quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

SIR ISAAC NEWTON ACREDITAVA EM ASTROLOGIA (parte 5/5)

Muitas correlações

Seria meu primeiro dia de trabalho após as férias. Ao caminhar pela orla, como faço todas as manhãs, avistei o cantor pernambucano Alceu Valença, que, num festival de canções de que me recordo remotamente, cantou a música “Trem de Alagoas: Vou Danado para Catende”, com letra do Ascenso Ferreira.

Após o café, passei os olhos nas principais manchetes. No primeiro caderno: “Morre o cantor Frank Sinatra”, “Mercados param no mundo à espera do pronunciamento do primeiro-ministro japonês”, “CPI investigará especulação na Bolsa de Valores” e “Trabalhador carioca entre os melhores do mundo”. Vi depois no caderno de variedades: “Manoel de Barros completa 82 anos” e “Zizi Possi lança o álbum de canções napolitanas "Per Amore”.

Vínculo claro

Eu, que já me intrigara vendo o Alceu Valença na praia, percebi um vínculo muito claro dessas notícias com o meu sonho absurdo e, entre curioso e assustado, pus-me a correlacioná-lo com os eventos que foram sucedendo a meu redor naquele dia.
De fato, quando cheguei ao trabalho, informaram-me do inesperado prejuízo do exercício e do acidente com o duplo cilindro na divisão de embalagens. Resultado: dois operários feridos. Havia divergências sobre as causas do sinistro, mas o sindicato decidira me responsabilizar judicialmente pelo ocorrido.

Ao final do dia exaustivo, o mais curioso: recebi a incumbência de comandar um jantar de negócios, oferecido pela nossa empresa a empresários franceses.


- Onde será?

- No Saint Honoré.


- Caramba!

Santo Honoré

Seguiram-se mais coincidências. Na recepção do hotel, atendeu-me uma loura, queimada de sol, muito parecida com uma das atrizes do filme "Four Rooms", no qual o Tim Roth fez o papel de criado e o próprio Tarantino desempenhou o personagem
chamado de "The Man From Hollywood", que tem o dedo decepado.

Padre Argel, um antigo professor que eu admirava por seus conhecimentos de latim, francês e alemão, fora contratado pelo nosso serviço de relações institucionais e, misturado aos convidados, prestava seus serviços de intérprete remunerado. Ele me garantiu, na ocasião, que era conhecedor do italiano, tanto o dialeto toscano quanto o napolitano. Terminado o jantar, a conta me foi trazida pela loura da recepção: sete mil reais. Sete mil reais!
No dia seguinte, porém, a nossa companhia recebeu de volta o cheque
que eu emitira, pois o Saint Honoré, sentindo-se prestigiado com o evento, decidira dispensar o pagamento: uma cortesia da casa em homenagem aos convidados franceses...


Desconstruindo o sobrenatural

Muitas, portanto, as correlações do sonho com o meu primeiro dia de trabalho. O que isso representava? Seriam desimportantes, não mais do que um mero exercício de wishful thinking? Será que, bem examinadas, as coincidências não passavam mesmo de coincidências, prosaicas simultaneidades previstas no âmbito do universo e esperadas nos termos da mecânica quântica e da relatividade geral?

Não sei como tia Estefânia e Lord Kilbracken, se ainda vivos, explicariam seus sonhos premonitórios. Com certeza nem tiveram essa preocupação.
O mais razoável para mim era desconstruir o sobrenatural. Comecei banalizando o Alceu Valença: pode-se vê-lo todos os dias, caminhando na praia do Leblon, faça sol ou esteja chovendo. Logo, sonhar com o Ascenso e ver o cantor na praia não encerra nenhuma coincidência. E mais: crise nos mercados asiáticos, CPI do Congresso para apurar coisa nenhuma e mais um lançamento de músicas napolitanas pela Zizi Possi, tudo isso são eventos igualmente corriqueiros.


Frank Sinatra devia freqüentar o sonho de milhões de pessoas, pois no inconsciente coletivo se tramava sua vitória contra a enfermidade irreversível. Manoel de Barros fazer 82 anos também não constitui nenhuma aberração, pois todas as pessoas vivas que nasceram em Cuiabá em 1916 comemoram 82 anos exatamente em 1998. Carioca melhor do que japonês, quem porventura não sabia disso? Prejuízos nos balanços, acidentes nas máquinas, questões judiciais, padres que conhecem idiomas e louras dolicocéfalas nas recepções, onde a novidade? Mais uma vez o banal ganha fácil do sobrenatural.
So far, so good...



Será isso mesmo?

Há, todavia, pormenores que não conseguirei banalizar. Sete mil reais eu entreguei à loura da recepção e sete mil reais o gerente devolveu no dia seguinte, um aporte de capital recíproco, puro equity, que eliminou todas as exigibilidades. Além disso, eu nunca havia sido designado para liderar nenhuma recepção e nunca estivera no Saint Honoré, o que me deixou com a sensação de que meu sonho violou hierarquias e inverteu por alguns instantes a seta do tempo.


Recorrendo à história e à literatura

Nostradamus

Muita gente descreveu com antecedência a tragédia do Titanic.
Sir Isaac Newton acreditava em astrologia. Nostradamus, que morreu em 1566, não faz previsões até hoje? Non creo en brujas, pero que las hay, las hay. There are more things in heaven and earth, Horatio, than are dreamt of in your philosophy. Le coeur a ses raisons que la raison ne connait point.

Por via de todas as dúvidas


Passei a dormir com papel e caneta ao lado da cama. Quem sabe um segundo sonho, completo, cheio de peripécias e correlações banalizáveis, mas nem todas?
Tia Estefânia e Lord Kilbracken foram beneficiados, mas de maneira pouco importante, numa época em que não havia sena acumulada. A qual, cavalo matreiro, sempre desencabula em favor de alguém.
Pois é, a gente nunca sabe.
..
(Fim)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

SIR ISAAC NEWTON ACREDITAVA EM ASTROLOGIA (parte 4 /5)

No banco dos réus

Compareci ao tribunal com a intenção de explicar a queda nas vendas, os preços declinantes dos nossos produtos, os juros altos, os problemas da caldeira, a concorrência predatória, o aumento dos impostos, as indenizações trabalhistas e as chuvas inesperadas e inclementes, que destruíram as instalações que mantemos a céu aberto.

- Onde a culpa, se esses eventos não estavam previstos no orçamento?


Meus argumentos eram apenas um vetor da questão, pois seria necessário dar a palavra a outras pessoas, respeitando a diversidade que justifica plebiscitos e permite a existência de hipódromos. Ou seja, essencial era considerar outros vetores. E só depois definir, como vetor resultante, se eu era considerado culpado ou inocente, adjetivos qualificativos, coletivamente exaustivos e mutuamente excludentes. (Neste ponto peço um voto de confiança , mínimo que seja, àqueles que tiveram a ventura de não ter estudado nem cálculo das probabilidades nem cálculo vetorial.)


O juiz ordenou que eu me sentasse respeitosamente no banco dos réus e, sem outras considerações, foi logo perguntando:

- O senhor se encontrou com a loura da praia quantos metros depois de invadir o pregão?

Meu primeiro impulso foi responder que o encontro se dera 417,6 metros depois, tanto que cheguei a exclamar:

- Meritíssimo...

Contei até dez, como sempre faço, e, num reflexo providencial, dei-me conta de que o magistrado, pela maneira como construíra a pergunta, não fazia distinção nenhuma entre espaço e tempo: conhecia, pois, a teoria da relatividade e por certo sabia muito bem que há uma física para cada observador. Eu tinha de responder àquela pergunta sem deixar prosperar nenhuma controvérsia. Não podia mentir, nem parecer que estava mentindo, pois qualquer mal-entendido seria usado contra mim. (Para Richelieu, mentir só se necessário.)

- Meritíssimo, isso depende.

- Depende de quê?

- Depende do referencial.


O juiz deu-se por satisfeito e passou à pergunta seguinte:


- Como o senhor conheceu a loura da praia?


- Ela trabalhou num filme do Tarantino.


- Cães de aluguel?


- Pode ser, pois o filme era com o Rintintin.

O juiz, satisfeito mais uma vez, começou a interrogar as testemunhas. Foi então que o gerente do hotel me acusou de ignorar os sete mil reais que a loura da praia deixara em consignação no Saint Honoré e fora por isso obrigado a enviar a quantia para a minha residência, com todos os inconvenientes que isso acarretou. O relator da CPI, recém-chegado de Brasília, acusou-me de invadir o pregão da Bolsa de Valores, num momento de grande efervecência internacional, e de espionar os trabalhos legislativos, num dia particularmente agitado do Congresso Nacional. O padre do avião acusou-me de ter inveja de Lucio Dalla e de Ascenso Ferreira e de fazer versões contra o mártir São Sebastião, como podiam atestar os que frequentam aviões de carreira e os que fazem caminhadas na praia.

- Uma inveja diária, meritíssimo, uma inveja diária!


O Zé Pretinho e o Chico Pé de Ganso me acusaram de haver aceitado suas sugestões para resolver os problemas da engrenagem e da embalagem. Por minha culpa, não podiam mais queixar-se de que ninguém aceitava suas sugestões.
A loura da praia aproveitou o ensejo e me acusou de haver insinuado que ela tinha um caso com o Tim Maia, só porque trabalhara num filme do Quentin Tarantino, que positivamente não era Cães de Aluguel.

O juiz acusou-me de litigação prevaricativa. (Sem saber o que isso significava, fui depois ao Aurélio e fiquei sabendo que “litigação” e “prevaricativa” são palavras não relacionadas na norma culta. O juiz laboraria melhor se se expressasse em latim, tachando-me de "improbus litigator"...)
Em seguida, o magistrado teve a gentileza de dispensar as testemunhas de defesa e deu início aos debates. Todos me acusavam e, na sua diversidade, usavam diferentes referenciais:


- Ele é imputável!

- Ele é inimputável!


No calor da discussão o juiz fez prevalecer sua autoridade com acionar a campainha.


Nesse ponto o sonho confundiu-se com a realidade, pois acordei ao som estridente do meu despertador. Permaneci uns bons tempos deitado, lembrando-me das peripécias do sonho impossível. Sonho, tudo um sonho absurdo!
(continua)

sábado, 17 de dezembro de 2011

SIR ISAAC NEWTON ACREDITAVA EM ASTROLOGIA (parte 3/5)

Somos todos japoneses

Sem a loura da praia, que assim é meu estado normal, voltei à rotina de caminhar pela orla correspondente ao Leblon, Ipanema e adjacências.



Vejo, nessas caminhadas, muitos artistas,
cantores, sexólogos, chaveiros, desenhistas, mecânicos, percussionistas, dançarinos e desembargadores. Esse fato me leva a pensar nas vantagens da divisão do trabalho: cada um faz o que o outro não sabe, e assim vamos convivendo na maior harmonia. Como recorrer aos atuários, aos anjos do asfalto e aos empalhadores, se todos decidissem ser treinadores de goleiros, escafandristas, ventríloquos ou borracheiros? A diversidade, que é uma decorrência das leis físicas e de seus referenciais, reparte as nossas tarefas, para benefício de todos. Nessas horas dou grande valor a um Taylor, a um Ford, a um Pardal e a todos que nos ensinaram a dedicar o máximo da nossa capacidade ao bom funcionamento do sistema, que, como as pessoas, tem de estar vivo e saber que vai continuar vivo.
Daí a validade dos incentivos psicofisiológicos, psicodinâmicos e psicossociais que resolvemos adotar na fábrica. Aos que me perguntam se essas providências deram resultados positivos, respondo afirmativamente, bastando lembrar que a solução do problema do duplo cilindro e das embalagens se deveu à ação do Zé Pretinho e do Chico Pé de Ganso, com apenas as máquinas que estavam ociosas na divisão de operações industriais. Sem contratar nenhuma consultoria ou serviço de terceiros. Tudo isso vem encantando os pesquisadores de todo o mundo, até os da Louisiana State University, que trabalham numa tese sobre "as razões da eficiência".



Veja, então. Essa vitoriosa aplicação da engenharia humana permitiu mostrar o valor do trabalhador carioca, eficiente, aplicado, laborioso e, paradoxalmente, tão vilipendiado.
Após a derrocada dos mercados asiáticos, em particular o de Tóquio, ficou definitivamente comprovado que, em matéria de trabalho, o carioca é o japonês da vida real. Você vai à praia, ao cinema, ao Maracanã: os cariocas que você vê são, na verdade, japoneses.

- Minha senhora....

- Alice.


-
Peço-lhe, dona Alice, a gentileza de tomar conhecimento de que se casou com um japonês.

Infelizmente, porém, mesmo com nossos abundantes japoneses, o êxito não se mede pelo entusiasmo que temos pelas nossas obras. É preciso um balanço, o do navio ao sabor das ondas do mar, o balanço-d'água refletindo um equilíbrio hídrico, o balanço da morena que caminha pelas cálidas areias do Leblon, mas, acima de tudo, o balanço contábil.


- Aí está o problema. O nosso balanço, o contábil, acusou no exercício um prejuízo de cem milhões de dólares. Cem milhões de dólares!
Isso não é um balanço, mas um balancim!

Estava eu mergulhado nessas edificantes elucubrações quando, na altura do Posto 10, encontrei o padre do avião, que nunca foi a Sorrento, mas conhece muito bem o dialeto napolitano. Mais que um padre, um padre ubíquo. O qual, muito curioso, foi logo me perguntando:


- Você está com inveja de quem, hoje?


Eu estava naquele instante com inveja tanto do Frank Sinatra, por causa da Ava Gardner, quanto do Ascenso Ferreira.
Achei que seria inútil, complicado, extemporâneo e até pornográfico falar a um padre sobre Ava Gardner e, num arroubo de incontida generosidade, ou de sensatez, sei lá, decidi simplificar a questão:

- Saiba Vossa Excelência Reverendíssima que hoje estou com muita inveja do Ascenso Ferreira.

- Por causa de mulher?

- Não, por causa da Sucessão de São Pedro.

- Uma eleição? Uma oração?


- Não, uma poesia.

- Poderia dizê-la para mim?


- É necessário um sotaque bem pernambucano:

“Seu vigário! Está aqui esta galinha gorda
Que eu trouxe pro mártir São Sebastião.

- Está falando com ele!

- Está falando com ele!”


O padre maldou que eu estava tentando provocá-lo e afirmou na maior histeria que nunca mais se relacionaria comigo.
Seja como for, continuo com a opinião de que quem fala napolitano, e sabe de Lucio Dalla, com mais razão deveria conhecer a poesia do Ascenso Ferreira, grande poeta recifense nascido na Rua dos Tocos, e nesse mister começar pela leitura de Catimbó e Outros Poemas.
(Não tenho culpa se falo repetidamente de poetas, primeiro Manoel de Barros, agora Ascenso Ferreira, pois os fatos se deram conforme venho relatando. Melhor para os fatos!)
(continua)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

SIR ISAAC NEWTON ACREDITAVA EM ASTROLOGIA (parte 2/5)

A loura da praia


A loura da praia me cumprimentou quando me aproximei da Rua do Ouvidor. Não pretendia responder ao cumprimento, mas tive um pressentimento esquisito e perguntei:

- Você é a loura que trabalhou no filme do Tarantino?
(Não sei por quê, mas, para mim, toda loura trabalha em filme do Tarantino.)

- Sou eu mesma.

- No filme com o Tim Robbins.


- Tim Roth.

(Eu sempre confundo o Tim Roth com outro Tim.)


Foi então que marcamos um encontro para quarta-feira, às 21 horas, no Saint Honoré. Cada um, a loura da praia e eu, ficou de comparecer com sete mil reais, um aporte de capital recíproco, puro equity, que eliminaria todas as exigibilidades.
Na segunda-feira, porém, fui convocado pela Câmara dos Deputados, pois de mim se exigiam explicações categóricas sobre o ataque especulativo ao mercado de índices da Bolsa de Milão.

- Mercado de quê?

- Mercado de índices...

Eu era fundamental para desvendar o enigma. Tomei o avião tranquilamente, certo de que, dados os esclarecimentos solicitados, estaria voltando no mesmo dia para o Rio de Janeiro. Em Brasília fui informado de que, a pedido do relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, o meu depoimento fora adiado para o dia seguinte, terça-feira, de maneira que tive de me hospedar num hotel de primeira classe. Na terça fui informado de novo adiamento, dessa vez para quinta, o que me reteve mais dois dias na capital.

Cheguei ao recinto da Câmara na hora aprazada e percebi, com alegria incontida, que havia grande curiosidade pelo que me cabia declarar. A sala de reuniões encheu-se de deputados, senadores, jornalistas, acróbatas, empresários, psicagogos, músicos, preparadores físicos, lobistas e eletricitários, de modo que, não havendo espaço para acomodar toda essa gente, o presidente da CPI assim determinou:

- Retirem-se do recinto todas as pessoas que não sejam detentoras de mandato.


Fui retirado do recinto e, no mesmo dia, retornei ao Rio de Janeiro. No avião um padre me perguntou se eu tinha inveja de alguém.


- Diariamente, respondi.


- Hoje o senhor está com inveja de quem?

Lucio Dalla

- Do Lucio Dalla, que compôs aquela música, “Caruso”. Não sou bom em italiano, mas sei que a música tem a ver com o Golfo de Sorrento, na Baía de Nápoles.


- Conheço.


- O Golfo de Sorrento?


- Não, a música. Eu sou bom em italiano e posso asseverar que a letra fala em “te voglio bene assaie, ma tanto tanto bene sai.”

- Eu diria que o senhor é bom em dialeto napolitano.


Quando cheguei ao meu apartamento, no Leblon, vi sobre a mesa-de-cabeceira os sete mil reais que eu sacara para somar aos sete mil reais da loura da praia no encontro que havíamos marcado para quarta-feira, no Saint Honoré. Minha estada em Brasília frustrara os nossos planos. Tivesse, ao menos, o endereço, o teletrim, o fax, o email ou o telefone da loura da praia! Se fiquei aborrecido? Escrevi uma poesia, cantando os amores frustrados da minha vida, incluindo o da moça do Colecionador.
(Sempre que me aborreço, escrevo uma poesia que canta os amores frustrados da minha vida, incluindo o da moça do Colecionador.)

- Nem teletrim, nem celular...

Não a transcrevo na íntegra porque seria um abuso insuportável propor uma poesia de minha lavra, assim impunemente, com tanto livro do Manoel de Barros à disposição dos que queiram exercitar-se na arte de ler poesia: Poesia ao Rés do Chão, Poemas Concebidos Sem Pecado, Face Imóvel, Compêndio para Uso dos Pássaros, Gramática Expositiva do Chão, Arranjos para Assobio, Livro de Pré-Coisas , O Guardador de Águas, e por aí vai.

(continua)

sábado, 10 de dezembro de 2011

ISAAC NEWTON ACREDITAVA EM ASTROLOGIA (1/5)

Informações privilegiadas

Tia Estefânia sonhou certa vez com um número: 198. É vaca, disseram. Jogou no bicho e ganhou seiscentos cruzeiros. Cachorro, elefante e outros bichos vieram depois, e ela sempre acertava, pois a seta do tempo, que para quase todos caminha para a frente, e só para frente, nos seus sonhos era capaz de revoluteios mirabolantes. Valendo-se dessa prerrogativa, pôde acumular, devagar e criteriosamente, uma pequena fortuna.


Pesquisando recentemente sobre sonhos de apostadores vitoriosos, descobri que tia Estefânia não foi a única a prevalecer. Por exemplo: entre março e julho de 1946, Lord Kilbracken, que era então o jovem estudante John Godley, teve uma série de oito sonhos com cavalos que iriam vencer as corridas. Ele via nos sonhos os resultados das corridas do dia seguinte e até os prêmios proporcionados pelos animais vencedores. Conta-se que soube, como a tia, auferir bons lucros a partir de tão privilegiadas informações.

Lord Kilbracken (John Godley)

Estefânia Moura de Agrigento, lá em Miracema, e John Godley, em Oxford, eram capazes de subverter a hierarquia da relação que existe entre um fato e o momento em que dele temos a primeira notícia.

Elucubrações na orla


Não sei se meus sonhos são muito curtos ou se a complexa entidade a que costumo chamar de eu, ao defender-se, não me permite conhecê-los em toda a sua extensão. São de tal maneira reduzidos que não costumam fazer nenhum sentido. No último dia das férias deste ano, tive, porém, um sonho extremamente longo, do qual me recordo perfeitamente: uma sucessão de acontecimentos envolvendo meu quotidiano, temores e fantasias.
Pela primeira vez, em toda a minha vida, uma história completa, como nos sonhos profissionais de Carl Gustav Jung. Completa, mas de sequências intemporais, que se interrelacionavam de modo estranho e irregular.


Durante sete anos e oito meses, andei 8,5 quilômetros todos os dias, na orla que corresponde ao Leblon, Ipanema e adjacências, o que, salvo multiplicações mais exatas, perfaz um percurso acumulado de 23.760 quilômetros. Como estamos entrando no século XXI, é recomendável não ignorar que as leis básicas da física, essas que se aplicam aos fenômenos naturais, não se sustentam obrigatoriamente fora dos limites da nossa observação. A posição relativa de uma pessoa no universo controla o seu ponto de vista. Estivesse eu simultaneamente andando pela orla e olhando-me nessa atividade de um ponto fixo do Sol, o eu da praia teria andado aproximadamente 23.760 quilômetros conforme seu referencial, mas o eu do Sol saberia que me desloquei 6,9 bilhões de quilômetros para além do que postulam, cá embaixo, meus cálculos primários e desqualificados.

- Viver na Terra é complicado e dispendioso, mas inclui uma viagem anual gratuita em torno do Sol, observou certa vez alguém inteligente, talvez a minha professora de Geografia.

Movimento de translação

Mais complicado seria se, em vez de se situar no Sol, o eu que observa o eu que caminha na orla estivesse na origem de um referencial com base em quatro estrelas fixas, o qual, este, é chamado de sistema de Galileu ou de inércia. De fato, não tenho como apresentar números alusivos às minhas caminhadas nesse último e decisivo sistema, pois calculá-los não está a meu alcance, nem se eu soubesse alguma coisa sobre as equações de Einstein e as concepções de Gödel

Ela sabe tudo sobre as concepções de Gödel

Há, de fato, uma física para cada observador, ou seja, diferentes pessoas têm diferentes opiniões. Cada um conforme seu referencial. Vasta e abençoada diversidade, fundamental para que possamos sobreviver neste mundo, qualquer que seja o número de Avogadro! Sem ela, a referida diversidade, não haveria corrida de cavalos, pois nenhum hipódromo sobreviveria se os aficionados apostassem a cada páreo no mesmo animal. Tampouco teríamos casamentos, olimpíadas, estelionatos, plebiscitos e revoluções.


A bolsa é a vida


Foi o que eu quis explicar, quando invadi o pregão da Bolsa de Valores, subi na mesa de operações, dei três batidas no microfone e, percebendo, pelo som esplêndido e cristalino, que ele funcionava perfeitamente, com a melhor das intenções disse exatamente o que se segue:


- Senhoras e senhores...


Tudo estacou, como num quadro de Ticiano, onde os rostos sempre ficam à espreita, dominados pela dúvida e pela angústia.

Os operadores silenciaram, e os computadores, inerciados pelos acontecimentos, pararam de vomitar cotações em tempo real. Os mercados de Nova York, Londres, Paris, Hong Kong, São Paulo, Kuala Lumpur, Madri, Tóquio, Frankfurt e Buenos Aires permaneceram longo tempo estáticos. E extáticos. Não havia opção, nem derivativo. Pois eu, apenas eu, tinha as informações.

- Senhoras e senhores... Senhoras e senhores...


Depus o microfone com a elegância requerida e me retirei do pregão. Soube depois que, passada a turbulência, Nova York e demais mercados voltaram a operar normalmente, embora minha decisiva intervenção tivesse provocado grande instabilidade na Bolsa de Milão, que naquele dia estava particularmente volátil.

(continua)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

TRÊS PARADOXOS NA CIÊNCIA

Paradoxo de Fermi

O Universo conta com dez milhões de trilhões de estrelas e, provavelmente, muitos bilhões de sistemas planetários. Desde Giordano Bruno (1548-16000), muitos acreditam que esse Universo incomensurável contém milhares de sistemas solares, integrados por muitos planetas abrigando vida inteligente. Habitantes de outros planetas também teriam o privilégio de contemplar as maravilhas do Universo.

- Então, onde eles estão?

Muitos bilhões de planetas

Essa pergunta,
conhecida nos meios acadêmicos como "paradoxo de Fermi", foi feita na década de 1950 pelo físico italiano Enrico Fermi (1901-1954), prêmio Nobel de Física (1938) e responsável pela construção do primeiro reator atômico, desenvolvido na Universidade de Chicago. De fato, passados 15 bilhões de anos desde o Big Bang, e com tantos sistemas planetários, deviam ter surgido civilizações extraterrestres mais velhas e mais novas, mais adiantadas e mais atrasadas, cuja existência fosse percebida de alguma forma pelos habitantes da Terra.
Mas seus sinais não nos chegam, configurando o paradoxo.

Fermi fez a pergunta aos físicos que se encontravam no refeitório do laboratório de Los Alamos, no Novo México. Corre a versão de que Leo Szilard, cientista húngaro brincalhão, teria respondido:

- Eles já estão há algum tempo perturbando por aqui. Mas chamam a si próprios de húngaros.

Paradoxo das Noites Escuras


Uma estrela em cada visada

Antes das modernas idéias cosmológicas, que estão a prevalecer com a concepção do Big Bang, admitia-se que o Universo era:

infinito em extensão,
estático (sem grandes movimentos, em larga escala),
homogêneo e isotrópico (com as mesmas propriedades em todos os pontos e direções),
imutável e euclidiano (espaço plano, não encurvado pela gravidade).


O alemão Heinrich Olbers (1758-1840) fez uma observação em 1826 que ficou conhecida como "Paradoxo de Olbers" ou "Paradoxo das Noites Escuras":

- Se o Universo tivesse de fato essas propriedades, não haveria noites escuras, pois as infinitas estrelas, distribuídas uniformemente, deveriam cobrir a Terra de luz. Pois todas as visadas acabariam numa estrela, ou seja, num ponto de luz.

Diz-se que essa questão fora anteriormente levantada por Johannes Kepler, em 1610, e um pouco mais tarde por Edmond Halley e Jean-Philippe de Cheseaux.

Edgar Allan Poe

Muitos tentaram explicar o paradoxo, alguns mediante demonstrações matemáticas. Para o escritor Edgar Allan Poe, a explicação era a idade finita do Universo infinito: por falta de tempo, ainda não chegou a nós a luz das estrelas mais distantes. A teoria do Big Bang tem uma explicação semelhante à de Edgar Allan Poe: o tempo é realmente finito, pois o Universo teve um começo, criado que foi há alguns bilhões de anos; de fato, a luz das estrelas situadas para além de determinada distância não teve tempo de nos alcançar, o que explica a quantidade limitada de luz no céu noturno. A diferença, em relação à hipótese de Poe, é que na teoria do Big Bang o Universo não é infinito, não é estático (pois está em permanente expansão), nem euclidiano (pois o espaço é curvado pela gravidade, conforme a teoria da relatividade) e está longe de ser imutável.

- Seja como for, não há lugar para o paradoxo de Olbers.

Paradoxo hidrostático

Um sistema de vasos comunicantes é um conjunto de vasos interligados de tal modo que um líquido que se derrame num deles se distribui por todos os demais. Pode-se pensar que, nesse dispositivo, o líquido contido num vaso de maior diâmetro, por conter uma porção maior de líquido, force, por seu peso, a ascensão do líquido no vaso de menor diâmetro a uma altura maior; ou que o líquido ascenda mais, ou menos, de acordo com sua forma ou inclinação. Isso entretanto não acontece, eis o que se chama de paradoxo hidrostático, pois o líquido alcança o mesmo nível em todos os vasos.

Mesma pressão, mesmo nível

- Por quê?

- Muito simples. Como o líquido está em equilíbrio, a pressão é a mesma na base de todos os vasos. Tratando-se do mesmo líquido em todos os ramos, pressões iguais determinam alturas iguais, independentemente dos diâmetros, formas e inclinações dos vasos, exigindo-se apenas que sejam comunicantes.