quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

PEQUENOS BURGUESES

A IGNORÂNCIA HUMILHA E FRAGILIZA

Foi do Museu que ela me ligou.

- Quero convidá-lo para ver uma peça.

- Peça, sobre o quê? Quando?

- Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, hoje à noite. Sobre os Bessemenovs, uma família russa em decadência. Nem pense em recusar, pois já adquiri os ingressos.

Nunca fora chegado a ver peças de teatro. Lembrei-me, porém, da Megera Domada, que vira anos atrás, com a Cecília, em San Francisco - uma peça cheia de italianos escrita por Shakespeare.

- Alla nostra casa ben venuto, molto honorato signor mio Petruchio.

Como esquecer, com o filho do Ronald Reagan no palco e o Artur da Távola sentado a nosso lado, dando todas as dicas?


Gorki

May, ao volante, tomou o rumo do Teatro Villa-Lobos. Durante o percurso, explicou-me que Máximo Gorki teve uma vida miserável, trabalhando como lavador de pratos, pescador, vendedor de frutas, muitas vezes sobrevivendo até como vagabundo. Chegou a tentar o suicídio, o desespero de quem se sente perdido, no meio de uma gente corrupta e miserável. Ele se consagrou, porém, ao escrever os Pequenos Burgueses, pois a decadência dos Bessemenovs, com todas as suas contradições, era uma amostra do que acontecia na Rússia que antecedeu a Revolução Comunista.


Um pai arbitrário, uma filha deprimida, um filho pretensioso e Nill, o trombeta de Deus! Era a classe média assoberbada pelo tédio, numa sociedade em plena e acelerada decomposição. Saí do teatro mais convencido de que era necessário introduzir o viés da cultura na minha trajetória de vida, jogando na lata do lixo aquele modelo idiota em que eu só pensava em integrais, vetores, transformadas de Laplace, eletricidade e mecânica. Com apenas a exceção de ler alguma poesia. E a todo instante lembrei-me de Charles Percy Snow, físico e romancista inglês do século passado, para o qual poucos cientistas leem Charles Dickens ou uma peça de Shakespeare, e poucos artistas conhecem o Segundo Princípio da Termodinâmica; assim, concluía ele, fica muito difícil resolver os problemas do mundo.

- Fica mesmo, pensei.

Não que me considerasse um candidato a cientista, na acepção integral da palavra, mas não podia continuar sendo um analfabeto cultural em plena cidade do Rio de Janeiro. Pois a ignorância humilha e fragiliza - se Rui Barbosa tivesse dito isso, seria o primeiro a aplaudir.

Seja como for, desempregado e dedicado à física como se fosse um colegial, estava namorando uma jovem bonita e cheia de iniciativa. Naquele momento crucial da reconstrução da minha vida, May era para mim um incentivo providencial, a alavanca que Arquimedes pediu, mas não teve, para levantar o mundo.

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