segunda-feira, 31 de março de 2008

ENTROPIA

A Morte Térmica do Universo

Dar uma aula é uma arte, como representar num palco, e o professor,
se de fato competente, deveria ser aplaudido de pé, como na ópera profissional. Penso nisso por causa de um desconhecido, que, levado pelas peripécias da conversação, acabou ensinando logaritmos neperianos e cálculo diferencial para bibliotecárias e advogados, que não tinham com esses temas nenhuma familiaridade. Na mesa do bar! Depois, respondendo à perplexidade dos presentes, o fulano proclamou que todas as matérias podem ser rapidamente entendidas pelos alunos, independentemente de sua qualificação e prévios conhecimentos.

- Nada é difícil. O que há é a figura do assunto mal ensinado, entendeu o recado?

O calor recebido é igual

Tivesse a capacidade desse desconhecido, e um pouco da sua autoconfiança, eu poderia explicar a todas as torcidas que o crescimento inexorável da entropia causará a morte do Universo. De fato, se coloco um bolo quente dentro de um forno frio, ao fim de certo tempo o forno e o bolo estarão à mesma temperatura, situada necessariamente entre as temperaturas iniciais do bolo e do forno. O bolo cedeu uma determinada quantidade de calor, e o forno recebeu integralmente esse calor, sendo a quantidade de calor cedida pelo bolo rigorosamente igual à quantidade de calor recebida pelo forno, porque a passagem espontânea de calor de um corpo quente para um corpo frio não produz nenhum trabalho - eis como os físicos se expressam quando querem dizer que não há desperdício de energia no desenvolvimento do processo considerado. A doação de calor é irreversível, não sendo possível que o bolo e o forno, agora à mesma temperatura, revertam-se espontaneamente ao bolo quente e ao forno frio do início da nossa experiência.

Mas a entropia é maior...


Um alemão chamado Rudolf Clausius propôs em 1865 denominar de entropia o que se obtém dividindo a quantidade de calor de um corpo pela sua temperatura. A entropia cedida pelo bolo (penso na quantidade de calor fornecida dividida pela temperatura inicial do bolo) é menor que a entropia incorporada pelo forno (penso agora na quantidade de calor recebida dividida pela temperatua inicial do forno). A cessão de calor do bolo para o forno resultou, pois, num aumento de entropia, pois a entropia recebida pelo forno foi maior que a entropia cedida pelo bolo. Eis o milagre da geração espontânea de entropia!

- Não entendi, observa Magno Fricatore, o aluno mais atento e menos inteligente.

- É o seguinte, replico pacientemente. Quem cede calor, cede entropia, que é o calor cedido dividido pela temperatura grande. Quem recebe calor, recebe entropia, que é o calor recebido dividido pela temperatura pequena. O calor recebido é igual ao calor cedido. Logo...

- Logo, a entropia recebida é maior que a entropia cedida.

- Bingo!


Anotem, senhores alunos, anotem nos melhores cadernos: nas trocas de calor, irreversíveis, a entropia recebida é sempre maior que a entropia cedida. "Sempre" é "sempre" mesmo!

Fim da História

O Universo encontra-se em estado de desquilíbrio térmico, entre as estrelas, nas quais as temperaturas são extremamamente elevadas por causa das fusões de átomos que nelas se processam, e o formidável espaço ambiente, que é exageradamente frio. As trocas de calor, espontâneas e irreversíveis, pelas quais as estrelas vão perdendo calor para o conjunto do Universo, continuarão pelos séculos, e bota bilhões de séculos nisso. Gerando nesse processo entropia inexorável e superabundante. Quando a temperatura de todo o Universo tornar-se a mesma, cessará a produção de energia nas estrelas, e os processos ligados à ordem e à informação, como a vida, não serão mais possíveis.

- De fato?

- A História terá chegado ao fim. A entropia não crescerá mais, pois terá atingido o seu valor máximo, e o Universo, incapaz de qualquer atividade, estará morto. Morte irremediável, inarredável, inapelável e inescapável, por falta de fontes quentes (ou frias) ou trocas de energia. Como dirão os tablóides ingleses, a entropia é a morte térmica do Universo.

Maria Callas

Essa, a primeira versão da minha aula. Como o professor dá a mesma aula para várias turmas e tem de repeti-la ano após ano, minha explicação sobre a entropia seria cada vez mais elaborada e competente, desmoralizando todas as dúvidas. Assim seria, tenho certeza. Um dia, o aluno da primeira fila puxaria emocionadamente os primeiros aplausos, seria seguido por dois outros, e por outros mais, até que, ao final, pelo menos metade da classe estaria me aplaudindo, como se eu fosse um Frank Sinatra ou um Hamlet envenenado. Eu então me curvaria num gesto de agradecimento, humilde, como um São Francisco, mas envaidecido, como uma Maria Callas.
(fim)

3 comentários:

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Segundo Mario Bruno Sproviero, a Lei da Entropia destroi a idéia de que a Ciência e a Tecnologia criam um mundo mais ordenado e sim impõe severas limitações.
Resumindo: A energia total do Universo é constante e a Entropia (a desordem), pois ela está em contínuo aumento.
Vivemos num Universo que se degrada energeticamente, e como o sistema da Terra é limitado, a produtividade deveria ser produzida com menor dispêndio energético possível para se criar a ordem que deixe menos desordem.
Quais as soluções?
__Reversão do tempo? Mudar completamente os hábitos da nossa Civilização? Voltar as pessoas para os campos?
Fazemos do surpéfluo mais essencial que o essencial.
Se não encontrarmos uma saída e provocar uma mudança na atual situação do Mundo, o Caos será globalizado.
A Entropia não se move à Compaixão.
Conclusão: O professor trocando energia com o ambiente gerando a base de todo o progresso; Francisco de Assis deu seu exemplo do salvível: o desprendimento e Maria Callas; do estrelado à Entropia, caminho de todos nós. Gina.

Rafael disse...

Fiquei surpreso ao ler toda sua explicação e ao final perceber que haviam somente 2 comentários e nenhum de agradecimento, sou estudante de engenharia química e estou ingressando esse semestre no mundo da termodinâmica, várias vezes já ouvi falar de entropia e nunca entendia ao certo o que era, mas com seu texto ficou muito mais claro. Está de parabéns, espero que um dia todos os professores possam ter a mesma vontade de passar informação que você tem.