quarta-feira, 9 de junho de 2010

A MULHER NA MINHA CAMA

ADORÁVEL PASCALE

Estevinho estava sozinho, no lugar mais discreto do bar. A partir da palavra “SALMO”, queria chegar à palavra “LINHA”, transitando por palavras intermediárias, cada uma diferindo da anterior por uma letra, e somente uma. Verbos, melhor não... Pensou depois nas questões indecidíveis, que não admitem solução. Jamais me associaria a um clube que tivesse a insensatez de me aceitar como sócio, e o cretense Epimênides afirmou que todos os cretenses são mentirosos. Está na Bíblia...


- Garçom, mais um black and white. Oito anos, por favor.

Sentiu a mão no ombro. Era a moça de preto.

- Posso sentar?


- Por favor.


- Peço que não estranhe a ousadia. Estava a observá-lo e senti uma vontade irresistível de conversar com você.


- Não seja por isso. Muito prazer em conhecê-la.


- Não sei, não, mas você me parece muito angustiado.


- Estou pensando no paradoxo do mentiroso e curtindo um pouco a solidão.

- Solidão cheia de manias: “garçom, mais um black and white. Oito anos.” Nunca vi black and white que não fosse oito anos...


- Nem eu. Mas não gosto de correr nenhum risco...


- Muito engraçado!


Pascale. Olhou-a atentamente. Era olhos e boca, como uma mulher de Manuel Bandeira. Quem sabe francesa? Há francesas que abordam homens nos bares, falam Português e tomam banho. Aos 34 anos, Estevinho vivera todas as situações: casara-se, desquitara-se, casara-se novamente, divorciara-se, juntara-se algumas vezes. Mulheres que partiam, mulheres que chegavam. Algumas, de férias, por prazo definido, ou, como dizia, mulheres dia três, que vão embora no dia quatro, para Porto Alegre, Munique, Florença, Houston ou Além Paraíba. Para retornar ao trabalho ou correr aos braços de um noivo saudoso e impaciente.

- Aceita um uísque, Pascale?


- Só se for oito anos...

Na minha cama

Um homem e uma mulher que tomam uísque juntos, no Leblon, são cúmplices de um ideal inexorável: a cama. Quanta obra-prima existe, livros, filmes, peças e canções, sobre mesas, pianos, luvas, colares, retratos e outros variados objetos, usados como metáfora do amor ou, até, de sua ausência. Há um texto de Rubem Braga exaltando o guarda-chuva. Sobre cama, todavia, tudo que Estevinho conhecia era a história do homem traído, que, ao separar-se da mulher, doou-lhe tudo, absolutamente tudo, menos a cama. Pois se a cama se fosse com ela, além da mulher, teria perdido a própria alma.


Pois é, minha pátria é minha cama, pensou Estevinho, quando viu Pascale, deitada a seu lado. Nua assim, deitada assim, magnífica assim. Simplesmente deslumbrante! Uma mulher bonita começa pelos olhos, continua nos lábios, alteia-se em montes soberbos, estende-se por vales insondáveis e acaba... não acaba não, isso mesmo, uma mulher bonita não acaba nunca. A mulher é a perfeição. Se Aristóteles não disse isso, eis uma imperdoável omissão de Aristóteles.
Volúpia, entrega, prazer, apoteoses à primeira potência, apoteoses ao quadrado, apoteoses ao infinito, eis o enredo do amor, que é a melhor das capacidades humanas.

- Um instante de amor, Pascale, corresponde a uma boa eternidade.

Nenhum comentário: