sábado, 18 de abril de 2009

IMAGEM DO UNIVERSO (21/n)

Giordano Bruno, mártir genuíno da ciência

Os intelectuais religiosos Tomás de Aquino (1225- 1274) e Alberto Magno (1200-1280) fizeram uma combinação do aristotelismo com o cristianismo, a que se costuma chamar de "escolástica", configurando a visão do mundo que deveria ser aceita por imposição da Igreja Católica. A primeira voz discordante foi a do franciscano Roger Bacon (1219-1292), de Oxford, que chegou a escrever:

"Se dependesse de mim, queimaria todos os livros de Aristóteles, cuja leitura é pura perda de tempo e só nos leva ao erro e à ignorância."


Roger Bacon

Roger Bacon descrevia o método científico como um ciclo repetido de observação, hipótese, experimentação e necessidade de verificação independente, acreditando que a ciência, construída mediante leis matemáticas, poderia resolver muitos problemas do homem, que, no futuro, seria capaz de deslocar-se em carros motorizados e quem sabe até voasse. Seus argumentos contra as ideias de Aristóles foram reunidos nos livros Opus Majus, Opus Minor e Opus Tertium, que ingenuamente enviou ao papa Nicolau IV, belamente encadernados.
Em vez de admirado, Bacon foi acusado de fabricar "novidades perigosas" e condenado a 14 anos de prisão.


Giordano Bruno

Sorte ainda pior estava reservada para Giordano Bruno
(1548-1600), um intelectual italiano que nasceu em Nola, no sul da Itália, e estudou no Convento Domicano de Nápoles, ordenando-se padre em 1572.

Giordano Bruno

Bruno sofreu influência das ideias de Lucrécio, que defendia o atomismo, contra os quatro elementos, de Empédocles, tanto quanto das ideias de Nicolau de Cusa, que, como Roger Bacon, se opunha ao sistema geocêntrico e defendia a prevalência dos cálculos matemáticos para aceitação das verdades científicas. Tornou-se um intelectual que incomodava, ao defender que Deus e o Universo são uma única e mesma coisa, pois tudo é Deus, e Deus está em todas as coisas. Suas opiniões colocavam contra si a totalidade dos católicos, anglicanos e calvinistas, pois era contra:

a virgindade de Maria,

o dogma da Santíssima Trindade,

a independência da alma humana,

os milagres de Cristo e

a Terra no centro do mundo


Nicolau de Cusa

Perambulou pela França, Inglaterra, Suíça, Alemanha e Tchecoeslováquia, dando aulas de filosofia, tudo contestando, o que sempre acarretava reações exacerbadas que o obrigavam a fugir em busca de novos abrigos. Aos que estranhavam suas opiniões discordantes, perguntava:

- Quais são os fundamentos da certeza?

A ideia cosmológica de Giordano Bruno

Um dos primeiros copernicanos da Itália, Giordano rejeitou a teoria geocêntrica e pelas suas ideias avançadas colocou-se à frente de Copérnico, que, ao tirar a Terra do centro do Universo, continuou admitindo que o Universo era limitado por uma esfera de estrelas fixas, como preconizado vinte séculos antes por Aristóteles.

- Por que Deus, sendo infinito e todo-poderoso, não criaria um mundo infinito, com outros sóis e outras humanidades?, costumava perguntar
Giordano Bruno, antes de afirmar a sua crença de que o Sol seria apenas uma estrela no meio de uma infinidade de estrelas.

Nas suas concepções, o Universo, assim infinito, estaria dotado de milhares de sistemas solares, integrados por planetas, muitos dos quais com vida inteligente.
Quando o advertiam da incompatibilidade de suas idéias com o que se estabelecia nas Escrituras, Giordano Bruno respondia que os textos religiosos não eram referências infalíveis ou obrigatórias, tanto que neles se omitiam completamente as Américas e seus povos, cuja existência era incongruente com o relato bíblico da Arca de Noé.

- A Biblia deve ser observada por seus ensinamentos religiosos, não por suas declarações sobre Astronomia.

Por sua intuição extraordinária, estava muito à frente de seus contemporâneos e é considerado um pioneiro da filosofia moderna, com influência sobre Descartes, Espinosa e Leibniz. Sua ambição era construir um embasamento filosófico que se coadunasse com as grandes descobertas científicas de seu tempo.

- As ideias de Aristóteles devem ser abandonadas, sempre que se mostrarem incompatíveis com a realidade observada.

Fogueira

Com pensamentos assim ousados, Giordano Bruno iria pagar um preço elevado, sobretudo porque, excelente orador, tinha capacidade para atrair e convencer multidões. Regressou à Itália para instalar-se em Veneza, convidado por um nobre chamado Giovanni Moncenigo, sem perceber que se tratava de uma armadilha. Foi preso e encarcerado pelo Santo Ofício, permanecendo sete anos sob tortura e humilhação, até ser levado a julgamento perante o Tribunal da Inquisição. Em sua defesa, apelou para sua condição de filósofo, tal como Aristóteles e Platão, cujas ideias nem sempre coincidiam com o que se continha nos textos sagrados. O cardeal Roberto Bellarmino, consultor do Santo Ofício, propôs-lhe que se retratasse de suas ideias, para, desse modo, escapar da condenação. Bruno respondeu:

- Não tenho motivos para retratar-me.


Papa Clemente VIII: inclemente

O papa Clemente VIII não se conteve diante dessas palavras e determinou que as autoridades seculares cuidassem do seu caso, tratando-o de "forma tão misericordiosa quanto possível, evitando qualquer derramamento de sangue." Uma senha cheia de eufemismo, e irônica, que significava morte na fogueira. Alguns dias antes da execução, Giordano Bruno teria dito a seus carrascos:

- Essa sentença, pronunciada em nome do Deus da misericórdia, assusta mais a vocês do que a mim!


Queimado vivo, aos 52 anos de idade, em Roma, no Campo das Flores, no ano de 1600, com a boca amordaçada para que não pudesse dirigir-se à multidão, Giordano Bruno imolou-se em nome do livre-pensamento. Morreu sem olhar o crucifixo colocado à sua frente para infligir-lhe uma derradeira humilhação.
Com ele a filosofia começaria a libertar-se da religião, favorecendo o nascimento da ciência moderna.
O biógrafo inglês Michael White considera Giordano Bruno "o primeiro e único mártir genuíno da ciência."

Um comentário:

Anônimo disse...

Giordano Bruno que passou a chamar-se Filippo como dominicano,não era contra a independência da alma.
Em uma de suas conferências disse:
_"A natureza é uma unidade viva de unidades vivas,em cada uma das quais o poder do todo está presente.
Nós próprios e as coisas que chamamos nossas; vimos e desaparecemos e tornamos a voltar.
Dentro de cada homem há uma alma-chama, acesa pelo sol do pensamento, que nos dá asas sempre que desejamos nos aproximar do sol do conhecimento.A alma do homem move o corpo e o governa e não pode ser constrangida por ele".
.......na proporção em que a alma se conduziu quando no corpo, é determinada,por ela própria, a transição para outro corpo".

Conferência que para muitos causava inquietações, provocando seu julgamento acusado-o até matá-lo por heresia.
Suas últimas palavras foram:
_Eu disse e repito, que as almas são imortais.Se falasse como católico diria que elas não passam de corpo para corpo, mas vão para o paraíso, para o Purgatório, ou para o Inferno.
Mas raciocinei profundamente, e, falando como filósofo, desde que a alma não é encontrada sem o corpo, e, contudo, não é o corpo, ela pode estar num corpo ou em outro, e passar de corpo para corpo.Isto, se não aprovado como verdadeiro, parece pelo menos, de acordo com a opinião de Pitágoras, verossímil!
......."todos sendo Imortais, não havendo outra morte a não ser divisão e congregação, doutrina que parece ter sido formulada no Eclesiastes, onde se diz que nada há de novo sob o sol".

Por estas palavras foi torturado por sete anos morrendo em 17 de Fevereiro de 1600.
Deixou estas palavras que até hoje muitos ainda duvidam.
Depois de mais de quatrocentos anos?
Até quando?