quinta-feira, 15 de maio de 2008

MEU PROFESSOR DE HISTÓRIA

A prova final

- História é tudo, menos as nossas miudezas.

- Menos as miudezas

Tibério Gardênio ainda comentou sobre Pero Vaz de Caminha, o escrivão que se aproveitou da carta ao rei Dom Manuel para pedir pela regeneração do genro marginal, preso na Ilha de São Tomé. Nunca se deve esquecer, portanto, que o regime do pistolão foi instituído na certidão de nascimento do Brasil.

- Mas o Pero tinha lá o seu estilo, o oportunista, o velhaco!

Uma definição generalizante de História, que tanto podia abranger tudo quanto não abranger coisa nenhuma, e a execração impiedosa do escrivão do Descobrimento. Mais não houve, só miudezas, pois Getúlio Vargas foi sua obsessão e assunto exclusivo pelo resto do semestre. Lembro-me de seus inesgotáveis comentários, que denotavam uma insistente, minuciosa e quase visceral proximidade com o Presidente:



- Quando amarrava seu cavalo no Obelisco, Getúlio Vargas voltou-se para mim e disse, triunfante: "Tibério, esta é a revolução da vitória!".


- Getúlio presenteou-me com este relógio de ouro, que trago comigo para contemplação e gáudio de todos vocês.

- Certa feita, no Catete, perguntei-lhe: qual a sua filosofia, meu Presidente? Mestre, respondeu-me o grande líder, minha filosofia é a filosofia do momento.

A História ficou portanto sem nenhum currículo, e Getúlio Vargas não era ponto do exame. Os alunos teriam de comparecer à prova sabendo apenas que História é tudo, menos as miudezas da humanidade, e que o nome do genro de Pero de Caminha era Jorge de Osório. Segundo a mãe do Pedrinho, que era advogada e professora de piano, o pedido foi atendido em 1501 pelo rei Dom Manuel I, dito o Venturoso, quando soube da morte do escrivão em conseqüência de um ataque dos árabes à esquadra de Pedro Álvares Cabral.

- Mas isso ele não mencionou, nem de leve.

- Quem sabe então o nome do palácio onde Getúlio se matou ou o do monumento no qual amarrou o cavalo?


Tibério Gardênio não perguntou nada disso. Ele tinha um método singular para aplicação de provas e, a cada questão, acrescentava comentários irreverentes, mas esclarecedores.


- Onde Napoleão foi derrotado? Em Waterloo, seus idiotas!

- Em que cidade nasceu Cristóvão Colombo? Muita gente importante, aqui de Barro Verde, acha que Gênova, a grande Gênova, é capital de Minas Gerais, ora vejam, Gênova, a grande Gênova, ser considerada a capital de Minas Gerais!

Gênova

- Mencione alguns diplomatas importantes da História do Brasil. Pitecantropos de todo o mundo, uni-vos e citai, para uma resposta menos irresponsável, os nomes ilustres de Alexandre de Gusmão, Rio Branco, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha...

Foi então que não me contive e exclamei: Caldeira Brant!


- Quem disse Caldeira Brant?, perguntou o professor, surpreso e aparentemente indignado.

Não tive saída, levantei a mão e, esperando pelo pior, confessei: fui eu...


- Pois me entregue sua prova e pode retirar-se da sala.


- Estou perdido...

Sofri durante duas semanas a dolorosa angústia dos que estão na iminência de receber uma dura punição. Eu podia ser reprovado e, pior ainda, expulso do colégio. Felizmente, porém, este foi um receio sem fundamento nem concretude, pois o professor me contemplou com a única nota dez da prova de História.


- Valeu, Tibério Gardênio! História é tudo, menos as nossas miudezas!

2 comentários:

Anônimo disse...

Historia é tudo menos as nossas miudezas: nosso rigor e escrúpulo no exame e execução de algo.
Isto é certo ou é errado?
Sentimos inseguros mas sabemos que cada um tem a sua opinião.
A resposta ao professor foi a salvação, parabéns:
Felisberto Caldeira Brand Pontes de Oliveira Horta,foi Visconde e Marques de Barbacena, Militar Diplomata, Político, foi Ministro da Fazenda, Deputado, Senador do Imperio do Brasil no ano de l826 à l842.Valeu a nota dez!
Maria das Graças.

Anônimo disse...

Que sorte da Elisa!
Maria das Graças.