segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

TÉDIO

UM LUGAR AO SOL


Dizia Heráclito de Éfeso que tudo está em permanente fluição, transformando-se a cada instante, tanto que a você não é dado entrar pela segunda vez no mesmo rio. Este já não será o mesmo, nem você.

- Foi o que sucedeu conosco.


Pois é, oito anos são suficientes para qualquer pessoa mudar, do primeiro ao último átomo, inexorável e definitivamente. Com o passar do tempo, Cecília e eu nos tornamos outros, não outros quaisquer e ocasionais, mas outros consumados, consumadíssimos. Nossas conquistas profissionais e materiais aos poucos passaram a não representar mais que uma higiene, a não nos garantir nenhum prazer nem estabilidade: uma higiene que de certo modo até nos desunia. Além disso, os prazeres da cama vão diminuindo lenta e progressivamente, e tenho para mim que não há comunhão de almas e união estável que não sejam garantidas a golpes de paixão e de volúpia. No início, lá atrás, eu queria um filho, mas Cecília me dissuadiu, pois filhos não se compatibilizavam com a dinâmica dos negócios, que sempre se opõem à normalidade da vida familiar. Bastava ver que éramos obrigados a constantes viagens ou a compromissos intermináveis e exaustivos.

De repente, passados os anos, decidiu mudar de ideia, e foi a minha vez de vetar a iniciativa. Ela, uma mulher especialmente inteligente, não se deu conta da irresponsabilidade que seria gerar um filho num casamento que definhava, anódino e desaquecido.

- Devemos continuar pensando com calma sobre esse assunto, Cecília. Vivemos num ritmo muito profissional, que teria de se alterar de forma importante antes de introduzir mais alguém no nosso espaço.

Tédio, quem sabe o tédio não seja exatamente isso?
Não sei, com efeito, das razões objetivas da nossa separação, se é que existiram. Creio que isso é tarefa para psicólogos e psicanalistas, essa gente que entende de alma e sabe como sondar o que temos de profundo e impenetrável. Nos meus insights amadores, concluí prosaicamente que no casamento cada um entra com sua quota de renúncia; são coisas banais, que incomodam, mas seguem toleradas porque o benefício da união é maior que os custos envolvidos. Ceder espaços, conviver com os pequenos defeitos recíprocos, não ter direito à solidão, discutir o que se quer fazer, e também o que não se quer fazer, são miudezas e futilidades que se acumulam ao longo do tempo e paulatinamente vão alterando a equação do casamento. Cecília se aborrecia quando voltávamos antecipadamente de Cabo Frio, na noite de sábado, quando eu tinha um desafio de tênis no domingo de manhã; reclamava das minhas reuniões de trabalho, quase todas as terças, a varar pela madrugada; e do chope, que eu tomava com os amigos nas noites da última quinta-feira de cada mês.

Mas eu também não cedia? Perdi o filme do Ettore Scola para ver Antonio Banderas e, ora pois, a partida final do campeonato para esperar tia Amália no aeroporto, e muitas vezes aturei intermináveis conversas sobre modas e percorri exposições que não me despertavam nenhum interesse. Ah, tive até de suportar um estilista americano, que ficou espantado quando percebeu que o Rio de Janeiro está mais para Nova York do que para Floresta Amazônica.

- Floresta Amazônica?

- Sempre pensei que o Brasil fosse uma ilha no rio Amazonas, infestada de índios e jacarés, mas cheia de cafezais, escolas de samba e mulheres de biquíni.

- Sim...

- Ao sul de Buenos Aires e ao norte de Copacabana.

A isso, tudo acumulado, costumo chamar de fadiga de material, pois não vejo outras razões no contexto da nossa separação. Isso mesmo, na nossa contabilidade conjugal não relaciono nenhum cristal quebrado, nem mágoas ou ressentimentos fundamentais. Rousseau, se me acudisse com alguma de suas autorizadas explicações, talvez atribuísse essa separação improvável à independência financeira dos parceiros, pois só a necessidade consolida e mantém a família; a não-necessidade opõe-se à sua estabilidade, ao tornar o desenlace fácil e operacional. Não descarto, porém, a hipótese de que esteja a malversar o desconcertante Rousseau, cuja obra li, anos atrás, de forma apressada e descomprometida.


Progressão é progressão, e um dia o custo ultrapassa o benefício. Até que ela me veio com aquela história de Montgomery Clift e Shelley Winters, um amor que teve de fenecer para ensejar outro amor, maior e renovado; eu merecia, assim também, encontrar minha Elizabeth Taylor, pois a mim não me faltavam os atributos para um merecido lugar ao sol. Foi assim, civilizadamente assim, que me comunicou que nosso casamento já não lhe interessava. Eu me esquivei de produzir uma ironia, a de lembrar que nessa história do lugar ao sol o personagem de Montgomery Clift terminou sendo arrastado para a cadeira elétrica. Achei, isto sim, que estava sendo protegido pela sorte, pois separar-me era tudo o que então desejava e, pelo que conheço de mim, se minha tivesse sido a iniciativa, mais um remorso teria para administrar.

- Pode ficar com a minha parte.

- Claro que não, Carlinhos.

Ela ficou com a casa no Itanhangá, o único bem material que tínhamos em comum, e me compensou com dinheiro bastante para um apartamento no Leblon. Uma derradeira convivência ainda nos tocou, sem nenhuma animosidade ou irritação. Que nem fariam sentido na nossa história, da qual a separação foi apenas um capítulo necessário. Estranho, porém, foi continuar transitando mais quarenta dias pelos caminhos da casa, pois nenhum cenário permanece neutro, nem impune, em face de um amor exaurido. Até a arte perde o sentido, as cores se esmaecem e, para dizer a verdade, nunca vi a menor graça naquela cortina da sala de visitas, lilás, isso mesmo, lilás, e em momento algum estive de acordo com a moldura que escolheu para o Böcklin que arrematamos no leilão da Bartolomeu Mitre.

Nem mesmo um telefonema ou um protocolar cartão de despedida. Pois um deixou de existir para o outro, aquele estágio na relação de duas pessoas que, para Octavio Paz, poderia chamar-se de nenhumação. No nosso caso, seria mais apropriado falar em nenhumação recíproca, que é a arte de inexistir daqui para lá e de lá para cá...

sábado, 25 de dezembro de 2010

DRUMMOND


Cemitério de Bolso


Do lado esquerdo carrego meus mortos.
Por isso caminho um pouco de banda.


Carlos Drummond de Andrade, 1954

sábado, 18 de dezembro de 2010

CORA CORALINA E CABRAL

ORAÇÃO DO MILHO


Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.
Alimento dos porcos e do triste mu de carga.
O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor, que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho.

Cora Coralina (1889-1985)


A EDUCAÇÃO PELA PEDRA

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;

captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria

ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:

lições de pedra (de fora para dentro,

cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).

No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;

lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.



João Cabral de Melo Neto (1920 - 1999)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

PEQUENOS BURGUESES

A IGNORÂNCIA HUMILHA E FRAGILIZA

Foi do Museu que ela me ligou.

- Quero convidá-lo para ver uma peça.

- Peça, sobre o quê? Quando?

- Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, hoje à noite. Sobre os Bessemenovs, uma família russa em decadência. Nem pense em recusar, pois já adquiri os ingressos.

Nunca fora chegado a ver peças de teatro. Lembrei-me, porém, da Megera Domada, que vira anos atrás, com a Cecília, em San Francisco - uma peça cheia de italianos escrita por Shakespeare.

- Alla nostra casa ben venuto, molto honorato signor mio Petruchio.

Como esquecer, com o filho do Ronald Reagan no palco e o Artur da Távola sentado a nosso lado, dando todas as dicas?


Gorki

May, ao volante, tomou o rumo do Teatro Villa-Lobos. Durante o percurso, explicou-me que Máximo Gorki teve uma vida miserável, trabalhando como lavador de pratos, pescador, vendedor de frutas, muitas vezes sobrevivendo até como vagabundo. Chegou a tentar o suicídio, o desespero de quem se sente perdido, no meio de uma gente corrupta e miserável. Ele se consagrou, porém, ao escrever os Pequenos Burgueses, pois a decadência dos Bessemenovs, com todas as suas contradições, era uma amostra do que acontecia na Rússia que antecedeu a Revolução Comunista.


Um pai arbitrário, uma filha deprimida, um filho pretensioso e Nill, o trombeta de Deus! Era a classe média assoberbada pelo tédio, numa sociedade em plena e acelerada decomposição. Saí do teatro mais convencido de que era necessário introduzir o viés da cultura na minha trajetória de vida, jogando na lata do lixo aquele modelo idiota em que eu só pensava em integrais, vetores, transformadas de Laplace, eletricidade e mecânica. Com apenas a exceção de ler alguma poesia. E a todo instante lembrei-me de Charles Percy Snow, físico e romancista inglês do século passado, para o qual poucos cientistas leem Charles Dickens ou uma peça de Shakespeare, e poucos artistas conhecem o Segundo Princípio da Termodinâmica; assim, concluía ele, fica muito difícil resolver os problemas do mundo.

- Fica mesmo, pensei.

Não que me considerasse um candidato a cientista, na acepção integral da palavra, mas não podia continuar sendo um analfabeto cultural em plena cidade do Rio de Janeiro. Pois a ignorância humilha e fragiliza - se Rui Barbosa tivesse dito isso, seria o primeiro a aplaudir.

Seja como for, desempregado e dedicado à física como se fosse um colegial, estava namorando uma jovem bonita e cheia de iniciativa. Naquele momento crucial da reconstrução da minha vida, May era para mim um incentivo providencial, a alavanca que Arquimedes pediu, mas não teve, para levantar o mundo.

sábado, 11 de dezembro de 2010

UMA EGIPTÓLOGA NO MEU CAMINHO

FILHA DOS TIOS

Durante anos, desde Cecília, olhara outras mulheres com olhos neutros e desinteressados. Era agora um descasado, inseguro e desempregado, a procura de um destino. Resolvi deixar o tempo correr, sem nada procurar ou forçar relativamente às mulheres, pagando o preço de ficar sozinho. Meu objetivo imediato era habilitar-me para uma nova profissão. Mas o acaso trabalhou depressa, e conheci May, numa livraria do Leblon, algumas semanas depois do dia em que me inscrevi como candidato ao doutorado. Nossa conversa prolongou-se para além da livraria, e nos pusemos a passear pela Visconde de Albuquerque.

Ela era egiptóloga, eu que nem desconfiava da existência dessa atividade.

- E você, Carlinhos, qual a sua profissão?

- Engenheiro malsucedido, pois abandonei o ofício e decidi fazer um doutorado de física. Para isso, devo ser aprovado numa aula que darei daqui a alguns meses. Engenharia é uma profissão corriqueira e até meio óbvia. Mas egiptóloga, que faz exatamente uma egiptóloga?

- Bem, atualmente estou envolvida num projeto internacional relacionado com o faraó Tutancâmon, do século XIV a. C., coordenado pelo Museu de Ciência de Londres. Sua tumba, descoberta em 1922, em Tebas, no Vale dos Reis, continha uma quantidade extraordinária de joias e é considerada um dos maiores tesouros arqueológicos de todos os tempos.

- Museu de Ciência, lá em Londres?


Perguntei o que ela já me informara, nada menos edificante. Fazer o quê, dizer o quê? Eu era um analfabeto cultural. Tinha até me esquecido que existiu alguém chamado Tutancâmon, e essa palavra não escutava havia bem uns quinze anos. E, se me lembro, o que o meu professor de História dizia era "Tutancamon", e não Tutancâmon.


- Estamos reconstituindo a verdadeira face de Tutancâmon, que não tinha os lábios grossos e o rosto triangular sugerido pela máscara mortuária que lhe é atribuída, essa que se encontra reproduzida nos livros de História. Na verdade seus lábios eram finos, dentro de um rosto largo, que, além do mais, caracterizava-se por sobrancelhas grossas e olhos pequenos.


- A reconstituição facial de uma pessoa que morreu há tanto tempo há de ser muito complicada, observei, fazendo força para não ficar calado.

- Morreu há trinta e quatro séculos. Posso dizer que envolve radiografias da múmia, técnicas de raios X, processos e efeitos especiais, técnicas forenses digitais e softwares capazes de compatibilizar a face que se quer reconstituir com os ossos do crânio encontrados no sarcófago. A University College of London vai exibir esta semana um molde da face, criado por escultores especializados.

A face reconstituída de Tutankâmon

- Muito interessante.

- Suspeita-se que tenha recebido um violento golpe na cervical enquanto dormia. O suposto assassino foi seu primeiro-ministro, que se casou com a viúva, veja só, quase a história do Hamlet, de Shakespeare. A ferida não lhe causou a morte de imediato, e sua agonia se prolongou durante dois meses de terrível sofrimento.

- Onde você entra, nessa história, como egiptóloga?

Joias encontradas no túmulo de Tutankâmon

- Tudo que faço é colaborar com informações históricas, pois não sou habilitada nessas técnicas de reconstituição facial. Por exemplo, houve certa vez uma discussão sobre a idade com que morreu Tutancâmon, e fui chamada a dar a minha opinião.

- Com que idade ele morreu?

- Para mim morreu quando tinha dezoito anos, mas esse não é um ponto completamente decidido. Subiu ao trono com nove anos, sendo conhecido como o faraó-menino.

- Os egípicios eram precoces...

- De fato. Cleópatra, por exemplo, chegou ao poder com apenas dezoito anos. Isso cerca de mil e quatrocentos anos depois.

- Só sei que Cleópatra gostava de seduzir imperadores romanos, como César e Marco Antônio. Mais não sei dizer, nem vi aqueles filmes apoteóticos...

- Cleópatra foi muito mais do que uma colecionadora de maridos ou uma mulher sedutora num filme do Cecil B. De Mile. Para além de se destacar pela beleza, falava vários idiomas e patrocinava as artes e as ciências. Lembre-se de que governava o Egito a partir de Alexandria, capital cultural da Antiguidade... Ela era filha de tios, veja você.

- Filha de tios? Pode isso?

- Cleópatra era filha de Ptolomeu Aulete e Cleópatra Trifena, que eram irmãos. Logo, Ptolomeu Aulete era pai de Cleópatra, mas seu tio, por parte de mãe; Cleópatra Trifena era sua mãe, mas também tia, por parte de pai. Filha dos tios, portanto.

- Assim não vale!

- Vale, sim, pois ela própria se casou com dois de seus irmãos mais jovens. Um de cada vez, bem entendido.

- Uma promiscuidade familiar.


- E real.


Catherine Zeta-Jones, uma bela Cleópatra

Uma mulher bonita e esclarecida, egiptóloga, veja só! E eu, idiota que sou, pagava o preço de não poder contribuir para o assunto e concorrendo decisivamente para a banalização dos diálogos: “muito interessante”, “os egípcios eram precoces” e “com que idade ele morreu?” Um vexame total e absoluto! O homem moderno distingue-se pelo nível e excelência das suas informações - positivamente não era esse o meu caso. Precisava estudar mais, porque aquela coisa de só saber física e ler apenas poesia inferiorizava e dificultava minha vida como pessoa. Enunciar o teorema das forças vivas e recitar Pásargada ou Confidências de um Itabirano, mais que isso eu não sabia. Que deveria fazer? O único caminho era padecer sobre os livros de filosofia, arte, música, história, em vez de ficar flanando, prevaricando ou malbaratando por aí meu escasso tempo de lazer.

- Seja como for, já tinha uma namorada...


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

MUITO ANTES DE COPÉRNICO

ARISTARCO DE SAMOS

Filolau concebera, no Século V a.C., um sistema cosmológico em que a Terra não era imóvel, nem o centro do mundo, e estaria a "dançar" pelo cosmos, tanto quanto a esfera das fixas e os sete "planetas" (então incluídos o Sol e a Lua), ao redor de um fogo central (que chamou de Héstia).

Para Filolaus, tudo girava em torno de Héstia

Depois, um professor da Academia de Platão, Heraclides do Ponto (390 - 322 a.C) apresentou a concepção de um sistema misto, em que Mercúrio e Vênus estariam a girar em torno do Sol, o qual, por seu turno, giraria em torno da Terra, assim como a Lua, Marte, Júpiter e Saturno.
Para Heraclides, além disso, a Terra não estaria parada, pois submetida a um movimento de rotação, girando em torno do seu centro.

Concepção de Heraclides do Ponto

Heraclides foi tido como louco e ganhou o apelido de "Paradoxlog" (qualquer coisa como "forjador de Paradoxos").
Embora equivocadas, as concepções de Filolau e de Heraclides estavam mais próximas da realidade que a de Aristóteles, que veio depois e acabou prevalecendo.
As ideias de Aristóteles sobre o mundo, que na verdade sistematizavam e complementavam as concepções que se estenderam de Pitágoras a Platão, foram aceitas e predominaram por muitos séculos, até o advento do modelo de Copérnico. Conquanto Aristóteles tivesse geralmente espírito de cientista, sua ideia do Universo tinha mais de imaginação do que de observação e de experimentação.

Depois de Aristóteles


Aristarco

É verdade que, depois de Aristóteles, um habitante de Alexandria, Aristarco de Samos (310 a. C. - 230 a. C.), iria conceber um mundo segundo uma teoria heliocêntrica total (muito mais completa que a de Heraclides do Ponto). Aristarco chegou ao seu modelo porque se dedicou a calcular distâncias, como as que nos separam da Lua e do Sol, utilizando o método da paralaxe, uma de suas criações. Aristarco também acertou quando afirmou que a Terra gira em torno do seu eixo, fazendo uma volta completa em 24 horas. Seu modelo de Universo recebeu o seguinte comentário de Arquimedes:

- Vejam só... Aristarco faz a hipótese de que as estrelas fixas e o Sol permanecem imóveis; e de que a Terra se move em torno do Sol, descrevendo a circunferência de um círculo.



Aristarco era um filósofo respeitado, mas suas ideias cosmológicas tiveram forte oposição, incluindo-se entre seus detratores o próprio Arquimedes. Tanto que o estoico Cleanto de Assos (331 - 232 a.C) quis abrir contra ele um processo de heresia, numa antecipação do episódio que se repetiria quando o Santo Ofício moveu um processo contra Galileu, no século XVII.
Infelizmente, o modelo de Aristarco foi completamente esquecido, embora estivesse muito próximo do de Nicolau Copérnico, este apresentado quase vinte séculos depois e hoje consagrado como o modelo correto do nosso sistema planetário.

Razões da recusa a Aristarco

Os livros costumam buscar as razões por que os gregos rejeitaram as concepções de Aristarco, que estavam muito mais próximas da verdade do que as de Aristóteles. Algumas delas são apresentadas a seguir:

(a) A ideia de um mundo centrado no Sol parece ridícula, para quem percebe o Sol nascendo e morrendo a cada 24 horas. O Universo com o Sol no centro contrariava decididamente o bom senso. Para Einstein, entretanto, é sempre bom investigar completamente a verdade subjacente, pois muitas vezes o bom senso é "um conjunto de preconceitos adquiridos antes dos 18 anos".

(b) Os gregos admitiam que, se a Terra se movesse, sentiríamos o solo a fugir dos nossos pés, tanto quanto perceberíamos o vento provocado pelo seu deslocamento. Uma pedra lançada verticalmente para cima, no nosso quintal, não cairia no mesmo ponto, mas no quintal do vizinho. Essa ideia equivocada decorria do desconhecimento da física do movimento, mais exatamente do princípio da inércia de Galileu, pelo qual tudo na Terra acompanha o movimento desta. Quando lançada verticalmente para cima, a pedra persevera em seu movimento anterior, incorporando em sua trajetória o movimento da Terra (e em relação a esta cai exatamente no mesmo lugar de onde foi atirada). Pois, no seu movimento para cima e para baixo, continua acompanhando lateralmente o movimento da Terra, assim como o ponto de onde foi lançada.

Galileu

(c) Aristóteles supunha que a Terra estava no centro do mundo por causa do seu peso. Todos os corpos têm seu lugar natural, afirmava, e o lugar natural dos corpos pesados é um ponto abstrato, que chamou de "centro da Terra".

(d) Pensavam os gregos que, se a Terra se movesse, deveria haver mudanças nas posições das estrelas, alterando-se umas em relação às outras, o que não parecia ocorrer. Sabe-se hoje, ao contrário, que essas mudanças ocorrem realmente, configurando a chamada paralaxe estelar, o que não se percebe por causa das fantásticas distâncias que nos separam das estrelas.

Seja como for, ao abandonar Aristarco, a ciência teria de esperar vinte séculos por Nicolau Copérnico.