quarta-feira, 20 de maio de 2009

ELISA E A ETIQUETA

Aprendendo maneiras

- Elisa vai lhe ensinar maneiras e, depois, sobre cepas e investimentos.


- Como assim?, perguntei, assustado.

- Ora, Thales, você participará de inúmeros encontros internacionais, de grave responsabilidade. Por isso, é essencial que saiba o que os outros não sabem. Imagine-se à mesa, no Castelo Sforza, em Milão, com Silvio Berlusconi, Diane Keaton e Sofia Loren, e, por hipótese,....

Sofia Loren
- Eu, exatamente eu?

... a você é dado escolher um vinho para acompanhar o prato sugerido por Sofia Loren:
pato selvagem da região de Trentino, com molho béchamel de Toscana. Como fazê-lo, sem conhecer sobre fenólicos e taninos ou ignorando a diferença entre um varietal italiano e um magnífico bordeaux, mis en bouteille à la propriété?

- Mis en bouteille à la propriété?

- Da mesma forma, você não poderá errar na hora dos talheres.

- Espero acertar.

Diane Keaton

- Depois, no decorrer da desgustação, não lhe cabe ignorar o teorema das forças vivas, a teoria das supercordas, as concepções de Demócrito de Abdera ou, enfim, por que Tony Blair sustentou várias vezes na Câmara dos Lordes que a Inglaterra sempre se sai bem nos processos de benchmarking.

- Benchmarking?


- Sim, uma p
esquisa que permite avaliar um desempenho, comparando-o com um referencial de excelência, chamado de benchmark.

Saber o que é benchmarking, onde já se viu? Hei de arranjar uma maneira de avisar a esse pessoal que nasci em Cascadura, pois com certeza estão cometendo um descomunal erro de pessoa. Morrer, dormir, renascer em Copacabana, quem sabe?


- Aprender tudo isso, eu, euzinho? Você está falando sério?

- Seriíssimo. O homem moderno distingue-se pelo estilo e, principalmente, pelo nível de suas informações.

- Tudo bem, tudo bem.

- Preste muita atenção, para não ser reprovado.

O negócio é seguir em frente. É melhor receber aulas de etiqueta, saber o que é benchmark, e até ser reprovado, do que pedir dinheiro emprestado, contrair malária ou penar na fila dos doentes irreversíveis.


Etiqueta

Ela se chama Elisa e vai me ensinar etiqueta, mais do que isso não sei.

- Os etimologistas afirmam que na época do Absolutismo os burgueses, de pouco refinamento, recebiam na forma de bilhetes (”etiquettes”) acostados aos respectivos convites as regras de comportamento a serem observadas nos eventos da Corte. Essa a origem da palavra “etiqueta”.

- Muito interessante...

- Muito interessante? Fica melhor pensar que etiqueta é uma extensão da ética, uma eticazinha, como norma comportamental de respeito ao outro, dissociando-a das concepções preconceituosas que a relacionam com gestos de submissão, cerimoniais, salamaleques, frases feitas, talheres de prata, uso de luvas, fraques ou cartolas. Ser gentil com caixas de supermercado, não usar telefone celular em ambientes fechados ou ceder a vez a uma senhora na fila é mais importante do ponto de vista social do que segurar corretamente o garfo ou saber como dirigir-se a um garçom. A pessoa precisa saber como recusar um convite, comportar-se perante idosos e portadores de deficiências físicas, corresponder a um favor recebido, organizar uma lista de convidados ou agradecer por um presente de casamento. Não comentar sobre defeitos de outros, não ufanar-se, permitir que as outras pessoas também se manifestem e tomar em consideração opiniões e posições alheias. Não exibir-se, nem mostrar o que não sabe...

- Sempre faço muita força para isso, professora.


- Aprenda a dizer “bom dia”, “por favor” e “muito obrigado”. Se não quer, diga “não”. Se não sabe, diga “não sei”. Se tiver dúvida, peça todos os esclarecimentos. Seja assertivo, impondo-se sempre, mas sem grosseria, que esta nunca rendeu nenhum dividendo em favor de ninguém.

Meus pensamentos enquanto ela falava

- Será que está flertando comigo?

Linda, linda, a Elisa.
Acho que está flertando comigo.
Não, não, não, claro que não.

Não posso dar nenhuma bandeira.
Se dou um fora, ela me reprova, perco tanto o emprego quanto os banquetes com a Sofia Loren, retornando a Cascadura...


Benchmark

Acordei no meio da noite e percebi que Elisa estava deitada a meu lado, seminua.
Linda e pura como uma Desdêmona de Verdi.
Lembro-me de que segurou minha mão carinhosamente.

Elisa
- Thales?

- Sim, Elisa.

- Você está aprovado, pois tem o melhor benchmark...

Um comentário:

cirandeira disse...

Que imaginação requintada, erudita e carinhosa. Um conto sobre "boas maneiras" é algo realmente bem original, principalmente nos dias de hoje!
Obrigada por nos oferecer essa preciosidade...
Um abraço