terça-feira, 11 de março de 2008

A MÃO INVISÍVEL

O CRÉDITO DE CADA UM

Júlia preside a sessão e segue apresentando o conferencista William Bird, ela que se empenhou para garantir-me este lugar na platéia. Eu a conheci há menos de uma semana, o que me deixa de peito aquecido e com a responsabilidade de me interessar pelo assunto.

-Quem sabe vão ensinar a arte de ganhar dinheiro na Bolsa de Valores?

Sorte que esse Bird, professor de Harvard e colunista do Washington Post, já morou no Brasil e fala Português sem nenhum sotaque. Li uma vez que foi dele o primeiro artigo sobre o uso das curvas de utilidade na avaliação econômica dos projetos de risco. Para mim, trata-se de uma fraude requintada, que descaracteriza a responsabilidade pelas decisões assumidas. Pois, ocorrendo o prejuízo, a falha será do projeto, pertinaz e refratário, e de suas insuficientes e traiçoeiras probabilidades. Nesse caso bastará dizer para os acionistas, com toda a modéstia e sinceridade:

- Lamento muito.

Se, entretanto, o improvável ocorrer e o projeto for bem-sucedido, você será reconhecido como um gênio, assim humilde, a circular generosamente entre os mortais e sério candidato a uma recompensa a ser estabelecida pelo conselho de administração, nas avaliações anuais de desempenho. O super-homem da utilidade destemida.

Adam Smith

William Bird começa com a pergunta que dá o tom da conferência:

- Por que não faltam técnicos nas plataformas geladas do Mar de Behring, nem embaixadas em Guiné-Bissau ou arroz em Nova York?

A resposta será a sua aula, ou seja, nada de Bolsa de Valores. Por que contrataram um professor americano para ensinar sobre isso? Tenho para mim, muito para mim, que esse negócio de Adam Smith todo mundo sabe, o pipoqueiro, a prostituta, o corredor de meia-maratona, o agrônomo, o estalajadeiro e a tia do Rigoletto. Estudei isso superficialmente no primeiro ano da faculdade, junto com estatística, logística dos transportes, perfumaria e outras generalidades.

- Por que há uma mão invisível, a do mercado, que coloca arroz e frangos em Nova York e embaixadas em Guiné-Bissau. Exatamente isso, nem mais, nem menos do que isso. Para qualquer bem ou serviço, há uma curva de quantidade demandada, a verde, que se assemelha ao ramo positivo de uma hipérbole equilátera, e uma curva de quantidade ofertada, a vermelha, de sentido contrário, a fazer-lhe o contraponto. Num mercado em funcionamento, as duas curvas se cruzam. E é bom que o façam, pois, do contrário, o mercado desaparece e... adeus bem ou serviço! O ponto de encontro das duas curvas define e o preço e a quantidade realmente negociada do bem ou serviço em questão, não importa se sal de cozinha, sanduíche de mortadela, apartamentos de cobertura ou perfume francês.

Curvas do sanduíche de mortadela

A linguagem dos economistas é cheia de louçanias, belas como uma tela de Matisse. Ramo positivo de uma hipérbole equilátera, quantidade demandada, lei dos rendimentos decrescentes, necessidades geométricas de Malthus...

- Os fatores da produção são a natureza, o trabalho e o capital, prossegue o professor. Num certo sentido, porém, esses fatores reduzem-se a dois, natureza e trabalho, com a exclusão do capital, pois este resulta do trabalho em face da natureza, da capacidade de prever o futuro e da vontade de poupar e fazer provisão.

- Os fatores de produção são sempre remunerados?

-
Numa economia livre, certamente. Tudo que se recebe a título de remuneração do trabalho, do capital e da natureza forma a renda nacional. Nesse sentido, alguns cuidados são essenciais, conforme alertou Hubert Védrine, ministro francês, em recente discurso perante a Comunidade Econômica Européia. Ele o fez jocosamente, provocando o riso das autoridades presentes.

- Na Comunidade Européia, jocosamente?

- Sim, muito jocosamente. Há, há, há! Védrine lembrou que é impatriótico casar com a governanta, pois um salário é imediatamente cancelado, diminuindo a renda nacional.

Hubert Védrine

Todos riem. Não sei por quê, as pessoas, quando em grupo, têm mais disposição para o riso, e todos os chistes são bem-sucedidos. É aí que entra o Freud: sozinho sou uma coisa, no grupo sou outra diferente, e na multidão sou uma gota dentro de uma nuvem. Choverei também, se a decisão for a de promover uma tormenta.


- Estão rindo? Será que vocês ousariam pedir recibos às suas mulheres? Se o fizessem, poderiam abater suas mesadas dos rendimentos tributáveis, mas elas teriam de fazer declaração de renda!

- Boa idéia, professor, boa idéia!


Piada de economista é sempre assim, magnificar a renda nacional, não casar com a governanta, deduzir a mulher no imposto de renda...


O quinhão do William Bird

Terminada a aula, Bird é aplaudido entusiasticamente, como se tivesse cantado uma ária de Bizet ou formulado uma das leis de Newton. Ele, o Bird, embolsará três mil dólares, um “fee” nada desprezí (zá) vel, livre de impostos e despesas de qualquer natureza. Ou, como escreveu na carta-resposta que Júlia me mostrou, “free of taxes and expenses whatsoever”. Júlia terá enriquecido o seu portfólio. Os assistentes, quase todos doutorandos, receberão créditos universitários e menções curriculares.
E eu? Isso mesmo, e eu?

- Estou apaixonado pela Júlia.
(fim)

Um comentário:

Anônimo disse...

A aula do professor economista foi muito boa, como se uma mão invisível o orientasse sobre um conjunto de ações de sucesso para o melhor resultado de uma empresa durante um processo evitando problemas. Portfolio faz parte de uma estratégia para diminuir riscos e decidir qual o melhor caminho a percorrer para o desenvolvimento desta. Para quem gosta de economia foi uma aula.
Freud explica que o sujeito sozinho tem a sua caracteristica, ela é unica;mas no grupo e na multidão tende a perder sua identidade e vai de acordo com o fluxo, com a massa.Sem mais espaço Gina