sexta-feira, 11 de abril de 2008

A BUSCA DO PETRÓLEO (parte 3/4)

Desenvolvimento

O lugarejo não passava de uma longa e acidentada rua de choças de barro. Sua população, pobre e doente, tinha, se tanto, uma vaga esperança na chegada da Grande Hora, a da fartura - ecos e rumores dos tempos de um certo Antônio Conselheiro, puxando a monarquia branca, ou emanados do Beatinho Zé Lourenço, que puxou a vaca preta nas suas
caminhadas errantes pelas bandas do Ceará. Histórias mal-ajambradas, que se confundiam com as lendas e mistérios do sertão.




Zé Lourenço
(Crato, 1937)


Antônio Conselheiro
(Canudos, 1897)

Muita coisa, todavia, iria se alterar em Cachoeira Alegre. Como as atividades do petróleo não podem dormir, nem guardar domingos e feriados, e seguem ininterruptas pelas 24 horas do dia, era necessário contar com quatro turmas por sonda que estivesse em operação. Três delas revezavam-se a cada oito horas, enquanto a quarta folgava. A qualquer momento, para cada homem nas sondas havia três homens honestamente no ócio. Destes, uns poucos deixavam-se ficar no acampamento, guardando repouso, estudando ou jogando cartas, mas a maioria andava pelos bares e pelo cabaré de Cachoeira Alegre.

Plataformistas, na sonda

O gigante oligofrênico fazia correr dinheiro abundante, antes mesmo de fluir a riqueza da terra. O mais notório dos comerciantes era o Corcundinha, que roubava no peso e na qualidade, cobrando um quilo de filé por oitocentos gramas de carne de pescoço, sem falar nas bebidas falsificadas e na água de torneira, que vendia como mineral. Ficou rico.
Das prostitutas, Mariazinha Bangu era nome citado em todas as sondas da região. Tinha pele morena, ar meio tímido, cara bonita e corpo redondo e delicado. Olhos sestrosos, que convidavam, e um largo balançar de quadris, retardativo, mas excitante. De vasta quilometragem, foi mulher de quase todos os petroleiros do sertão. Até que um dia o Florisval, que de laboré chegou a torrista titular, avisou, berrando no acampamento, que Mariazinha não seria nunca mais mulher de ninguém.

- Vou me casar com ela e espeto com peixeira enferrujada o primeiro que me chamar de corno.

Era uma lei, e essa lei pegou. Houve quem falasse mal dos petroleiros, da polícia, dos políticos, dos usineiros e até da Igreja. Houve, naquela época de guerra fria, de “progressistas” e “reacionários”, quem praguejasse contra russos e americanos ou acusasse de ladrão o poderoso Corcundinha.

- Que se saiba, porém, não houve em todo aquele sertão quem tivesse chamado de corno o crioulo Florisval.


Uma demissão


Tudo se foi cumprindo como programado. Ao cabo de quatro anos, os trabalhos adiantados mostravam um campo de petróleo quase pronto. Das 26 estações coletoras, 21 estavam concluídas. Mais de 200 poços tinham sido perfurados, completados e testados, prontos que estavam para produzir.
Cachoeira Alegre era, nesse ponto, um tema de interesse nacional. Foi nessa ocasião que um jornalista publicou nos “Diários Associados” e na “Folha de São Paulo” uma série de reportagens intituladas “Cachoeira Alegre, urgente!”, que mencionavam conflitos e discórdias entre os homens do petróleo, os usineiros e políticos da região de Cachoeira Alegre.

A matéria gerou muita confusão, envolvendo, de um lado, os petroleiros e, de outro, os prefeitos de três cidades, além de autoridades estaduais e ministros, inconformados com as inverdades e os exageros daquelas notícias. Sobreveio uma inesperada indignação oficial, pois o governo federal não queria mal-entendidos e distúrbios que prejudicassem sua base política no Congresso. Antônio Sepúlveda, acusado de informante do jornalista, foi demitido por ordem expressa do Rio de Janeiro, sob protestos inconformados da Legião Estrangeira.
Sepúlveda não esboçou nenhuma reclamação, retirou-se para São Paulo, onde se dedicou à construção civil e criou uma exitosa companhia de engenharia. É certo, porém, que abrigou para sempre uma mágoa profunda e dolorosa.


- O jornalista não teve a generosidade de dizer aos interessados, nem aos que me puniram, que nunca o vi em minha vida, nem tive nada a ver com aquelas reportagens.


A primeira estação

A primeira estação coletora de Cachoeira Alegre destinava-se a recolher, tratar e armazenar a produção de petróleo de dez poços situados nas proximidades do acampamento. No dia da inauguração, presente toda a Legião Estrangeira, promoveu-se uma pequena cerimônia, e alguns poços foram colocados em produção por dez minutos. Houve o discurso emocionado do Alfredo Velhinho e a votação que escolheu o nome da estação: Estação Primeira de Mangueira.

Estação Primeira de Mangueira

Uma semana depois, Cachoeira Alegre engalanou-se para receber uma comitiva de três governadores, seis senadores e vários deputados, entre os quais Fabrício Restrepo, que estava acompanhado de sua mulher Helena, para além de inúmeros intelectuais e jornalistas. A Legião Estrangeira interrompeu suas atividades e, de paletó e gravata, deu explicações sobre exploração e produção de petróleo.
Uma comovente cerimônia teve lugar na Estação Primeira de Mangueira: o batismo de petróleo da comitiva visitante. Toledo, o engenheiro-chefe da produção, mergulhava as mãos no petróleo abundante, negro e viscoso, e as oferecia para o cumprimento emocionado dos convidados, organizados numa fila longa e paciente.

Fabrício Restrepo, as mãos sujas de petróleo, tomou a palavra para enaltecer a política nacional de energia e o decisivo apoio das autoridades federais, estaduais e municipais, ele que era orador de idéias panegiricais e longos exórdios. Seus gestos largos faziam espirrar petróleo em todas as direções, enquanto invocava e celebrava os nomes de Edson de Carvalho, Monteiro Lobato, Oscar Cordeiro e Horta Barbosa.

- Viva o general Horta Barbosa!

Sua mulher Helena, rapidinha e de enredo planejado, aproveitou o longo discurso do marido e escamugiu-se pelo mato com o geólogo Joaquim Peruano. Brasil e Peru, com trocadilho, vivados, tanto no palanque como na caatinga, com igual veemência e arrebatamento.
Helena de Pinho Restrepo entrou para o folclore do petróleo, e seu nome correu sonda, substituindo o nome proibido de Mariazinha Bangu.
(conclusão na segunda-feira, 14/4/2008)

Um comentário:

Anônimo disse...

Na pacata cidade do interior do Sertão com ruas e choças de barro coberta da sapê; mudou-se o panorama com a vinda de todo este movimento gigantesco na procura do petróleo, onde o dinheiro escoava entre todos proporcionando do prazer à luxuria, e a casos engraçados que o texto muito condiz harmonicamente com os acontecimentos reais de um desbravamento em um lugar inexplorável, agreste, palpérrimo, narrado em detalhes, onde existia a miséria, as supertições, os animais nocivos, a dificuldade de consciliar mil e quinhentos trabalhadores pensantes individuais em uma harmonia, para o objetivo maior que era a descoberta do Ouro Negro, que elevaria o país a um patamar de uma Primeira Grandeza Financeira futuramente.
E hoje já estamos caminhando para isto.
Faço jus a uma homenagem a todos que contribuíram com este sonho que está tornando realidade no Presente.Maria das Graças