Confusão
O Acordo Ortográfico parece que vai exigir mais trabalho do que imaginado inicialmente, pois, para dirimir dúvidas quanto ao uso do hífen, teremos de ir frequentemente ao dicionário. Pelo andar da carruagem, nem os especialistas (ortógrafos? lexicógrafos?) parecem estar se entendendo sobre as novas regras, apontando várias lacunas, contradições e inconsistências no texto acordado. Exegetas experimentados nas questões do idioma haverão de decifrar se devemos escrever "jogo treino" ou "jogo-treino", "francoatirador", "franco atirador" ou "franco-atirador", "lava rápido", "lavarrápido" ou "lava-rápido". Em tempo, "mega-sena" ou "megassena", "bem mandado" ou "bem-mandado"?
- Em que as pessoas devem fundamentar-se nessa questão do hífen?
- Na Base XV do Acordo, que tem a seguinte redação:
"Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido. Exemplos: conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva.
Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedismo, etc."
- Não entendi, mas gostei muito do "etc", no final... Acho até que o texto faz confusão entre justaposição e aglutinação, sei lá. Mais que isso, tenho para mim que as expressões "certos compostos" e "em certa medida" devem ajudar muito o entendimento dos que estiverem entendendo o resto. Mas, vem cá,"finca-pé" e "mandachuva" seguem regras diferentes de hifenação? Outra coisa: pela regra não devia ser "justa-posição", em lugar de "justaposição"?
- Para transitar com segurança nessa questão, o usuário do idioma deverá verificar, em cada caso, se está diante de um encadeamento vocabular ou de uma palavra composta. Feita a verificação, saberá grafar corretamente:
"paraquedas", mas "para-choque";
"guarda-chuva", mas "mandachuva";
"Porto Alegre", mas "porto-alegrense".
- É assim, é?
- Distinguir sempre se não se trata de unidade fraseológica constitutiva de lexia nominalizada.
- Caramba!
No restaurante
- Garçom, este bife está malpassado?
- Não senhor, está bem-passado, com hífen.
Na loja de perfumes
- Vocês têm água de cheiro?
- Não, pois não vendemos nada que não seja hifenado. Temos água-de-colônia.
Não e quase
- Usa-se o hífen depois de "não" e "quase", quando atuando como prefixos, como em "equações não lineares" e "quase arquiteto"?
- Não.
- Não, mesmo?
- Bem, quando houver necessidade de ênfase estilística, pode-se usar o hífen nestes e em todos os outros casos nos quais o uso permitir. Entendeu?
- Não, não entendi.
Uma tentativa nos Estados Unidos
Uma reformulação ortográfica implica, no ato mesmo da sua imposição, a maculação irreversível de todas as bibliotecas construídas de acordo com as regras anteriores da língua, com graves consequências econômicas, e só por isso haveria de ser um recurso extremo e de caráter definitivo. Essa a razão pela qual um acordo desse tipo vem sendo recusado, desde muitos séculos, pelos países de língua inglesa e de língua francesa, para citar duas das línguas mais importantes e, não obstante, mais cheias de problemas.
Nem o presidente Theodore Roosevelt, com sua autoridade de intelectual e líder carismático, conseguiu bancar uma reforma desse tipo nos Estados Unidos. Uma comissão chamada de Simplified Spelling Board (da qual fazia parte Mark Twain) organizou uma lista de 300 palavras inglesas que deveriam ser imediatamente escritas de maneira simplificada, recomendando que outras modificações fossem introduzidas no decorrer do tempo. Essa iniciativa desonerava a assoberbadíssima língua inglesa, e alguns aceitaram a lista imediatamente, até mesmo algumas escolas.
- "Enough" seria substituída por "enuf", "phantasy" por "fantasy", "night" por "nite", "although" por "altho", "catalogue" por "catalog", e assim por diante.
O maior entusiasta da simplificação foi Theodore Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, que enviou uma ordem ao United States Government Printing Office (Departamento de Imprensa do Governo), em 27 de agosto de 1906, determinando que os documentos oficiais passassem a adotar a lista das 300 palavras modificadas.
Houve, porém, forte reação popular, pois os que aceitavam a simplificação eram na verdade minoria. Os jornais passaram a fazer piadas sobre a reforma, que foi rejeitada pelo Congresso em 13 de dezembro de 1906 e a seguir pela Suprema Corte dos Estados Unidos.
quarta-feira, 27 de maio de 2009
sábado, 23 de maio de 2009
A IMAGEM DO UNIVERSO (26/n)
NEWTON UNIU A TERRA E O CÉU
O sistema heliocêntrico de Copérnico fez ruir a ideia da fixidez e centralidade da Terra; Tycho Brahe, ao descobrir uma supernova, manchou a reputação do céu imutável; e Johannes Kepler, pouco depois, mostrou que as órbitas dos astros, elípticas antes que circulares, são percorridas com velocidades maiores quando mais perto eles estão do Sol, e menores, quando dele se afastam. Complementando a derrocada das ideias de Aristóteles, o professor Galileu Galilei, da Universidade de Pádua, constatou com seu telescópio perspicaz a existência das irregularidades da Lua, das manchas solares, das fases de Vênus e das luas de Júpiter.
Veio então o inevitável: as concepções divinatórias começararam a ser substituídas pelas explicações científicas, num processo em que se destacaram o próprio Galileu, Descartes e, sobretudo, Isaac Newton.
Duas forças componentes
Para justificar as órbitas elípticas dos planetas, Kepler imaginou que cada planeta deveria seguir a resultante de duas forças, uma das quais situada no próprio planeta, e a outra, proveniente do Sol. Kepler só errou por imaginar que as duas forças teriam natureza magnética. Pois, com Galileu, Descartes e Newton, foi possível saber que se tratava da inércia e da gravidade.
Inércia
Por causa da inércia, tudo que vemos sobre nosso planeta conserva o movimento da Terra em todas as circunstâncias, pensou Galileu. A pedra cai no mesmo lugar, e não no quintal do vizinho, porque, ficando parada, subindo ou descendo, a ela a cada instante sempre se adiciona o movimento da Terra.
A ideia de Galileu foi depois aperfeiçoada por René Descartes (1596-1650) , ao intuir que uma partícula, isolada e sem nenhuma interferência, deslocando-se num espaço infinito, permaneceria sempre em linha reta e com a mesma velocidade. Quaisquer desvios das tendências retilíneas dos movimentos naturais deviam ser consequência de ações exteriores, ou seja, as órbitas curvas e fechadas dos planetas eram indício de que uma força exterior adicionava-se à inércia.
Descartes alinhava-se com Kepler, mas, como este, desconhecia a natureza da força que se conjugava com a inércia para dotar os planetas de órbitas elípticas.
Gravidade
Por volta de 1680 três cientistas ingleses, Christopher Wren, Robert Hooke e Edmund Halley comentaram entre si sobre as órbitas elípticas dos planetas, conforme estabelecia a primeira lei de Kepler. Era o assunto do dia nas rodas científicas. Parece que foi Hooke o primeiro a pensar que, para os planetas permanecerem em órbita, deveria atuar sobre eles uma força, orientada para o Sol, cuja intensidade fosse tanto maior quanto menor fosse a distância entre o planeta e aquela estrela, na razão inversa dos quadrados. O grande desafio era demonstrar, a partir de cálculos rigorosos, que uma força desse tipo levava os planetas a descreverem órbitas elípticas, como afirmava a primeira lei de Kepler.
- Já comentei essa ideia com Isaac Newton, teria dito Robert Hooke.
Diante disso, Halley procurou Newton e perguntou-lhe sobre como seria a curva descrita pelos planetas, caso houvesse, somando-se à inércia, uma força de atração do Sol inversamente proporcional ao quadrado da distância. Newton teria respondido imediatamente:
- Uma elipse.
- Como você sabe disso?
- Eu fiz os cálculos. A força de atração do Sol sobre um planeta, que se exerce na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias, combinada com a inércia do planeta, explica as órbitas elípticas, respondeu Newton.
Como era de se esperar, o fato deu lugar a intensa disputa entre Newton e Hooke, pois ambos se atribuíam a primazia de haver descoberto a natureza da gravidade.
Seja como for, foi Newton, no seu livro "Philosophiae Naturalis Principia Matematica" ("Princípios Naturais da Filosofia Matemática"), publicado em 1687, quem enunciou a Lei da Gravitação Universal, que alguns chamam de quarta lei de Newton:
"No Universo tudo se passa como se os corpos se atraíssem, na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado da sua distância".
Isaac Newton (1642-1727) costuma ser apontado como o maior de todos os cientistas. Criou o cálculo infinitesimal, introduziu as leis da refração e reflexão da luz, criou o telescópio por reflexão, explicou as marés, contribuiu para o avanço da termodinâmica e da acústica e apresentou uma explicação plausível para a origem das estrelas. No "Philosophiae Naturalis Principia Matematica", para além da Lei da Gravitação Universal, enunciou as três leis da mecânica clássica:
Primeira lei de Newton (ou lei da inércia)
"Um corpo não pode, por si só, modificar o seu estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme."
Segunda lei de Newton
"A aceleração de um móvel é proporcional à força que atua sobre ele."
Terceira lei de Newton
"A toda ação corresponde uma reação igual e oposta."
Deus e Newton
Eis os versos do poeta inglês Alexander Pope (1688-1744), gravados no túmulo de Isaac Newton, na Abadia de Westminster, em Londres, Inglaterra:
Nature and Nature's law lay hid in night.
God sad “Let Newton be“ and all was light.
O sistema heliocêntrico de Copérnico fez ruir a ideia da fixidez e centralidade da Terra; Tycho Brahe, ao descobrir uma supernova, manchou a reputação do céu imutável; e Johannes Kepler, pouco depois, mostrou que as órbitas dos astros, elípticas antes que circulares, são percorridas com velocidades maiores quando mais perto eles estão do Sol, e menores, quando dele se afastam. Complementando a derrocada das ideias de Aristóteles, o professor Galileu Galilei, da Universidade de Pádua, constatou com seu telescópio perspicaz a existência das irregularidades da Lua, das manchas solares, das fases de Vênus e das luas de Júpiter.
Veio então o inevitável: as concepções divinatórias começararam a ser substituídas pelas explicações científicas, num processo em que se destacaram o próprio Galileu, Descartes e, sobretudo, Isaac Newton.
Duas forças componentes
Para justificar as órbitas elípticas dos planetas, Kepler imaginou que cada planeta deveria seguir a resultante de duas forças, uma das quais situada no próprio planeta, e a outra, proveniente do Sol. Kepler só errou por imaginar que as duas forças teriam natureza magnética. Pois, com Galileu, Descartes e Newton, foi possível saber que se tratava da inércia e da gravidade.
Inércia
Por causa da inércia, tudo que vemos sobre nosso planeta conserva o movimento da Terra em todas as circunstâncias, pensou Galileu. A pedra cai no mesmo lugar, e não no quintal do vizinho, porque, ficando parada, subindo ou descendo, a ela a cada instante sempre se adiciona o movimento da Terra.
A ideia de Galileu foi depois aperfeiçoada por René Descartes (1596-1650) , ao intuir que uma partícula, isolada e sem nenhuma interferência, deslocando-se num espaço infinito, permaneceria sempre em linha reta e com a mesma velocidade. Quaisquer desvios das tendências retilíneas dos movimentos naturais deviam ser consequência de ações exteriores, ou seja, as órbitas curvas e fechadas dos planetas eram indício de que uma força exterior adicionava-se à inércia.
Descartes alinhava-se com Kepler, mas, como este, desconhecia a natureza da força que se conjugava com a inércia para dotar os planetas de órbitas elípticas.
Gravidade
Por volta de 1680 três cientistas ingleses, Christopher Wren, Robert Hooke e Edmund Halley comentaram entre si sobre as órbitas elípticas dos planetas, conforme estabelecia a primeira lei de Kepler. Era o assunto do dia nas rodas científicas. Parece que foi Hooke o primeiro a pensar que, para os planetas permanecerem em órbita, deveria atuar sobre eles uma força, orientada para o Sol, cuja intensidade fosse tanto maior quanto menor fosse a distância entre o planeta e aquela estrela, na razão inversa dos quadrados. O grande desafio era demonstrar, a partir de cálculos rigorosos, que uma força desse tipo levava os planetas a descreverem órbitas elípticas, como afirmava a primeira lei de Kepler.
- Já comentei essa ideia com Isaac Newton, teria dito Robert Hooke.
Diante disso, Halley procurou Newton e perguntou-lhe sobre como seria a curva descrita pelos planetas, caso houvesse, somando-se à inércia, uma força de atração do Sol inversamente proporcional ao quadrado da distância. Newton teria respondido imediatamente:
- Uma elipse.
- Como você sabe disso?
- Eu fiz os cálculos. A força de atração do Sol sobre um planeta, que se exerce na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias, combinada com a inércia do planeta, explica as órbitas elípticas, respondeu Newton.
Como era de se esperar, o fato deu lugar a intensa disputa entre Newton e Hooke, pois ambos se atribuíam a primazia de haver descoberto a natureza da gravidade.
Seja como for, foi Newton, no seu livro "Philosophiae Naturalis Principia Matematica" ("Princípios Naturais da Filosofia Matemática"), publicado em 1687, quem enunciou a Lei da Gravitação Universal, que alguns chamam de quarta lei de Newton:
"No Universo tudo se passa como se os corpos se atraíssem, na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado da sua distância".
Isaac Newton (1642-1727) costuma ser apontado como o maior de todos os cientistas. Criou o cálculo infinitesimal, introduziu as leis da refração e reflexão da luz, criou o telescópio por reflexão, explicou as marés, contribuiu para o avanço da termodinâmica e da acústica e apresentou uma explicação plausível para a origem das estrelas. No "Philosophiae Naturalis Principia Matematica", para além da Lei da Gravitação Universal, enunciou as três leis da mecânica clássica:
Primeira lei de Newton (ou lei da inércia)
"Um corpo não pode, por si só, modificar o seu estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme."
A inércia força o copo a permanecer no mesmo lugar.
Por causa da inércia, se o cavalo estaca, o cavaleiro prossegue.
Por causa da inércia, se o cavalo estaca, o cavaleiro prossegue.
Segunda lei de Newton
"A aceleração de um móvel é proporcional à força que atua sobre ele."
Terceira lei de Newton
"A toda ação corresponde uma reação igual e oposta."
Deus e Newton
Eis os versos do poeta inglês Alexander Pope (1688-1744), gravados no túmulo de Isaac Newton, na Abadia de Westminster, em Londres, Inglaterra:
Nature and Nature's law lay hid in night.
God sad “Let Newton be“ and all was light.
Túmulo de Isaac Newton
A natureza e as leis naturais jaziam dentro da noite.
Disse Deus “Que seja Newton” e a luz se fez.
quarta-feira, 20 de maio de 2009
ELISA E A ETIQUETA
Aprendendo maneiras
- Elisa vai lhe ensinar maneiras e, depois, sobre cepas e investimentos.
- Como assim?, perguntei, assustado.
- Ora, Thales, você participará de inúmeros encontros internacionais, de grave responsabilidade. Por isso, é essencial que saiba o que os outros não sabem. Imagine-se à mesa, no Castelo Sforza, em Milão, com Silvio Berlusconi, Diane Keaton e Sofia Loren, e, por hipótese,....
- Eu, exatamente eu?
... a você é dado escolher um vinho para acompanhar o prato sugerido por Sofia Loren: pato selvagem da região de Trentino, com molho béchamel de Toscana. Como fazê-lo, sem conhecer sobre fenólicos e taninos ou ignorando a diferença entre um varietal italiano e um magnífico bordeaux, mis en bouteille à la propriété?
- Mis en bouteille à la propriété?
- Da mesma forma, você não poderá errar na hora dos talheres.
- Espero acertar.
- Depois, no decorrer da desgustação, não lhe cabe ignorar o teorema das forças vivas, a teoria das supercordas, as concepções de Demócrito de Abdera ou, enfim, por que Tony Blair sustentou várias vezes na Câmara dos Lordes que a Inglaterra sempre se sai bem nos processos de benchmarking.
- Benchmarking?
- Sim, uma pesquisa que permite avaliar um desempenho, comparando-o com um referencial de excelência, chamado de benchmark.
Saber o que é benchmarking, onde já se viu? Hei de arranjar uma maneira de avisar a esse pessoal que nasci em Cascadura, pois com certeza estão cometendo um descomunal erro de pessoa. Morrer, dormir, renascer em Copacabana, quem sabe?
- Aprender tudo isso, eu, euzinho? Você está falando sério?
- Seriíssimo. O homem moderno distingue-se pelo estilo e, principalmente, pelo nível de suas informações.
- Tudo bem, tudo bem.
- Preste muita atenção, para não ser reprovado.
O negócio é seguir em frente. É melhor receber aulas de etiqueta, saber o que é benchmark, e até ser reprovado, do que pedir dinheiro emprestado, contrair malária ou penar na fila dos doentes irreversíveis.
Etiqueta
Ela se chama Elisa e vai me ensinar etiqueta, mais do que isso não sei.
- Os etimologistas afirmam que na época do Absolutismo os burgueses, de pouco refinamento, recebiam na forma de bilhetes (”etiquettes”) acostados aos respectivos convites as regras de comportamento a serem observadas nos eventos da Corte. Essa a origem da palavra “etiqueta”.
- Muito interessante...
- Muito interessante? Fica melhor pensar que etiqueta é uma extensão da ética, uma eticazinha, como norma comportamental de respeito ao outro, dissociando-a das concepções preconceituosas que a relacionam com gestos de submissão, cerimoniais, salamaleques, frases feitas, talheres de prata, uso de luvas, fraques ou cartolas. Ser gentil com caixas de supermercado, não usar telefone celular em ambientes fechados ou ceder a vez a uma senhora na fila é mais importante do ponto de vista social do que segurar corretamente o garfo ou saber como dirigir-se a um garçom. A pessoa precisa saber como recusar um convite, comportar-se perante idosos e portadores de deficiências físicas, corresponder a um favor recebido, organizar uma lista de convidados ou agradecer por um presente de casamento. Não comentar sobre defeitos de outros, não ufanar-se, permitir que as outras pessoas também se manifestem e tomar em consideração opiniões e posições alheias. Não exibir-se, nem mostrar o que não sabe...
- Sempre faço muita força para isso, professora.
- Aprenda a dizer “bom dia”, “por favor” e “muito obrigado”. Se não quer, diga “não”. Se não sabe, diga “não sei”. Se tiver dúvida, peça todos os esclarecimentos. Seja assertivo, impondo-se sempre, mas sem grosseria, que esta nunca rendeu nenhum dividendo em favor de ninguém.
Meus pensamentos enquanto ela falava
Linda, linda, a Elisa.
Acho que está flertando comigo.
Não, não, não, claro que não.
Não posso dar nenhuma bandeira.
Se dou um fora, ela me reprova, perco tanto o emprego quanto os banquetes com a Sofia Loren, retornando a Cascadura...
Benchmark
Acordei no meio da noite e percebi que Elisa estava deitada a meu lado, seminua.
Linda e pura como uma Desdêmona de Verdi.
Lembro-me de que segurou minha mão carinhosamente.
- Elisa vai lhe ensinar maneiras e, depois, sobre cepas e investimentos.
- Como assim?, perguntei, assustado.
- Ora, Thales, você participará de inúmeros encontros internacionais, de grave responsabilidade. Por isso, é essencial que saiba o que os outros não sabem. Imagine-se à mesa, no Castelo Sforza, em Milão, com Silvio Berlusconi, Diane Keaton e Sofia Loren, e, por hipótese,....
- Eu, exatamente eu?
... a você é dado escolher um vinho para acompanhar o prato sugerido por Sofia Loren: pato selvagem da região de Trentino, com molho béchamel de Toscana. Como fazê-lo, sem conhecer sobre fenólicos e taninos ou ignorando a diferença entre um varietal italiano e um magnífico bordeaux, mis en bouteille à la propriété?
- Mis en bouteille à la propriété?
- Da mesma forma, você não poderá errar na hora dos talheres.
- Espero acertar.
- Depois, no decorrer da desgustação, não lhe cabe ignorar o teorema das forças vivas, a teoria das supercordas, as concepções de Demócrito de Abdera ou, enfim, por que Tony Blair sustentou várias vezes na Câmara dos Lordes que a Inglaterra sempre se sai bem nos processos de benchmarking.
- Benchmarking?
- Sim, uma pesquisa que permite avaliar um desempenho, comparando-o com um referencial de excelência, chamado de benchmark.
Saber o que é benchmarking, onde já se viu? Hei de arranjar uma maneira de avisar a esse pessoal que nasci em Cascadura, pois com certeza estão cometendo um descomunal erro de pessoa. Morrer, dormir, renascer em Copacabana, quem sabe?
- Aprender tudo isso, eu, euzinho? Você está falando sério?
- Seriíssimo. O homem moderno distingue-se pelo estilo e, principalmente, pelo nível de suas informações.
- Tudo bem, tudo bem.
- Preste muita atenção, para não ser reprovado.
O negócio é seguir em frente. É melhor receber aulas de etiqueta, saber o que é benchmark, e até ser reprovado, do que pedir dinheiro emprestado, contrair malária ou penar na fila dos doentes irreversíveis.
Etiqueta
Ela se chama Elisa e vai me ensinar etiqueta, mais do que isso não sei.
- Os etimologistas afirmam que na época do Absolutismo os burgueses, de pouco refinamento, recebiam na forma de bilhetes (”etiquettes”) acostados aos respectivos convites as regras de comportamento a serem observadas nos eventos da Corte. Essa a origem da palavra “etiqueta”.
- Muito interessante...
- Muito interessante? Fica melhor pensar que etiqueta é uma extensão da ética, uma eticazinha, como norma comportamental de respeito ao outro, dissociando-a das concepções preconceituosas que a relacionam com gestos de submissão, cerimoniais, salamaleques, frases feitas, talheres de prata, uso de luvas, fraques ou cartolas. Ser gentil com caixas de supermercado, não usar telefone celular em ambientes fechados ou ceder a vez a uma senhora na fila é mais importante do ponto de vista social do que segurar corretamente o garfo ou saber como dirigir-se a um garçom. A pessoa precisa saber como recusar um convite, comportar-se perante idosos e portadores de deficiências físicas, corresponder a um favor recebido, organizar uma lista de convidados ou agradecer por um presente de casamento. Não comentar sobre defeitos de outros, não ufanar-se, permitir que as outras pessoas também se manifestem e tomar em consideração opiniões e posições alheias. Não exibir-se, nem mostrar o que não sabe...
- Sempre faço muita força para isso, professora.
- Aprenda a dizer “bom dia”, “por favor” e “muito obrigado”. Se não quer, diga “não”. Se não sabe, diga “não sei”. Se tiver dúvida, peça todos os esclarecimentos. Seja assertivo, impondo-se sempre, mas sem grosseria, que esta nunca rendeu nenhum dividendo em favor de ninguém.
Meus pensamentos enquanto ela falava
Linda, linda, a Elisa.
Acho que está flertando comigo.
Não, não, não, claro que não.
Não posso dar nenhuma bandeira.
Se dou um fora, ela me reprova, perco tanto o emprego quanto os banquetes com a Sofia Loren, retornando a Cascadura...
Benchmark
Acordei no meio da noite e percebi que Elisa estava deitada a meu lado, seminua.
Linda e pura como uma Desdêmona de Verdi.
Lembro-me de que segurou minha mão carinhosamente.
- Você está aprovado, pois tem o melhor benchmark...
sábado, 16 de maio de 2009
A IMAGEM DO UNIVERSO (25/n)
GALILEU GALILEI, O ANTICRISTO (2/2)
A militância bem-sucedida de Galileu, baseada nas suas contundentes observações sobre o Sol, a Lua, Júpiter e Vênus, contribuía decisivamente para que o Sistema de Ptolomeu caminhasse para um fim de carreira naquele início do século XVII. Tanto foi assim que os jesuítas acabaram apelando para o sistema híbrido de Tycho Brahe: os planetas, exceto a Terra, girando em torno do Sol; mas o Sol e a Lua fazendo-o em torno da Terra.
- A geometria é do diabo, e os matemáticos deveriam ser banidos por serem autores de todas as heresias.
Em 1616, Galileu foi informado pelo cardeal Roberto Belarmino de que não poderia divulgar argumentos em favor do heliocentrismo, sob pena de ser encarcerado. Galileu aceitou o veto e o respeitou por 16 anos, mas em 1632 publicou um "Diálogo Sobre Os Dois Maiores Sistemas do Mundo", onde um personagem inteligente (Salviati) defende o heliocentrismo e um personagem pouco esclarecido, tendendo para o simplório (Simplicius), mantém-se apegado às ideias de Ptolomeu.
A Igreja entendeu que Simplicius era a caricatura do Papa Urbano VIII e chamou Galileu a Roma, submetendo-o a sucessivas reuniões interrogatórias perante o Santo Ofício. Ameaçado de tortura e de ser queimado na fogueira, como fora o caso de Giordano Bruno, Galileu acabou por fazer uma declaração, solene, negando que a Terra se movesse e que girasse em torno do Sol.
A abjuração de Galileu
O Tribunal da Inquisição a que Galileu foi submetido era constituído pelos cardeais F. de Ascoli, B. de Gessi, G. Bentivoglio, F. Verospi, F. D. de Cremona, M. Ginetti, e F. D. de S. Onofrio.
Em 22 de junho de 1633, Galileu abjurou como herética a concepção de que a Terra girasse em torno do Sol, nos termos da seguinte declaração final:
"Eu, Galileu Galilei, filho do falecido Vicenzo Galilei, ajoelhado diante dos senhores, eminentes e venerandos cardeais, inquisidores contra a depravação herética em todo o mundo cristão, tendo diante dos meus olhos e tocando com minhas mãos os Evangelhos Sagrados, juro que acreditarei doravante em tudo que é defendido, pregado e ensinado pela Santa Igreja Católica e Apostólica Romana.
Embora advertido por este Santo Ofício de que deveria abandonar a falsa assertiva de que o Sol é o centro do universo e de que permanece imóvel, e de que a Terra é que se move e não está no centro, pois essa doutrina é contrária à Sagrada Escritura, escrevi e publiquei um livro no qual acrescentei argumentos consistentes em favor da doutrina condenada, sem opor nenhuma solução para os mesmos.
Por essa razão fui pronunciado pelo Santo Ofício como forte suspeito de heresia, isto é, de ter acreditado e sustentado que o Sol é o centro do nosso universo e está imóvel, e de que a Terra não é o centro e se move.
Desejando afastar do pensamento de Vossas Eminências, e de todos os fiéis cristãos, essas suspeitas razoáveis que existem contra mim, é que, com coração sincero e fé imaculada, abjuro, condeno e abomino os erros e heresias supracitados, e qualquer outro ato que esteja em desacordo com a Santa Igreja.
Juro que doravante nunca mais direi, oralmente ou por escrito, alguma coisa que reacenda essa suspeita contra mim; e que, se souber de alguém que seja suspeito de heresia ou que incorra em prática de heresia, denunciá-lo-ei ao Santo Ofício ou ao inquisidor da localidade onde me encontrar.
Juro e prometo ainda observar integralmente todas as penalidades que me foram ou me vierem a ser impostas pelo Santo Ofício.
E, em caso de transgressão (que Deus me impeça) de qualquer destas promessas, asseverações e juramentos, submeter-me-ei a todas as penas e dores estabelecidas e promulgadas nos cânones sagrados, e a outras penalidades, gerais e particulares, suscitadas por essas delinquências.
Que Deus me ajude, e também a mim me ajudem estes Evangelhos que tenho em minhas mãos.
Eu, Galileu Galilei, abjurei, jurei, prometi e me curvei, conforme relatado acima.
Em testemunho dessa verdade, assinei com minha própria mão o presente documento de abjuração e recitei-o palavra por palavra em Roma, no Convento de Minerva, em 22 de junho de 1633."
Eppur si muove
Diz-se que, ao sair do tribunal, o cientista que se calava teria dito:
- Eppur si muove!
(- Não obstante, ela se move!)
Uma lenda, sem dúvida. Mero adendo fantasioso à narrativa, construído para realçar a intolerância e a atitude grotesca dos que puniram o homem excepcional. Pois, se verdadeira, a insolência teria conduzido Galileu à mesma fogueira de Giordano Bruno.
Condenado à prisão domiciliar perpétua, Galileu faleceu nove anos depois. Nada, porém, pôde deter o triunfo do sistema heliocêntrico, que passou a ser gradativamente aceito por todas as pessoas esclarecidas, até que a ele se rendeu a própria Igreja, no primeiro quarto do século XIX.
A militância bem-sucedida de Galileu, baseada nas suas contundentes observações sobre o Sol, a Lua, Júpiter e Vênus, contribuía decisivamente para que o Sistema de Ptolomeu caminhasse para um fim de carreira naquele início do século XVII. Tanto foi assim que os jesuítas acabaram apelando para o sistema híbrido de Tycho Brahe: os planetas, exceto a Terra, girando em torno do Sol; mas o Sol e a Lua fazendo-o em torno da Terra.
Vênus
Ao contrário dos jesuítas, dispostos a uma abertura no sentido de aceitar alguns pontos defendidos por Galileu, as demais congregações religiosas aferravam-se ao aristotelismo escolástico de São Tomás de Aquino e outros doutrinadores católicos. Concediam, quando muito, que o sistema de Copérnico fosse apresentado como "mera hipótese matemática, servindo apenas para facilitar os cálculos astronômicos, sem corresponder à realidade, pois, nesta, a Terra é o verdadeiro centro de tudo".
Ao argumento de Galileu de que a "filosofia do Universo está escrita em linguagem matemática, e seus símbolos são triângulos, círculos e outras figuras geométricas", o dominicano Tommaso Caccini, um de seus principais opositores, costumava retrucar:Ao contrário dos jesuítas, dispostos a uma abertura no sentido de aceitar alguns pontos defendidos por Galileu, as demais congregações religiosas aferravam-se ao aristotelismo escolástico de São Tomás de Aquino e outros doutrinadores católicos. Concediam, quando muito, que o sistema de Copérnico fosse apresentado como "mera hipótese matemática, servindo apenas para facilitar os cálculos astronômicos, sem corresponder à realidade, pois, nesta, a Terra é o verdadeiro centro de tudo".
- A geometria é do diabo, e os matemáticos deveriam ser banidos por serem autores de todas as heresias.
Em 1616, Galileu foi informado pelo cardeal Roberto Belarmino de que não poderia divulgar argumentos em favor do heliocentrismo, sob pena de ser encarcerado. Galileu aceitou o veto e o respeitou por 16 anos, mas em 1632 publicou um "Diálogo Sobre Os Dois Maiores Sistemas do Mundo", onde um personagem inteligente (Salviati) defende o heliocentrismo e um personagem pouco esclarecido, tendendo para o simplório (Simplicius), mantém-se apegado às ideias de Ptolomeu.
A Igreja entendeu que Simplicius era a caricatura do Papa Urbano VIII e chamou Galileu a Roma, submetendo-o a sucessivas reuniões interrogatórias perante o Santo Ofício. Ameaçado de tortura e de ser queimado na fogueira, como fora o caso de Giordano Bruno, Galileu acabou por fazer uma declaração, solene, negando que a Terra se movesse e que girasse em torno do Sol.
A abjuração de Galileu
O Tribunal da Inquisição a que Galileu foi submetido era constituído pelos cardeais F. de Ascoli, B. de Gessi, G. Bentivoglio, F. Verospi, F. D. de Cremona, M. Ginetti, e F. D. de S. Onofrio.
Em 22 de junho de 1633, Galileu abjurou como herética a concepção de que a Terra girasse em torno do Sol, nos termos da seguinte declaração final:
"Eu, Galileu Galilei, filho do falecido Vicenzo Galilei, ajoelhado diante dos senhores, eminentes e venerandos cardeais, inquisidores contra a depravação herética em todo o mundo cristão, tendo diante dos meus olhos e tocando com minhas mãos os Evangelhos Sagrados, juro que acreditarei doravante em tudo que é defendido, pregado e ensinado pela Santa Igreja Católica e Apostólica Romana.
Embora advertido por este Santo Ofício de que deveria abandonar a falsa assertiva de que o Sol é o centro do universo e de que permanece imóvel, e de que a Terra é que se move e não está no centro, pois essa doutrina é contrária à Sagrada Escritura, escrevi e publiquei um livro no qual acrescentei argumentos consistentes em favor da doutrina condenada, sem opor nenhuma solução para os mesmos.
Por essa razão fui pronunciado pelo Santo Ofício como forte suspeito de heresia, isto é, de ter acreditado e sustentado que o Sol é o centro do nosso universo e está imóvel, e de que a Terra não é o centro e se move.
Desejando afastar do pensamento de Vossas Eminências, e de todos os fiéis cristãos, essas suspeitas razoáveis que existem contra mim, é que, com coração sincero e fé imaculada, abjuro, condeno e abomino os erros e heresias supracitados, e qualquer outro ato que esteja em desacordo com a Santa Igreja.
Juro que doravante nunca mais direi, oralmente ou por escrito, alguma coisa que reacenda essa suspeita contra mim; e que, se souber de alguém que seja suspeito de heresia ou que incorra em prática de heresia, denunciá-lo-ei ao Santo Ofício ou ao inquisidor da localidade onde me encontrar.
Juro e prometo ainda observar integralmente todas as penalidades que me foram ou me vierem a ser impostas pelo Santo Ofício.
E, em caso de transgressão (que Deus me impeça) de qualquer destas promessas, asseverações e juramentos, submeter-me-ei a todas as penas e dores estabelecidas e promulgadas nos cânones sagrados, e a outras penalidades, gerais e particulares, suscitadas por essas delinquências.
Que Deus me ajude, e também a mim me ajudem estes Evangelhos que tenho em minhas mãos.
Eu, Galileu Galilei, abjurei, jurei, prometi e me curvei, conforme relatado acima.
Em testemunho dessa verdade, assinei com minha própria mão o presente documento de abjuração e recitei-o palavra por palavra em Roma, no Convento de Minerva, em 22 de junho de 1633."
Eppur si muove
Diz-se que, ao sair do tribunal, o cientista que se calava teria dito:
- Eppur si muove!
(- Não obstante, ela se move!)
Uma lenda, sem dúvida. Mero adendo fantasioso à narrativa, construído para realçar a intolerância e a atitude grotesca dos que puniram o homem excepcional. Pois, se verdadeira, a insolência teria conduzido Galileu à mesma fogueira de Giordano Bruno.
Condenado à prisão domiciliar perpétua, Galileu faleceu nove anos depois. Nada, porém, pôde deter o triunfo do sistema heliocêntrico, que passou a ser gradativamente aceito por todas as pessoas esclarecidas, até que a ele se rendeu a própria Igreja, no primeiro quarto do século XIX.
quarta-feira, 13 de maio de 2009
A SÉRIE DE FIBONACCI
A INTRODUÇÃO DO ZERO
O sistema de numeração pelos algarismos indo-arábicos foi uma criação dos indianos, levada ao conhecimento dos árabes por uma missão diplomática que visitou Bagdá em 773 d. C. Por volta de 820, um matemático conhecido como Al-Khwarizmi (780-850), nascido no Uzbesquistão, escreveu um livro com o nome de "Aritmética", o primeiro texto árabe organizado com os numerais indo-arábicos, mostrando as vantagens do zero e da numeração pela posição dos algarismos.
Subsequentes escritos árabes espalharam o novo tipo de representação numérica, desde as fronteiras da Ásia Central até os países islâmicos do norte da África.
Livro dos ábacos
A novidade revolucionária só chegaria à Europa no início do século XIII. Leonardo Pisano (1170-1250), natural de Pisa, era conhecido como Fibonacci, talvez uma contração de “filho de Bonacio". Na cidade de Bugia, na Argélia, onde seu pai serviu como cônsul, um matemático árabe mostrou a Fibonacci todas as possibilidades do sistema de numeração indo-arábico; entusiasmado com tais maravilhas e novidades, Fibonacci decidiu aprender o que os árabes haviam desenvolvido a respeito, tendo procurado os matemáticos árabes das costas do Mediterrâneo e visitado o Egito, a Síria, a Grécia e a Sicília.
Fibonacci, que era muito bom matemático, reuniu tudo que aprendeu com os árabes em um dos livros mais exitosos de todos os tempos, publicado na Itália em 1202, o Liber Abaci (Livro dos Ábacos). Suas primeiras palavras entraram para a história da Matemática:
"Eis os nove símbolos hindus: 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2 e 1. Com eles, mais o símbolo do zero, que em árabe é chamado de zéfiro, qualquer número pode ser escrito."
Exercícios incluídos no livro mostravam como os algarismos arábicos podiam substituir com vantagem as representações, com letras, dos sistemas hebraico, grego e romano; como se podia fazer cálculo com números inteiros e fracionários, extrair raízes quadradas e cúbicas, correlacionar quantidades por meio da regra de três, calcular lucros e juros, fazer câmbio de moedas e conversão das grandezas conforme as unidades de sua medição.
Atualmente Fibonacci é mais conhecido por haver apresentado no Liber Abaci uma série com a qual pretendia prever o número de coelhos gerados mensalmente a partir de um único casal de coelhos. Afirmava ele que os números acumulados de pares de coelhos seriam, respectivamente, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377, 610, 987 etc, no fim dos meses sucessivos.
A série de Fibonacci é exatamente a série proposta para os coelhos, antecedida de 1. A saber:
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89...
Com efeito, o primeiro número da série é 1; o segundo, também 1; a partir daí cada número é igual à soma dos dois números anteriores.
Segmento áureo
O quociente de um número da série por seu antecessor converge para 1,618, que permite dividir um segmento de reta em média e extrema razão, obtendo o chamado segmento áureo. O qual está presente nos padrões de flores, nas razões entre partes do corpo humano ou nos ramos de palmeiras, tanto quanto nas concepções arquitetônicas, como nos edifícios do Paternon e da ONU, e até mesmo no comprimento dos braços de uma cruz.
As seções de uma espiral equiangular são inseridas em quadrados sucessivos, cujos lados seguem a série de Fibonacci. A espiral equiangular aparece na forma de certas galáxias, no chifre do carneiro, em muitas conchas marinhas e nas ondas dos surfistas.
Muitas pessoas acreditam que a série de Fibonacci rege as leis que entram em jogo nas reverberações da luz nos espelhos e certos eventos da natureza, como as formas de nuvens.As sementes de girassol organizam-se em dois grupos espiralados, um orientado para a esquerda e outro, para a direita. Os números de espirais nos dois grupos costumam corresponder a dois elementos consecutivos da série de Fibonacci. O mesmo acontece nos cactos, abacaxis e pinhas, sendo frequente que o número de pétalas das flores seja um número de Fibonacci, o que permite supor que haja uma correlação da série com os processos naturais.
Na sua época Fibonacci tornou-se famoso e chegou a ser um protegido do imperador Frederico II, brilhando e sendo aplaudido nas reuniões em que resolvia problemas aritméticos e equações propostas por matemáticos especialmente convidados.
Os matemáticos profissionais, manuseando ábacos, enfrentando Fibonacci, com seu privilegiado sistema de numeração.
O sistema de numeração pelos algarismos indo-arábicos foi uma criação dos indianos, levada ao conhecimento dos árabes por uma missão diplomática que visitou Bagdá em 773 d. C. Por volta de 820, um matemático conhecido como Al-Khwarizmi (780-850), nascido no Uzbesquistão, escreveu um livro com o nome de "Aritmética", o primeiro texto árabe organizado com os numerais indo-arábicos, mostrando as vantagens do zero e da numeração pela posição dos algarismos.
Subsequentes escritos árabes espalharam o novo tipo de representação numérica, desde as fronteiras da Ásia Central até os países islâmicos do norte da África.
Livro dos ábacos
A novidade revolucionária só chegaria à Europa no início do século XIII. Leonardo Pisano (1170-1250), natural de Pisa, era conhecido como Fibonacci, talvez uma contração de “filho de Bonacio". Na cidade de Bugia, na Argélia, onde seu pai serviu como cônsul, um matemático árabe mostrou a Fibonacci todas as possibilidades do sistema de numeração indo-arábico; entusiasmado com tais maravilhas e novidades, Fibonacci decidiu aprender o que os árabes haviam desenvolvido a respeito, tendo procurado os matemáticos árabes das costas do Mediterrâneo e visitado o Egito, a Síria, a Grécia e a Sicília.
Fibonacci, que era muito bom matemático, reuniu tudo que aprendeu com os árabes em um dos livros mais exitosos de todos os tempos, publicado na Itália em 1202, o Liber Abaci (Livro dos Ábacos). Suas primeiras palavras entraram para a história da Matemática:
"Eis os nove símbolos hindus: 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2 e 1. Com eles, mais o símbolo do zero, que em árabe é chamado de zéfiro, qualquer número pode ser escrito."
Exercícios incluídos no livro mostravam como os algarismos arábicos podiam substituir com vantagem as representações, com letras, dos sistemas hebraico, grego e romano; como se podia fazer cálculo com números inteiros e fracionários, extrair raízes quadradas e cúbicas, correlacionar quantidades por meio da regra de três, calcular lucros e juros, fazer câmbio de moedas e conversão das grandezas conforme as unidades de sua medição.
Atualmente Fibonacci é mais conhecido por haver apresentado no Liber Abaci uma série com a qual pretendia prever o número de coelhos gerados mensalmente a partir de um único casal de coelhos. Afirmava ele que os números acumulados de pares de coelhos seriam, respectivamente, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377, 610, 987 etc, no fim dos meses sucessivos.
A série de Fibonacci é exatamente a série proposta para os coelhos, antecedida de 1. A saber:
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89...
Com efeito, o primeiro número da série é 1; o segundo, também 1; a partir daí cada número é igual à soma dos dois números anteriores.
Segmento áureo
O quociente de um número da série por seu antecessor converge para 1,618, que permite dividir um segmento de reta em média e extrema razão, obtendo o chamado segmento áureo. O qual está presente nos padrões de flores, nas razões entre partes do corpo humano ou nos ramos de palmeiras, tanto quanto nas concepções arquitetônicas, como nos edifícios do Paternon e da ONU, e até mesmo no comprimento dos braços de uma cruz.
As seções de uma espiral equiangular são inseridas em quadrados sucessivos, cujos lados seguem a série de Fibonacci. A espiral equiangular aparece na forma de certas galáxias, no chifre do carneiro, em muitas conchas marinhas e nas ondas dos surfistas.
Muitas pessoas acreditam que a série de Fibonacci rege as leis que entram em jogo nas reverberações da luz nos espelhos e certos eventos da natureza, como as formas de nuvens.As sementes de girassol organizam-se em dois grupos espiralados, um orientado para a esquerda e outro, para a direita. Os números de espirais nos dois grupos costumam corresponder a dois elementos consecutivos da série de Fibonacci. O mesmo acontece nos cactos, abacaxis e pinhas, sendo frequente que o número de pétalas das flores seja um número de Fibonacci, o que permite supor que haja uma correlação da série com os processos naturais.
Na sua época Fibonacci tornou-se famoso e chegou a ser um protegido do imperador Frederico II, brilhando e sendo aplaudido nas reuniões em que resolvia problemas aritméticos e equações propostas por matemáticos especialmente convidados.
Os matemáticos profissionais, manuseando ábacos, enfrentando Fibonacci, com seu privilegiado sistema de numeração.
sábado, 9 de maio de 2009
A IMAGEM DO UNIVERSO (24/n)
GALILEU GALILEI, O ANTICRISTO (1/2)
A concepção planetária de Copérnico reintroduzia, quase vinte séculos depois, o sistema heliocêntrico de Aristarco, com a Terra e o homem retirados do centro do Universo. Todavia, sua aceitação, em substituição ao sistema geocêntrico, iria requerer longo tempo e acalorados debates, num processo cheio de incompreensões, intolerância e heroísmo.
O protagonista nesse processo de aceitação das ideias copernicanas foi Galileu Galilei (1564-1642), um dos personagens mais fascinantes da história da ciência, que vem inspirando inumeráveis textos, biografias, peças de teatro e até um pedido de desculpas por parte da Igreja Católica, em 1992.
Natural de Pisa, Galileu começou como estudante de medicina, mas graduou-se como professor de matemática. Tinha enorme curiosidade a respeito do mundo, era inquisidor e pouco disposto a aceitar alguma coisa só porque defendida por professores, teólogos ou autoridades.
Conta-se que, ao observar um candelabro durante uma cerimônia religiosa, pôs-se a comparar suas oscilações com as batidas do próprio pulso, o que o levou a descobrir que o período de oscilação de um pêndulo depende unicamente do seu comprimento, sem influência do ângulo ou do peso; a descoberta conduziu à construção do pulsilógio, um instrumento que permitia medir o tempo, tanto quanto a pulsação de um paciente.
Outra de suas invenções foi a bússola militar, na verdade uma régua de cálculo primitiva, que foi logo comercializada, pois servia às operações aritméticas, ao cálculo de juros e à obtenção das derivas e alças dos canhões militares.
Estudo do movimento
Galileu destacou-se inicialmente pelo estudo que fez do movimento, pavimentando muito bem o caminho que Isaac Newton utilizou para chegar à Mecânica Clássica. Descobriu que os corpos caem no vácuo sensivelmente com a mesma velocidade, ao contrário do que sustentava Aristóteles, cuja pressuposição era a de que os corpos pesados cairiam mais depressa. Teve então a ousadia de declarar que Aristóteles "produzira o oposto da verdade". Não foi só. Introduziu a fórmula do movimento uniformemente acelerado, criou o conceito de referencial inercial, estudou o movimento dos projéteis e formulou o princípio da inércia, posteriormente transformado em Primeira Lei de Newton:
Por desconhecer o princípio da inércia, os antigos imaginavam que, se a Terra se movesse, uma pedra lançada verticalmente para cima haveria de cair longe do ponto de lançamento, "no quintal do vizinho". Não sabiam que por inércia tudo na Terra conserva desta o movimento, em todos os processos e circunstâncias.
Mensageiro das Estrelas
Ao aperfeiçoar a luneta inventada pelo holandês Hans Lippershey, Galileu pôde fazer observações celestes que revolucionaram a astronomia: examinando a Lua, constatou que era cheia de montanhas, abismos e sinuosidades, o que estava em desacordo com a visão aristotélica de que os corpos celestes eram esferas perfeitas; viu também um Sol cheio de manchas, longe de ser perfeito, e quatro luas movimentando-se em torno de Júpiter, ou seja, um desconcertante caso de astros que não giravam em torno da Terra.
Estas descobertas, publicadas em 1610, num livrinho de 24 páginas, “Sidereus Nuncius” (“Mensageiro das Estrelas”), começaram a desiquilibrar o jogo em favor de Copérnico. Para o historiador J. R. Ravetz, foi esse o maior clássico de ciência popular de todos os tempos, imediatamente traduzido para vários idiomas, incluindo-se o chinês, numa versão preparada por um padre jesuíta.
Galileu percebeu depois as fases de Vênus, semelhantes às da Lua, conforme previsto por Copérnico, e, mais, os anéis de Saturno e vastas aglomerações estelares, arrolando 80 estrelas a mais do que o habitual no agrupamento estelar das Plêiades de Órion. Suas observações demonstravam sempre que o modelo centrado na Terra não podia mais ser defendido.
Não obstante a popularidade de Galileu, a maioria dos astrônomos e intelectuais reagiu com ceticismo ou indiferença. Eles tinham passado a vida aceitando a solução geocêntrica e não estavam dispostos a admitir que haviam acreditado e laborado no erro.
Os satélites de Júpiter implodiam o aristotelismo e por isso suscitaram apaixonados debates entre copernicanos e aristotelistas. Um colega da Universidade de Pádua, César Cremonini, recusou-se a olhar pela luneta, e um astrônomo do Colégio Romano, padre Cristóvão Clavius, afirmou que as luas de Júpiter "eram motivo para riso e que seria necessário fazer uma luneta que as fabricasse, para depois tentar vê-las." Outro astrônomo, Martin Horky, escreveu uma carta para Kepler, na qual zombava de Galileu, "com aquela luneta que lhe permite ver quatro luas imaginárias!"
Aos que a ele se opunham com argumentos religiosos e textos bíblicos, Galileu respondia que os religiosos deveriam restringir-se ao mundo espiritual, deixando a ciência para os cientistas.
- A Escritura Sagrada destina-se a ensinar como chegar ao Céu e não para explicar como o céu funciona.
Kepler apoiou Galileu incondicionalmente e acabou conseguindo uma luneta, o que lhe permitiu comprovar pessoalmente que os satélites de Júpiter realmente existiam.
(continua)
A concepção planetária de Copérnico reintroduzia, quase vinte séculos depois, o sistema heliocêntrico de Aristarco, com a Terra e o homem retirados do centro do Universo. Todavia, sua aceitação, em substituição ao sistema geocêntrico, iria requerer longo tempo e acalorados debates, num processo cheio de incompreensões, intolerância e heroísmo.
O protagonista nesse processo de aceitação das ideias copernicanas foi Galileu Galilei (1564-1642), um dos personagens mais fascinantes da história da ciência, que vem inspirando inumeráveis textos, biografias, peças de teatro e até um pedido de desculpas por parte da Igreja Católica, em 1992.
Natural de Pisa, Galileu começou como estudante de medicina, mas graduou-se como professor de matemática. Tinha enorme curiosidade a respeito do mundo, era inquisidor e pouco disposto a aceitar alguma coisa só porque defendida por professores, teólogos ou autoridades.
Conta-se que, ao observar um candelabro durante uma cerimônia religiosa, pôs-se a comparar suas oscilações com as batidas do próprio pulso, o que o levou a descobrir que o período de oscilação de um pêndulo depende unicamente do seu comprimento, sem influência do ângulo ou do peso; a descoberta conduziu à construção do pulsilógio, um instrumento que permitia medir o tempo, tanto quanto a pulsação de um paciente.
Outra de suas invenções foi a bússola militar, na verdade uma régua de cálculo primitiva, que foi logo comercializada, pois servia às operações aritméticas, ao cálculo de juros e à obtenção das derivas e alças dos canhões militares.
Estudo do movimento
Galileu destacou-se inicialmente pelo estudo que fez do movimento, pavimentando muito bem o caminho que Isaac Newton utilizou para chegar à Mecânica Clássica. Descobriu que os corpos caem no vácuo sensivelmente com a mesma velocidade, ao contrário do que sustentava Aristóteles, cuja pressuposição era a de que os corpos pesados cairiam mais depressa. Teve então a ousadia de declarar que Aristóteles "produzira o oposto da verdade". Não foi só. Introduziu a fórmula do movimento uniformemente acelerado, criou o conceito de referencial inercial, estudou o movimento dos projéteis e formulou o princípio da inércia, posteriormente transformado em Primeira Lei de Newton:
“ Um corpo não pode por si só modificar o seu estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme”.
Por desconhecer o princípio da inércia, os antigos imaginavam que, se a Terra se movesse, uma pedra lançada verticalmente para cima haveria de cair longe do ponto de lançamento, "no quintal do vizinho". Não sabiam que por inércia tudo na Terra conserva desta o movimento, em todos os processos e circunstâncias.
Mensageiro das Estrelas
Ao aperfeiçoar a luneta inventada pelo holandês Hans Lippershey, Galileu pôde fazer observações celestes que revolucionaram a astronomia: examinando a Lua, constatou que era cheia de montanhas, abismos e sinuosidades, o que estava em desacordo com a visão aristotélica de que os corpos celestes eram esferas perfeitas; viu também um Sol cheio de manchas, longe de ser perfeito, e quatro luas movimentando-se em torno de Júpiter, ou seja, um desconcertante caso de astros que não giravam em torno da Terra.
Estas descobertas, publicadas em 1610, num livrinho de 24 páginas, “Sidereus Nuncius” (“Mensageiro das Estrelas”), começaram a desiquilibrar o jogo em favor de Copérnico. Para o historiador J. R. Ravetz, foi esse o maior clássico de ciência popular de todos os tempos, imediatamente traduzido para vários idiomas, incluindo-se o chinês, numa versão preparada por um padre jesuíta.
Galileu percebeu depois as fases de Vênus, semelhantes às da Lua, conforme previsto por Copérnico, e, mais, os anéis de Saturno e vastas aglomerações estelares, arrolando 80 estrelas a mais do que o habitual no agrupamento estelar das Plêiades de Órion. Suas observações demonstravam sempre que o modelo centrado na Terra não podia mais ser defendido.
Não obstante a popularidade de Galileu, a maioria dos astrônomos e intelectuais reagiu com ceticismo ou indiferença. Eles tinham passado a vida aceitando a solução geocêntrica e não estavam dispostos a admitir que haviam acreditado e laborado no erro.
Os satélites de Júpiter implodiam o aristotelismo e por isso suscitaram apaixonados debates entre copernicanos e aristotelistas. Um colega da Universidade de Pádua, César Cremonini, recusou-se a olhar pela luneta, e um astrônomo do Colégio Romano, padre Cristóvão Clavius, afirmou que as luas de Júpiter "eram motivo para riso e que seria necessário fazer uma luneta que as fabricasse, para depois tentar vê-las." Outro astrônomo, Martin Horky, escreveu uma carta para Kepler, na qual zombava de Galileu, "com aquela luneta que lhe permite ver quatro luas imaginárias!"
Aos que a ele se opunham com argumentos religiosos e textos bíblicos, Galileu respondia que os religiosos deveriam restringir-se ao mundo espiritual, deixando a ciência para os cientistas.
- A Escritura Sagrada destina-se a ensinar como chegar ao Céu e não para explicar como o céu funciona.
Kepler apoiou Galileu incondicionalmente e acabou conseguindo uma luneta, o que lhe permitiu comprovar pessoalmente que os satélites de Júpiter realmente existiam.
(continua)
sábado, 2 de maio de 2009
A IMAGEM DO UNIVERSO (23/n)
JOHANNES KEPLER, O CÃO MATEMÁTICO
Quando Tycho Brahe entregou os dados de suas observações astrônomicas a Johannes Kepler, em 1601, havia defensores para três sistemas planetários:
(1) o geocêntrico, de Ptolomeu, com a Terra imóvel, no centro, e todos os astros a girarem a seu redor;
(2) o sistema heliocêntrico, de Nicolau Copérnico, em que a Terra era considerada móvel, girando, como os demais planetas, em torno do Sol; e
(3) o sistema de Tycho Brahe, misto, em que a Terra era considerada imóvel, tendo o Sol e a Lua a girarem em torno de si, com todos os outros planetas girando em torno do Sol.
Nos três sistemas, o mundo continuava subdividido em supralunar (imutável) e sublunar, apesar das discrepâncias supralunares observadas por Tycho Brahe, a saber, a supernova de 1572 e o cometa de 1577. A Terra era aceita como esférica desde a viagem de circum-navegação, iniciada em 1519 por Fernão de Magalhães (que morreu em combate, no percurso, em março de 1521) e concluída por Juan Sebastián Elcano em 1522, mas ainda prevalecia o dogma de que os astros descreviam movimentos circulares uniformes. Uma ideia que seria abandonada quando Johannes Kepler, examinando os dados de Tycho Brahe, formulou suas três leis planetárias.
Natureza de cachorro
Johannes Kepler (1571-1630), nascido em Weil, perto de Stutgart, era filho de Heinrich Kepler, um aventureiro que em 1589 aceitou uma tarefa mercenária na Itália e desapareceu para sempre, e de Katherine Guldennmann, que se dedicava à venda de ervas medicinais e, acusada de bruxaria, quase foi condenada a morrer na fogueira. Johannes estudou com muita dificuldade, habilitando-se em teologia, matemática, astronomia e astrologia. Em 1594 tornou-se professor de matemática e astrólogo, em Graz, na Áustria, onde, escrevendo na terceira pessoa, fez de si um retrato altamente depreciativo:
“Ele (...Kleper) tem a natureza de um cachorro, gosta de roer ossos e pão seco e agarra tudo a seu alcance, mas, nada obstante, bebe pouco e se contenta com comida simples. Anseia pelos favores dos outros, pois deles depende para tudo, obedece a todos e não fica ofendido quando o repreendem, na intenção de cair de novo nas suas graças. Tem horror aos banhos, tinturas e loções, como qualquer cachorro. É educado com as pessoas, a conversação o entedia, e seu desmazelo não conhece limites, o que se deve à posição de Marte em quadratura com Mercúrio e em trígono com a Lua.”
Kepler misturava ideias místicas, de teólogo e astrólogo, com ideias científicas, de astrônomo e matemático. Tinha uma teoria para explicar por que havia seis e apenas seis planetas (conforme se conhecia na ocasião). Para ele o Universo haveria de ser uma estrutura de planetas separados por distâncias relacionadas aos sólidos platônicos (sólidos perfeitos, que têm todas as faces iguais):
tetraedro, formado de quatro triângulos equiláteros;
cubo, de seis quadrados;
octaedro, de oito triângulos equiláteros;
dodecaedro, de doze pentágonos;
e icosaedro, de vinte triângulos equiláteros.
- São cinco sólidos platônicos, que permitem seis separações. Por isso os planetas são seis, e somente seis.
Kepler chegou a elaborar um modelo geométrico do Universo com sólidos e esferas englobando os planetas e suas distâncias platônicas, em constructos que se encaixavam como bonecas russas. No centro de tudo, Kepler considerou o Sol, porque foi dos primeiros a aceitar o sistema heliocêntrico. Em 1596 Kepler publicou o livro "Mysterium Cosmographicum", no qual fez a primeira defesa pública de Copérnico. Foi ele quem denunciou que era falso o prefácio do "De Revolutionibus Orbium Coelestium", do livro de Copérnico, que se acredita tenha sido adicionado sub-repticiamente por Andreas Osiander, o encarregado de supervisionar sua edição.
Quando Tycho Brahe entregou os dados de suas observações astrônomicas a Johannes Kepler, em 1601, havia defensores para três sistemas planetários:
(1) o geocêntrico, de Ptolomeu, com a Terra imóvel, no centro, e todos os astros a girarem a seu redor;
(2) o sistema heliocêntrico, de Nicolau Copérnico, em que a Terra era considerada móvel, girando, como os demais planetas, em torno do Sol; e
(3) o sistema de Tycho Brahe, misto, em que a Terra era considerada imóvel, tendo o Sol e a Lua a girarem em torno de si, com todos os outros planetas girando em torno do Sol.
Nos três sistemas, o mundo continuava subdividido em supralunar (imutável) e sublunar, apesar das discrepâncias supralunares observadas por Tycho Brahe, a saber, a supernova de 1572 e o cometa de 1577. A Terra era aceita como esférica desde a viagem de circum-navegação, iniciada em 1519 por Fernão de Magalhães (que morreu em combate, no percurso, em março de 1521) e concluída por Juan Sebastián Elcano em 1522, mas ainda prevalecia o dogma de que os astros descreviam movimentos circulares uniformes. Uma ideia que seria abandonada quando Johannes Kepler, examinando os dados de Tycho Brahe, formulou suas três leis planetárias.
Natureza de cachorro
Johannes Kepler (1571-1630), nascido em Weil, perto de Stutgart, era filho de Heinrich Kepler, um aventureiro que em 1589 aceitou uma tarefa mercenária na Itália e desapareceu para sempre, e de Katherine Guldennmann, que se dedicava à venda de ervas medicinais e, acusada de bruxaria, quase foi condenada a morrer na fogueira. Johannes estudou com muita dificuldade, habilitando-se em teologia, matemática, astronomia e astrologia. Em 1594 tornou-se professor de matemática e astrólogo, em Graz, na Áustria, onde, escrevendo na terceira pessoa, fez de si um retrato altamente depreciativo:
“Ele (...Kleper) tem a natureza de um cachorro, gosta de roer ossos e pão seco e agarra tudo a seu alcance, mas, nada obstante, bebe pouco e se contenta com comida simples. Anseia pelos favores dos outros, pois deles depende para tudo, obedece a todos e não fica ofendido quando o repreendem, na intenção de cair de novo nas suas graças. Tem horror aos banhos, tinturas e loções, como qualquer cachorro. É educado com as pessoas, a conversação o entedia, e seu desmazelo não conhece limites, o que se deve à posição de Marte em quadratura com Mercúrio e em trígono com a Lua.”
Kepler misturava ideias místicas, de teólogo e astrólogo, com ideias científicas, de astrônomo e matemático. Tinha uma teoria para explicar por que havia seis e apenas seis planetas (conforme se conhecia na ocasião). Para ele o Universo haveria de ser uma estrutura de planetas separados por distâncias relacionadas aos sólidos platônicos (sólidos perfeitos, que têm todas as faces iguais):
tetraedro, formado de quatro triângulos equiláteros;
cubo, de seis quadrados;
octaedro, de oito triângulos equiláteros;
dodecaedro, de doze pentágonos;
e icosaedro, de vinte triângulos equiláteros.
- São cinco sólidos platônicos, que permitem seis separações. Por isso os planetas são seis, e somente seis.
Kepler chegou a elaborar um modelo geométrico do Universo com sólidos e esferas englobando os planetas e suas distâncias platônicas, em constructos que se encaixavam como bonecas russas. No centro de tudo, Kepler considerou o Sol, porque foi dos primeiros a aceitar o sistema heliocêntrico. Em 1596 Kepler publicou o livro "Mysterium Cosmographicum", no qual fez a primeira defesa pública de Copérnico. Foi ele quem denunciou que era falso o prefácio do "De Revolutionibus Orbium Coelestium", do livro de Copérnico, que se acredita tenha sido adicionado sub-repticiamente por Andreas Osiander, o encarregado de supervisionar sua edição.
Modelo geométrico de Kepler
Kepler, que era pastor luterano, foi demitido de Graz em 1598, por ação de autoridades católicas da Contra-Reforma. Desempregado, aceitou ser assistente de Tycho Brahe, em 1600. Os dois cientistas conviveram durante 18 meses, numa relação conflituosa porque marcada pela rivalidade, até que Tycho Brahe veio a falecer, em 24 de outubro de 1601. Trabalhando com os dados de Tycho Brahe, Kepler formulou as três leis dos movimentos planetários, a primeira das quais encerrou a carreira dos movimentos circulares dos planetas, e a segunda, a dos seus movimentos a velocidades constantes.
Fim do dogma dos movimentos circulares
Primeira lei de Johannes Kepler:
"os planetas descrevem órbitas elípticas das quais o Sol ocupa um dos focos."
A órbita de qualquer planeta é uma simples elipse, sem deferente, equante e epiciclos. Antes, para forçar que a órbita resultava de uma combinação de movimentos circulares, a trajetória de Marte exigia cinco epiciclos encadeados.
Fim do dogma dos movimentos uniformes
Segunda lei de Kepler:
"a reta que liga um planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais".
A velocidade de cada planeta varia conforme sua posição. Quando se aproximam do Sol, os planetas aumentam sua velocidade, e a diminuem quando dele se afastam.
Aqui jaz um cão...
Quando Kepler relatou suas descobertas, o astrônomo holandês David Fabricius assim o aconselhou:
- Como ousas abolir a circularidade das órbitas e a velocidade uniforme dos planetas? É melhor encontrares outro epiciclo antes que esta sua maldita elipse!
Kepler publicou suas leis em 1609 e passou o restante da vida calculando as posições exatas dos seis planetas conhecidos, valendo registrar que foi o primeiro a usar logaritmos em seus cálculos, concebidos, em 1614, pelo escocês John Napier.
Faleceu em Regensburg, na Alemanha, em 15 de novembro de 1630 . Composto por ele, há no seu túmulo o seguinte epitáfio:
Fim do dogma dos movimentos circulares
Primeira lei de Johannes Kepler:
"os planetas descrevem órbitas elípticas das quais o Sol ocupa um dos focos."
A órbita de qualquer planeta é uma simples elipse, sem deferente, equante e epiciclos. Antes, para forçar que a órbita resultava de uma combinação de movimentos circulares, a trajetória de Marte exigia cinco epiciclos encadeados.
Segunda lei de Kepler:
"a reta que liga um planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais".
A velocidade de cada planeta varia conforme sua posição. Quando se aproximam do Sol, os planetas aumentam sua velocidade, e a diminuem quando dele se afastam.
Aqui jaz um cão...
Quando Kepler relatou suas descobertas, o astrônomo holandês David Fabricius assim o aconselhou:
- Como ousas abolir a circularidade das órbitas e a velocidade uniforme dos planetas? É melhor encontrares outro epiciclo antes que esta sua maldita elipse!
Kepler publicou suas leis em 1609 e passou o restante da vida calculando as posições exatas dos seis planetas conhecidos, valendo registrar que foi o primeiro a usar logaritmos em seus cálculos, concebidos, em 1614, pelo escocês John Napier.
Faleceu em Regensburg, na Alemanha, em 15 de novembro de 1630 . Composto por ele, há no seu túmulo o seguinte epitáfio:
"Eu media os céus, agora meço as sombras da Terra.
De um espírito celeste, aqui jaz a sombra do corpo".
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