portanto, o testemunho da presença da Legião Estrangeira, que ali aportou e viveu essa odisseiazinha sem registro, perdida nas muitas esquinas do tempo. A cada caso de Lampeão corresponde uma vingança de Montezuma, uma anedota do crioulo Florisval ou a desventura de um jovem qualquer, como o que enlouqueceu em pleno sertão, o que foi demitido covardemente, o que morreu no acidente com o jipe e o que economizou almofadas de esperanças e retornou para Minas Gerais com as mãos absolutamente vazias. Tudo isso ficou para trás, sem sequer deixar um nome e dormindo profundamente, como nas poesias de Manuel Bandeira.
Para frente, entretanto, o assunto é muito outro: mandacarus convivendo com cavalos de pau, barris de petróleo a mancheias nos tanques, muito dinheiro e progresso, porque a natureza tem horror ao vácuo.

Sertão e petróleo lado a lado, por 40 anos. Pelo menos.

(fim)

Um comentário:

Anônimo disse...

Nomes que ficaram na historia da procura do Petróleo, não poderíamos deixar de lembrar como fez o autor: de Edson de Carvalho, Oscar Cordeiro e o nosso querido José Bento Renato Monteiro Lobato, escritor paulista que engajou-se na luta em favor da exploração do Petróleo, sendo merecedor do Título de ser um dos campeões civis da grande causa, pois cismara desde cedo de que o País tinha Petróleo e que deveria fazer de tudo para encontrá-lo; envolvendo-se em polêmicas ferozes sendo preso duas vezes pela Ditadura de Vargas; apenas por ser o visionário convicto em ver o Brasil alcançar a auto-suficiência em Petróleo. Quem nos dissessem no século passado que Monteiro Lobato, Edson Carvalho sentiam a presença de uma grande riqueza no nosso subsolo, eles seriam julgados como utopistas em delírio, nesta enorme área de oito e meio milhões de quilômetros quadrados.
Poderíamos acrescentar num dos versos de Castro Alves: O Petróleo é nossso, como a praça é do povo e o céu é do Condor!
Da planta do Mandacaru, opunha-se o cavalo de pau que segue com esta rima:UMA ALMA NORDESTINA
Te descobriram há quase mil anos.
Fizeram muitos planos, deram nome a ti.
Te deram cores, verde, amarelo, azul e branca.
Muita grandeza e até brigaram por ti.

Tu és belo, rico e tão nobre
Mas teu povo é pobre por causa de alguns
Que não te ama, ama sua riqueza
Deixando o vazio, a mesa de quem luta por ti...
No Sertão muitos tinham histórias para contar.....Maria Rita.
A historia do Florisval intercalou-se ao de Lampião pela uma amada Mariazinha.
Acho que a luta foi grande de quem fez bem feito, com Amor, ganhamos e mostramos aos gananciosos que o Petróleo é Brasileiro!
Maria das Graças