quarta-feira, 9 de abril de 2008

A BUSCA DO PETRÓLEO (parte 2/4)

Cachoeira Alegre

A broca atrevida foi delatando, chão abaixo, as riquezas escondidas do sertão. O que se queria era petróleo, e petróleo abundante foi descoberto, ali, no arraial de Cachoeira Alegre, exatamente onde Lampião enfrentou os macacos, a ponta de sabre, trinta anos atrás.

Virgulino Lampião

No início, pensou-se em acumulação pequena, mas os poços de extensão e de delimitação, a partir do poço descobridor, foram encompridando cada vez mais a descoberta. E, melhor ainda, o reservatório geológico era fraturado, devendo-se somar ao petróleo dos poros o petróleo generoso e abundante das fraturas.

- Volume original de dois bilhões de barris de petróleo.

-
Um campo gigante?

- Sim, um gigante, mas oligofrênico. Pressão, porosidade, permeabilidade, aqüifero, tudo nele é normal, como se fossem dados de livro. Infelizmente, porém, a alta viscosidade do óleo não permitirá recuperar mais do que vinte por cento do volume original. Mas é campo dos bons, dos graúdos, “a very good elephant”. Ou você não gosta de 25 mil barris de petróleo por dia?

O campo descoberto, que correspondia na superfície a cerca de vinte quilômetros quadrados, iria requerer duas centenas de poços de produção e 26 estações coletoras de petróleo. Os poços seriam perfurados, testados e estimulados, após o que ficariam fechados até o dia em que, todos juntos, seriam definitivamente abertos à produção comercial. Enquanto isso, e até lá, seriam construídas as linhas de captação, os separadores, as estações coletoras e a estação central. Paralelamente, o oleoduto, partindo da estação central, cresceria feito cobra, sertão adentro, na direção do mar.
Assim se imaginou, assim teria de ser feito. Trabalho para quatro, cinco anos, mobilizando dez sondas de perfuração e mil e quinhentos homens, entre técnicos, operários especializados e laborés - uma corruptela de “laborers”, que é como os americanos dos primeiros tempos chamavam os trabalhadores braçais.


Legião estrangeira

Um dia Joãozinho Cascavel chamou o grupo do Labra de “Legião Estrangeira”. Vindos dos mais diversos pontos do país, e até do exterior, eram geofísicos, geólogos, engenheiros, administradores, químicos, mecânicos e topógrafos, que a mão invisível de Adam Smith reuniu no sertão para fuçar os segredos da natureza. O núcleo que comandava a inteligência das operações a serem executadas. Todos ficavam sediados em Cachoeira Alegre, onde havia petróleo descoberto e obras gigantescas a serem executadas para colocá-lo em produção comercial - a fase de investimentos importantes conhecida como "desenvolvimento do campo".


À noite, no salão da geologia, que se situava no centro do acampamento, os da Legião Estrangeira que estavam de folga reuniam-se para contar suas histórias, dramas e ambições. Menos o Nilberto Boaventura, que não conversava com ninguém e sempre se recolhia nos momentos de lazer, e o Carlinhos Mineiro, isolado na sua barraca para contar e recontar seus dólares, que escondia em almofadas de couro. Não confiava nos bancos. Vale citar ainda o Joaquim Peruano, que nas folgas longamente ansiadas desfilava sua beleza pretensiosa nas praças mal iluminadas de Aracaju. Ah, havia o Severo, um geofísico de reconhecida capacidade na interpretação de dados sísmicos, que todas as noites se trancava no almoxarifado para ler obras de Joyce, Proust, Shakespeare e Machado de Assis, ele que certa vez presenteou todo mundo com uma cópia do "Burrinho Pedrês", de Guimarães Rosa. Severo era muito erudito e em todas as oportunidades gostava de citar a frase que "Otelo" ouviu de "Iago":

- Quem rouba a minha bolsa, rouba lixo.

Burrinho Pedrês
Outras descobertas

Aproveitava-se a infra-estrutura de Cachoeira Alegre para apoiar as tentativas de descobrir mais petróleo em outros sítios, situados a distâncias que às vezes alcançavam até cem quilômetros. Os técnicos de avaliação de descobertas ficavam sediados em Cachoeira Alegre, desempenhando múltiplas tarefas, mas viviam o permanente sobressalto de largar tudo para apressadas viagens, se houvesse localização de novas acumulações pioneiras de petróleo.

De vez em quando chegavam telegramas nervosos do Rio de Janeiro, que colocavam a legião estrangeira em grande atividade:


“Deslocar imediatamente equipe avaliação para testar descoberta petróleo poço pioneiro localidade de Treme.”

O grupo se reunia às pressas e seguia, todo excitado, para Treme, onde assumiam o comando da sonda pioneira e acoplavam à coluna o legendário testador de formação, que registrava as variações de pressão numa carta especial. Seguia-se um ritual de aberturas e fechamentos do poço, medindo-se cuidadosamente os volumes do petróleo produzido. Terminada a operação, o Labra, debruçado sobre o micrômetro, lia os registros da carta e traçava a curva de crescimento de pressões.

Carta que resulta da avaliação com o testador de formação

Se após uma produção de petróleo razoável, houvesse regeneração da pressão original no confronto logarítmico com o tempo, o reservatório de petróleo descoberto era considerado “infinito” e o campo, comercial.
Na maioria das vezes, porém, os resultados eram desapontadores. A acumulação de Treme , no veredicto do Labra, foi considerada pequena e depletiva, sem interesse comercial.

De outra feita foi Lagos. Descoberto petróleo em Lagos! O cortejo se deslocou gloriosamente para cumprir o mesmo ritual. O Labra, com a autoridade do seu micrômetro, assegurou que a formação era fechada, de baixa permeabilidade e sem perspectivas de produzir quantidades comerciais de petróleo. Uma decepção.
Menos mal que o poço de Lagos descobriu importantes minas de silvita, carnalita e sal-gema, mas isso é outra história. Outra história!

Vingança de Montezuma

Montezuma

Nos grandes deslocamentos entre o acampamento e as locações pioneiras, por estradas estreitas, irregulares e poeirentas, os acidentes não eram raros e às vezes alguém morria. Dizia-se no acampamento de Cachoeira Alegre que essas mortes eram uma vingança de Montezuma.

- Montezuma, ora essa, que tem Montezuma a ver com este sertão?

Se ninguém sabia explicar, ninguém todavia duvidava: só se morria ali por causa da vingança de Montezuma.
Triste, mesmo, foi a morte do Perel, o químico de lama das brincadeiras inocentes. Seu jipe despencou mais de cinqüenta metros, na terceira curva da serra de Limeira. Nesse dia alguém escreveu no quadro-negro do salão da geologia um verso de Bandeira:

“Dessas rosas, muita rosa terá morrido em botão...”
(continua na sexta-feira, 11/4/2008)

Um comentário:

Anônimo disse...

Enfim a broca achou no sertão a tão esperada riqueza que anos antes, em 1939 foi descoberto no Recôncavo Baiano um poço mascarado por interesses de outro País, dizendo que só existia óleo, levando este Poço o nome de Lobato em homenagem a este grande homem.
Foi sancionada em 3 de Outubro de 1953 a Lei 2004 pelo Presidente Getulio Vargas a Petrobrás, que cuida para que o Petróleo continue sendo um Monopólio Estatal.
Isto ficou para trás e quem viveu nesta época tem historia para contar por muito tempo:
Perel, Montezuma, Carlinho Mineiro, Nilberto Boa Ventura, Antonio Labrador, João Peruano, Antonio Sepúlveda, Fabricio Restrepo e Helena.....
Gostei muito por poder comentar sobre o livro Hamlet e Macbeth nasceram em Muriaé.Maria das Graças.