quarta-feira, 28 de abril de 2010

EFEITO BORBOLETA

SISTEMAS NÃO LINEARES


Edward Lorentz, um professor do Massachusetts Institute of Technology, o MIT, havia desenvolvido um conjunto de equações matemáticas para estudar a circulação atmosférica. Seu modelo foi construído de maneira que o computador calculava os valores das variáveis atmosféricas de um ponto no tempo, que serviam como dados de entrada para o cálculo dos valores do ponto seguinte; desse modo Lorentz obteve uma longa sequência de resultados, que o computador foi imprimindo ponto a ponto, até que um defeito da máquina interrompeu o processo.
Assim eram os computadores, ainda rudimentares, no distante ano de 1960.
Sanado o problema do computador, Lorentz decidiu não reiniciar os cálculos do ponto zero, mas de um ponto intermediário, adotando para o mesmo os valores anteriormente calculados pelo computador. Observou, com surpresa, que na nova computação os valores obtidos para os pontos subsequentes foram se afastando progressivamente dos pontos, correspondentes, encontrados no cálculo anterior, até que, afinal, tornaram-se absolutamente discrepantes.

O azul difere do preto por causa do bater de asas inicial da borboleta (= 0,000127)

- Como isso pôde ocorrer, se as equações eram as mesmas e os valores para iniciar a nova sequência haviam sido calculados pelo próprio computador?
Após investigar a questão exaustivamente, Lorentz descobriu que o computador imprimia seus valores com três casas decimais (0,506 era o valor impresso de uma das variáveis ao início da segunda sequência), mas na hora de calcular operava com seis algarismos após a vírgula (0,506127, no caso em questão). Havia uma diferença invisível, de 0,000127, entre os valores dos pontos iniciais das duas sequências que estavam sendo comparadas - no caso, uma diferença de 0,025%, que todos consideravam desprezável, até o computador.

- Mas a diferença aparentemente insignificante era significante demais!

- Como assim?

-
Lorentz descobriu que as condições iniciais nos fenômenos complexos, como os meteorológicos, podem ter influências importantes nos resultados, para além, muito além, do que podemos imaginar à primeira vista.

Pois os sistemas não lineares têm a capacidade de ampliar superlativamente todos os desvios, impondo resultados erráticos, que parecem se subordinar ao acaso ou aos desígnios do caos e de seus estranhos atratores.

- Um sopro, por mais débil e insignificante, ao cabo de certo tempo pode ter um efeito devastador.

Edward Lorentz
Exemplo

Calculemos, por exemplo, o número que se obtém elevando 14,251 à oitava potência; a seguir, repitamos o cálculo arredondando o número, a ser elevado a essa potência, de 14,251 para 14,250. Um insignificante desvio de 0,001 ou 0,1%. Será mesmo insignificante?

14,251 elevado à oitava potência = 1.701.228.778

14,250 elevado à oitava potência =1.700.274.004

A diferença entre os dois resultados é de 954.774, número equivalente a quase um bilhão de vezes o desvio inicial, de 0,001.

Conclusão

Nem sempre 14,251 é mais ou menos a mesma coisa que 14,250, p
elo menos se forem números a serem usados em cálculos exponenciais, como foi o caso do exemplo.

Lorentz escreveu um artigo sobre essa questão, que se tornou célebre, com o seguinte título:

“Previsibilidade: o bater de asas de uma borboleta no Brasil provoca um tornado no Texas?”

Por causa desse artigo, a influência das condições iniciais nos fenômenos não lineares passou a ser conhecido como Efeito Borboleta. Em geral, o que acontece é construído passo a passo, e de forma não linear, de modo que uma pequena alteração nas condições iniciais de um fenômeno pode implicar uma mudança importante no resultado final.

Does the flap of a butterfly's wings in Brazil...

... set off a tornado in Texas?

As ideias de Lorentz se alinham com as do francês Henri Poincaré, que em 1900 deu início à teoria do caos, reconhecendo, desde então, que a maioria dos fenômenos se interrelaciona mediante equações não lineares, o que torna maior a incerteza do homem perante o Universo. O caos está presente extensivamente, seja na meteorologia, nas flutuações dos preços nas bolsas de valores, nas correntezas dos rios ou no crescimento das populações animais. Pois em quase tudo há realimentação interna, interação constante e toda sorte de perturbações não lineares.

- I am everywhere...

sábado, 24 de abril de 2010

CAVALLERIA RUSTICANA

LAURA

Sou agora um orgulhoso estudante de Física. Não pretendo ser nenhum Galileu ou Newton, mas hei de honrar o padrão que tenho perseguido durante toda a vida. Quando estudante, quis ser um bom estudante; quando namorado, um bom namorado; com os amigos, um bom amigo; e assim por diante, bom vizinho, bom cidadão, bom eleitor. Não seria diferente como físico, ou melhor, como professor de Física.

- Quero ser um bom professor de Física.

Laura

Tenho para mim que a comunhão do professor com os alunos só se completa quando sua aula desmoraliza todas as dúvidas. Não serei um despejador de fórmulas, pois, ao ensinar, é preciso saber a história, a geografia e, se for o caso, até a mitologia de cada assunto, sobrepujando-o e prevalecendo sobre ele.

Uma agradável recepção

Não poderia imaginar que Laura seria a pessoa a me receber no Departamento de Física. Eu a vira uma única vez, um ano atrás, numa festa de intelectuais, a que eu comparecera por acaso e quase na condição de intruso. Ela vivia suas últimas semanas como estudante, pois já obtivera todos os créditos das matérias teóricas e apenas aguardava o momento de defender sua tese. Percorremos os laboratórios, a biblioteca, a sala dos computadores, o auditório, o salão nobre e o restaurante. Sempre deveria haver alguém assim, gentil assim, no nosso dia inaugural.

Galileu

- Sua tese é sobre o quê?, foi tudo que me ocorreu perguntar-lhe.

- Relatividade especial.

- Você escolheu um assunto fascinante, Laura.

- Sem dúvida, uma inflexão na história do pensamento científico.

- Gosto muito daquela experiência do Einstein, supondo-se à velocidade da luz, com um espelho na mão...

- Uma experiência mental,
Gedanken.

- Gedanken.

- Se ele visse sua imagem no espelho, teríamos de reformular as leis da mecânica clássica, de Newton. Se não visse, seria necessário abandonar o princípio da relatividade, de Galileu.

-
Uma escolha crucial, entre a imagem, de Galileu, e a não-imagem, de Newton...

- Mas ele veria a imagem, pois a luz se desloca à velocidade de 300 mil quilômetros por segundo em relação a todos os observadores, estejam estes parados ou em movimento.

- Venceu Galileu, pelo menos dessa vez.

- Venceu, sim. Nenhuma velocidade se soma ou se subtrai à velocidade da luz no vácuo, que é absoluta, independentemente de todos os referenciais. A imagem estará lá, no espelho do Einstein, mostrando-lhe a cabeleira desgrenhada.

- Em compensação, espaço e tempo deixaram de ser absolutos e independentes.


Bem, no quesito da Física, tínhamos um diálogo mais ou menos equilibrado. Aos poucos eu iria perceber que, além de quase doutora em Física, Laura era uma intelectual, realmente. Ela não se enquadrava no figurino geral de Charles Percy Snow, segundo o qual normalmente um artista não conhece os princípios da Termodinâmica e um cientista pouco sabe sobre Shakespeare. Pois Laura sabia muito de literatura e de música e conhecia Termodinâmica muito bem, tanto quanto os outros assuntos da Física.
Seja como for, fomos ficando muito próximos. Tanto que uma semana depois ela me convidou para ver uma ópera, Cavalleria Rusticana, no Teatro Municipal. Dou muita sorte com mulheres inteligentes, que conhecem os caminhos e gostam de apontá-los aos principiantes e recém-chegados.

- Como?

- Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni. Convém você aproveitar esse início de curso mais folgado para ver todos os espetáculos a seu alcance, pois a coisa por aqui deve apertar muito.


Turiddu

Santuzza

Alfio

Lola

Foi desse modo, acompanhando o drama de Turiddu, Santuzza, Alfio e Lola, que começou nosso namoro. Tudo muito triste no palco, e eu, ali, segurando a mão da Laura, para não chorar.

Sorte

Laura teria de renovar o aluguel do seu apartamento por apenas dois meses, o que não foi aceito pelo senhorio. Por isso atendeu à sugestão que em boa hora lhe fiz e veio para o meu apartamento com todos os seus discos e duas centenas de livros. Discutindo com ela sobre a teoria da relatividade, um assunto que suscitei com frequência, lembrava-me de Einstein e Mileva Maric, ambos estudantes de Física na Escola Politécnica de Zurique. Ele, um alemão de Ulm, e ela, uma sérvia de Bacska, irmanados no amor pela Física.

Mileva e Einstein

Bem... Diferentemente de Einstein, não tenho nenhuma propensão para ser gênio; e, diferentemente de Mileva, retratada pelos biógrafos como sendo uma mulher sem atrativos, desajeitada e com um defeito nos quadris, Laura é uma encantadora figura de mulher, para além de ser alegre, culta e generosa.


- Mais uma vez eu tinha sido contemplado pela sorte.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A SÉRIE DE FIBONACCI

O FILHO DE BONACIO

Leonardo Pisano

Leonardo Pisano (1170-1250), natural de Pisa, era conhecido como Fibonacci, talvez uma contração de “filho de Bonacio". Na cidade de Bugia (atual
Bejaia), na Argélia, onde seu pai serviu como cônsul, um matemático árabe mostrou a Fibonacci todas as possibilidades do sistema de numeração indo-arábico; entusiasmado com tais maravilhas e novidades, Fibonacci decidiu aprender o que os árabes haviam desenvolvido a respeito, o que o levou a visitar os matemáticos árabes das costas do Mediterrâneo e visitado o Egito, a Síria, a Grécia e a Sicília.

Livro dos ábacos
Uma página do "Liber Abaci"

Fibonacci, que era muito bom matemático, reuniu tudo que aprendeu com os árabes em um dos livros mais exitosos de todos os tempos, publicado na Itália em 1202, o Liber Abaci (Livro dos Ábacos), cujas primeiras palavras entraram para a história da Matemática:

"Eis os nove símbolos hindus: 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2 e 1. Com eles, mais o símbolo do zero, que em árabe é chamado de zéfiro, qualquer número pode ser escrito."


Exercícios abundantes incluídos no livro mostravam como os algarismos arábicos podiam substituir com vantagem as letras dos sistemas hebraico, grego e romano; como se podia fazer cálculo com números inteiros e fracionários, extrair raízes quadradas e cúbicas, correlacionar quantidades por meio das regras de três, calcular lucros e juros, fazer câmbio de moedas e conversão das grandezas conforme as unidades de sua medição.

Aplausos

Na sua época Fibonacci tornou-se famoso e chegou a ser um protegido do imperador Frederico II, brilhando e sendo aplaudido nas reuniões em que resolvia problemas aritméticos e equações propostas por matemáticos especialmente convidados. Atualmente Fibonacci é mais conhecido por haver apresentado no Liber Abaci uma série com a qual pretendia prever o número de coelhos gerados mensalmente a partir de um único casal de coelhos, supondo que os casais amadurecem sexualmente (e reproduzem-se) apenas após o segundo mês de vida.


Afirmava ele que seriam, respectivamente, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377, 610, 987 pares de coelhos etc, no fim dos meses sucessivos. Essa sequência ficou conhecida como série de Fibonacci: o primeiro número da série é 1; o segundo, também 1; a partir daí cada número é igual à soma dos dois números anteriores.
Muitas pessoas acreditam que a série de Fibonacci rege as leis que entram em jogo nas reverberações da luz nos espelhos, bem como as leis rítmicas do aumento e da perda na radiação de energia; ela também se liga a certos eventos da natureza, como o número de pétalas das flores, as formas de galáxias e nuvens e à formação dos quadrados que servem à construção das espirais equiangulares.

Segmento áureo
O quociente de um número da série por seu antecessor converge para 1,618, e essa razão define o chamado segmento áureo, com as suas conhecidas implicações estéticas, seja nos padrões de flores, nas razões entre partes do corpo humano ou nos ramos de palmeiras, seja nas concepções arquitetônicas, como nos edifícios do Paternon e da ONU, e até mesmo no comprimento dos braços de uma cruz.

sábado, 17 de abril de 2010

LIÇÕES DE SABEDORIA

UMA VAGA LEMBRANÇA


Numa cidadezinha distante, nas bandas mineiras de antanho, havia um alfaiate, o Zé, que gostava de comentar sobre religião, ciência e filosofia. Muitos frequentavam a alfaiataria só para ouvir suas dissertações bem-humoradas e eruditas. Não sei explicar como adquiriu tanta cultura, num ambiente em que os temas raramente ultrapassavam o futebol e os concursos de beleza. Alguns diziam, com malícia, que passava as noites acordado, estudando o que iria comentar de dia. Pode ser, mas o Zé era muito bom no improviso, fazendo digressões sobre questões pontuais e inesperadas, que sempre surgiam no meio de uma conversa qualquer.
Tema complicado, se ciência ou filosofia, era exatamente com ele. Mito da caverna e mito da linha dividida, que chamava de "as alegorias de Platão", evolução das espécies e seleção das variações vantajosas, o espaço-tempo de Einstein, a importância do Código de Napoleão, Avicena, Isaac Newton Faz-Tudo... Ah, a universalidade de Voltaire, cujo nome o Zé só mencionava por extenso, François Marie Arouet de Voltaire, a seu juízo o mais brilhante e divertido conversador de todos os tempos e o mais prolífico de todos os escritores, com uma impressionante obra de trinta mil páginas. Trinta mil páginas!

- E Voltaire ainda tinha tempo para conversar!

François Marie Arouet de Voltaire

Jamais me esquecerei das histórias engraçadas sobre personagens históricas, que ele contava sacudindo a tesoura ou enfiando a linha na agulha, como a do pretensioso Empédocles de Agrigento (“tudo é formado de água, ar, terra e fogo”), que, para provar sua imortalidade, atirou-se do Etna, desaparecendo cratera adentro; ou a do irritado Heráclito de Eféso (“a natureza ama esconder-se”), que só se alimentava de ervas e um dia enterrou-se no esterco, até o pescoço, para curar-se de uma hidropsia. Esclarecia o Zé, com toda a autoridade, que a hidropsia é a retenção patológica de água na cavidade abdominal. Ali Heráclito permaneceu resignadamente até a morte, “pois os médicos são ignorantes e não conseguem promover uma seca após uma inundação”.

- Morreu na merda, arrematava divertidamente o Zé.

Etna

- E a história de Hipassus?

- Hipassus cometeu o crime de divulgar a existência dos números irracionais, um segredo pitagórico, e foi atirado ao mar pelos seus colegas da Escola de Pitágoras. Numa outra versão, mais amena, Hipassus foi apenas expulso da comunidade, mas Pitágoras fez erigir um sepulcro com o seu nome.


Lembro-me também da insistência do Zé sobre a importância de ser assertivo.


- O bobo passa por sábio , se falar pouco, mas com estilo e assertividade. Com assertividade, não importa o assunto. Não importa mesmo!


Seus exemplos prediletos de assertividade estavam na história e na literatura:

Lamentando: Que fatalidade, meu pai!

Hesitando: Ser ou não ser, eis a questão.

Fulgurando: O estado sou eu.

Deduzindo: Penso, logo existo.

Triunfando: Vim, vi e venci.

Morrendo: Quero morrer no meu posto!

Seduzindo: Do alto destas pirâmides quarenta séculos vos contemplam.
Liderando: Sigam-me os que forem brasileiros!

Negociando: Meu reino por um cavalo!
Metamoforizando: Deus me deu sangue de Otelo para ter ciúme da minha pátria.



O Zé, perdido no interior do Brasil, reunia plateias sem saber cantar nem jogar futebol, contava histórias sobre a inteligência humana e sabia mostrar o lado fascinante da cultura. Houve por aí Zé da Zilda, Zé de Anchieta, Zé Alencar e Zé de Alencar, Zé Kéti, Zequinha e Zé de Abreu, Zé do Patrocínio, Superzé Maria, Zé Bonifácio de Andrada e Silva, Zé Boquinha, Zequinha Sarney, Zé de Arimateia, Zé Bové, Zeca Pagodinho e Zeca Camargo, Zé de Habsburgo, Paulo José, São José, Maria José e inúmeros outros Zés, qualificados e bem-sucedidos.


- Do alfaiate, que era só e exclusivamente Zé, ficou apenas uma vaga lembrança...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

ASCENSO FERREIRA

(1) Filosofia

Hora de comer - comer!
Hora de dormir - dormir!
Hora de vadiar - vadiar!


Hora de trabalhar?
- Pernas pro ar, que ninguém é de ferro!


(2) Predestinação
- Deus te ouça...
- Entra pra dentro, Chiquinha!
- Entra pra dentro, Chiquinha!
No caminho que você vai.
você acaba prostituta!

E ela:

- Deus te ouça, minha mãe...
Deus te ouça...


(3) Sucessão de São
Pedro


- Seu Vigário!
Está aqui esta galinha gorda
que eu trouxe pro mártir São Sebastião!

- Está falando com ele!

- Está falando com ele!



(4) O Gênio da Raça

Eu vi o Gênio da Raça!!!

(Aposto que vocês estão pensando que eu vou falar de Rui Barbosa.)
Qual! O Gênio da Raça que eu vi
foi aquela mulatinha chocolate
fazendo o passo do siricongado
na terça-feira de carnaval!


Ascenso Ferreira (1895 - 1965), em "Catimbó e Outros Poemas"

sábado, 10 de abril de 2010

ÓPERAS

TÂNTALO E LA BOHÈME

Meu prestígio aumentou, na companhia, quando descobrimos tântalo, um metal de elevado ponto de fusão, que se usa na fabricação de capacitores eletrolíticos, instrumentos cirúrgicos e circuitos elétricos miniaturizados. Tântalo abundante, numa região do Amazonas, que a diretoria decidira abandonar e só foi pesquisada por causa da minha insistência e obstinação.

Capacitor de tântalo

Recebi uma recompensa, boa para os meus padrões, que usei para fazer uma surpresa para Sílvia, que é
a estrela lá de casa. Conheci-a no Teatro Colón, em Buenos Aires, quando por acaso decidi ver Simon Bocanegra, de Verdi, aliás, a primeira ópera a que assisti. Só depois de casado fiquei sabendo que tinha sido a melhor aluna da universidade, cujos professores souberam premiar seu desempenho com troféus e diplomas variados. Não é por outra razão que faz tanto sucesso nas suas múltiplas atividades profissionais, que exigem cultura e elevado preparo intelectual. Um êxito que me estimula e, exatamente por isso, todo o meu lazer é voltado para a cultura. Tenho de ler muito, e diariamente, para ficar à altura dela. Pois entendo que seria um decidido paradoxo se me orgulhasse dela e, em contrapartida, ela tivesse vergonha de mim. Foi por isso que li, nesses cinco anos, algumas dezenas de livros. Tomei gosto, é verdade. Mas é de ópera que me tornei aficionado maior, sempre incentivado por ela. Gosto de ver a conjugação de música, poesia e às vezes dança, em espetáculos de tanta beleza e encantamento.

George Bernard Shaw

Certa vez Bertram me visitou no exato momento em que assistíamos à Traviata.

- Para Bernard Shaw, comentou com ironia, a ópera pode ser definida como uma tragédia musicada, em que invariavelmente um jovem tenor e uma bela soprano se amam desesperadamente, mas são obstados por um barítono feio e malvado.

- E você, o que acha?

- Acho que o irlandês acertou na mosca, pois é o que acontece na Tosca, Otelo, Baile de Máscara, Trovador, Cavalleria Rusticana, e por aí vai...


Nada respondi, por economia de palavras, e até reconheço que os pensamentos de Bernard Shaw são inteligentes e espirituosos. Mas sei que não é necessariamente assim, pois há óperas que passam ao largo da tragédia, como Fallstaff, Cenerentola, Elixir do Amor, Filha do Regimento, Barbeiro de Sevilha, Fidélio, Bodas de Fígaro, Così Fan Tutte, Flauta Mágica, Eugene Onegin, Cavaleiro da Rosa, Príncipe Igor e dezenas de outras.


Ramon Vargas e Angela Gheorghiu

Recebi a recompensa, aquela do tântalo, no exato dia em que Sílvia me comunicou que iria tirar duas semanas para descansar, afastando-se do trabalho. Decidi fazer o mesmo. Providenciei em segredo a aquisição de duas passagens para Nova York e a de dois ingressos para assistir à opera La Bohème, de Puccini, no Metropolitan, com Angela Gheorghiu, Ainhoa Arteta, Ramon Vargas, Ludovic Tezier e Quinn Kelsey. Ela adorou a surpresa. Nossa alegria foi dupla, pois completamos cinco anos de casados exatamente no dia em que fomos ao Metropolitan. Houve, pois, um Simon Bocanegra no dia em que nos conhecemos e uma La Bohème, de pura celebração, cinco anos depois.