Subitamente o sertão foi avassalado por homens que chegavam de jipe, à frente de grotescas máquinas transportadas por imensos caminhões amarelos. Durante muitos dias tratores especiais, muito ágeis, foram construindo acessos até o ponto do terreno onde seria perfurado o poço. Depois, a sonda. Num ritual impressionante, o guincho, que não passava de um pequeno guindaste, levantou o mastro, instalou as bombas de lama e posicionou o motor e o tanque de combustível. Seguiram-se as pequenas obras de ocupação, tudo feito com rapidez e cuidado, pois nada podia falhar. Por último, construiu-se a "casa do cachorro", de madeira sem pintura, mas sólida, para servir ao descanso dos sondadores.
Terminados os preparativos e vencidas todas as inspeções, começou o trabalho da perfuração. Lá em cima, o torrista, operário das alturas, fazia seu número de acrobacia, abraçando-se ao tubo mais elevado da coluna a cada evolução do bloco viageiro, que ali todos chamavam de "catarina". Errar o torrista não podia, pois, se caísse, não teria nenhuma salvação. Embaixo, sem acrobacia, os plataformistas depunham a força de seus músculos e de sua alma na conexão de cada tubo de perfuração à coluna sustentada pelas cunhas da mesa rotativa. Ao sondador, que tinha ascendência operacional sobre os outros, cabia manipular as alavancas, fazendo girar a coluna para regular o peso sobre a broca, que, sem opção, ia penetrando a terra de maneira inexorável. Cascalhos e detritos, que resultavam da ação trituradora da broca, eram trazidos pela lama de perfuração, examinados pelo geólogo e descartados na peneira vibratória.
Não se sabia exatamente quem era autoridade maior na sonda, se o engenheiro de perfuração ou o geólogo de poço. Ambos tinham muito poder. O engenheiro dava as ordens ao sondador e especificava o número de comandos, que são os tubos mais pesados que descem junto da broca, tanto quanto o peso da coluna, suas rotações por minuto e a densidade do fluido de perfuração. O engenheiro também administrava a disciplina: as brigas eram punidas com suspensão e redução de salário e os acidentes, se resultantes de negligência, com demissão por justa causa.
Havia, porém, o geólogo, uma espécie de eminência parda, sempre calado, a recolher na peneira da lama os cascalhos e fragmentos de rocha, que a sonda ia vomitando, para examiná-los cuidadosamente com auxílio de um microscópio. Para o geólogo, o importante era reconhecer os sedimentos penetrados, se folhelhos, arenitos ou calcáreos, confrontando a seqüência que se ia obtendo com os dados sísmicos recebidos do Rio de Janeiro. Os operários diziam divertidamente que ele lambia as amostras, pois nos seus relatórios, descrevendo cuidadosamente as formações perfuradas, nunca deixava de informar o sabor das rochas, "ácido", " sabor indefinido", "alcalino" e "neutro". Certa vez disse, de um siltito, que "tinha sabor de limão".
Em certas ocasiões, o geólogo chamava discretamente o engenheiro, murmurava-lhe algum recado, e a perfuração era interrompida:
- Vamos condicionar o poço para a perfilagem!
Ou então:
- Preparar para testemunhar!
Começava então a operação complicada de desconectar tubos em seções de três, até a última, que vinha com a broca. E, a seguir, conectá-los novamente, já com a broca de diamante e o barrilete na extremidade da coluna, para encamisar e trazer para a superfície um comprido cilindro da rocha testemunhada.
Broca e barrilete
Aquela gente engraçada, de jaquetas cinzentas e capacetes de aço, que dormia em barracos de lona, e de luz acesa por temer os barbeiros, entrou no sertão sem pedir licença, arrostando a miséria do alto dos seus imensos coturnos. Para fazer história. Era a busca do petróleo.
Para fazer história?Tudo começou em 27 de agosto de 1859, quando o "Coronel" Drake descobriu petróleo na Pensilvânia. Um evento que iria revolucionar o mundo. Pois o querosene, que se obtém na destilação do petróleo, foi prontamente utilizado na iluminação noturna, substituindo tanto o canfeno, dos pobres, quanto o óleo de cachalote, que fazia a luz dos ricos.
Primeiro poço, 1859, Titusville, Pensilvânia
Nem mesmo a lâmpada elétrica, apresentada em 1892 por Thomas Alba Edison, conseguiu interromper a carreira do petróleo, pois a seguir Henry Ford apresentou o carro com motor de combustão interna, que utiliza gasolina, logo seguido do motor a diesel. Vieram depois, e progressivamente, as utilizações dos outros derivados, seja no consumo direto ou como insumo petroquímico.
O petróleo passou a definir quem podia preponderar e quem devia se submeter. A luta de homens, ao lado de outros homens, ou contra eles, por uma hegemonia. O armênio Calouste Gulbenkian, chamado de "Senhor Cinco Por Cento", afirmava que as companhias de petróleo eram como gatos:
- Pelo barulho nunca se pode saber se estão brigando ou se fazendo amor.
Brigando de forma encarniçada ou amando-se com ternura, as companhias assinaram acordos secretos, como o do castelo de Achnacarry, na Escócia, no ano de 1929, que repartiu entre elas as reservas de petróleo e o mercado consumidor mundial. Suas cláusulas neutralizaram por mais de um quarto de século a lei da procura e da oferta do petróleo, substituindo-a pela lei da impostura muito esperta do finório.
Desde o final do século XIX houve desmedido interesse das companhias de exploração pelos pólos petrolíferos privilegiados, como os dos Estados Unidos, Rússia, Sumatra e México, e, após, já no século XX, os do Irã, Venezuela, Iraque Arábia Saudita e Kuwait.
E o Brasil? Ficava condenado a ser um consumidor de derivados de petróleo importados. Nenhum interesse houve dessas companhias pelo petróleo do subsolo brasileiro, de localização difícil naquela época.
Por isso:
(1) Das questões brasileiras, a do petróleo, era, na década de 1960, uma das não resolvidas.
(2) Os intrusos de botas militares e capacete de aço, que erravam então nos rasos de Sergipe, com suas máquinas barulhentas e desengonçadas, estavam, sim, fazendo história, muita, no Brasil.
(continua na quarta-feira, 9/4/2008))