sábado, 8 de outubro de 2011

ROSAS VERMELHAS PARA RITA HAYWORTH (parte 3/4)

Mentir, se necessário

Marta espreguiçou, deixando-se alongar suave e demoradamente, disposta a não acusar o golpe, nem permitir-se nenhum constrangimento ou remorso. "Morangos Silvestres"... O concurso, que tinha sido uma iniciativa secundária e despretensiosa, inesperadamente atraíra 1.300 concorrentes, rendendo um material de duas mil páginas. Três vezes o"Dom Quixote", cuja leitura vinha adiando havia dez anos. Considerava as críticas de cinema, as dos outros, um exercício de chatice e alienação. Que dizer então de mil e tantas críticas, amadoras, sobre um único filme? Por que, meu Deus, tanta gente se considerava habilitada a criticar Bergman? Uma idéia infeliz, esse concurso!

Calhamaço

Sortear uma das cartas e publicá-la, fosse qual fosse, fora a alternativa viável, sensata, porque indolor e absolutamente inofensiva.
E equânime, é bom acrescentar.
Embora, verdade seja dita, um prêmio estivesse em causa...
Marta, a carta amarela nas mãos, invocou Maquiavel, Richelieu e Cícero, essa gente que, bem usada, defende-nos de mordimentos e inquietações.

Richelieu

A mentira essencial, onde o erro?
É permitido mentir, se necessário, pois devemos fazer tudo que for ditado pela necessidade, não importa se a ação é iníqua ou virtuosa. A carta amarela, desse Heli Dutra Visconsi, era um libelo incompetente, e inútil, que nada significava em face de milhares de leitores que, não tendo se manifestado, concordaram com o desfecho da promoção. Não gostou do resultado? Paciência...Leitores calados, agora e sempre os bons leitores.
Olhou para o envelope e examinou novamente o texto. Nenhum endereço. Marta atirou a carta impertinente na lata do lixo. O problema saía do seu âmbito e passava à jurisdição da Comlurb...

- Mas que diabo seria "Praga Domina Setor?"

Apertou contra o peito as rosas vermelhas. Não se incomodava de ser a Rita Hayworth da redação. Se a turma do esporte tivesse perguntado sobre "O Mágico de Oz", teria se tornado a Judy Garland. "Se Viva Zapata!", um Marlon Brando... de saias?


Exercício de Permutações

Jorginho Estafa, que, de tão apressado, nem reparou naquelas rosas, depôs sobre a mesa outro envelope amarelo. Abriu-o, nervosa, e leu:

"Praga Domina Setor.
Atenciosamente,
Heli Dutra Visconsi"

Outra vez? Ainda bem que o dia começara com as rosas gentis, pois duas cartas amarelas azedam o humor de qualquer um. Foi à lista telefônica e procurou por Heli Dutra Visconsi. Encontrou Visconte e Visconti, muitos, muitos, mas nenhum Visconsi. Esse Heli Dutra Visconsi não existia, isso mesmo, não existia. Existia, porém, uma pessoa que usara esse nome. Duas vezes. Pensou em ameaças codificadas, criptogramas. Cheia de temor, foi à lata do lixo, recolheu a primeira carta e guardou-a na bolsa.
Especialista em logogrifos e rébus, Demóstenes era responsável pelas palavras cruzadas e quebra-cabeças do jornal. Marta procurou-o, lá no fundo da redação. Queria decifrar "Praga Domina Setor" e "Heli Dutra Visconsi", mas não explicou a origem dos enigmas, nem o porquê da sua inquietação.

Demóstenes, a cara epentética e apocopada de charada novíssima, começou imediatamente seu exercício de permutações, com aquela indefectível certeza de que podia decifrar todo e qualquer enigma que envolvesse combinação de letras e conceitos presentes nos dicionários.
(continua)

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