Uma primavera universitária
Era a nossa primeira aula na Universidade do Texas. O professor Burford, comentando o teste de suficiência, revelou que dois alunos haviam se confundido na interpretação da terceira questão. Pelo mesmo e prosaico motivo: dificuldades com o idioma inglês. Ambos brasileiros, ambos recém-chegados a Austin, esta cidade generosa que acolhe tantos estudantes estrangeiros.
- Um deles é este aqui, disse Burford, apoiando a mão sobre meu ombro, e ele se chama Carlos Auvergne de Carvalho. The quick brown fox jumps over the lazy dog e, não obstante, o senhor não soube o que eu quis dizer com "dummy variable". Veja só!
Um vexame que nem cheguei a padecer, pois o professor, deslocando-se para o outro lado da sala, apontou para a bela jovem de saia negra e casaco cinza. Foi naquele momento que a vi pela primeira vez.
- Cecília, Cecília Lafayette de Castro.
O aplauso de toda a turma era uma demonstração de solidariedade, que ela agradecia cheia de modéstia, mas com sorriso cativante. Um tributo à sua extraordinária beleza, pois, se assim não fosse, teriam me aplaudido também, por que não?
Importante é que eu já não estava só naquele mundo estrangeiro, cujo sotaque eu decifrava com dificuldade e ouvido incompetente. No Union's, o restaurante do campus universitário, ela me explicou que era arquiteta por formação, mas tinha a ambição de ser estilista.
- The quick brown fox jumps over the lazy dog, o que é isso?
- A ligeira raposa marrom pula sobre o cão preguiçoso. É uma frase que contém todas as letras do alfabeto inglês, usadas nos testes relacionados com as máquinas de telégrafo. Essa frase faz parte do show do Burford, que viu em nós, estrangeiros, o pretexto para dizer que o inglês se espalha galhardamente por aí, em todas as bibliotecas do mundo, usando não mais que escassas 26 letras. Daí a estranheza com alunos graduados que não sabem o que é dummy variable. Já pensou na tragédia que será alguém morrer sem saber o significado de dummy variable?
- Ou seja, isso de não saber inglês é pura negligência... Devemos reconhecer, todavia, que ele foi atencioso conosco, pois, seja como for, fomos apresentados à turma.
- Sem dúvida... Mas, voltando à raposa, será que ele sabe português? São apenas 23 letras, se não estou enganada.
- Apenas 23, sim, mas suficientes para escrever os Lusíadas.
- E as crônicas do Rubem Braga...
- Mudando de assunto, Cecília, por que uma estilista tem de estudar estatística?
- Porque trabalha com moda.
- Um trocadilho?
- Onde você acha que os estatísticos foram buscar sua noção de moda? A moda, a das roupas, tem tudo a ver com amostragem, média, mediana, momentos, desvio padrão...
- É, basta ter uma distribuição de freqüências.
- E você, por que está aqui, na Universidade do Texas?
- Bem, sou engenheiro recém-formado e cumpro um treinamento de três meses, a serviço da WED.
- WED?
- Sim, W-E-D, Western Energy Development.
Cecília e eu decidimos estudar juntos e, entre histogramas, regressões e números-índices, tive a percepção de que estávamos construindo uma parceria vitoriosa, que iria para além de uma primavera universitária no Texas. Acertei, pois logo estávamos namorando, e morando juntos, perfeitamente integrados um ao outro. Terminado o curso, visitamos Nova Orleans, San Francisco e Nova York, antes de voltar para o Rio de Janeiro.
- Se você quiser, Cecília, podemos duas coisas.
- Acho que podemos mais do que duas coisas, Carlinhos.
- Sim, mas quero me referir a duas delas, muito específicas e fundamentais. A primeira é estabelecer um binômio para nós, lealdade e generosidade.
- Muito justo e pertinente. E a outra?
- É a gente se casar.
Ela topou, que esse era também o seu desejo.
- Mas, quando?
- Agora, que a burocracia virá depois.
quarta-feira, 3 de junho de 2009
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