sábado, 27 de junho de 2009

A IMAGEM DO UNIVERSO (31/n)

BIG BANG E TEORIAS DECORRENTES


- As galáxias estão se afastando!

A percepção de que o Universo estava continuamente se expandindo, comprovada pelas observações do astrônomo Edwin Hubble, levou o físico belga George Lemaître à pergunta inevitável: desde quando?

- Desde o início do Universo, quando todas as galáxias estavam juntas num "átomo primordial"
, concluiu Lemaître.

- Átomo primordial?

-
Se as galáxias estão todas se afastando, então devem ter estado sempre mais próximas à medida que se considera um passado cada vez mais remoto, até que, na origem, estiveram reunidas num volume reduzido, muito denso e muito quente, que seria o volume mínimo e inicial da expansão. Esse volume, de pressão, temperatura e densidade infinitamente elevadas, começou a se expandir, possivelmente a partir de uma explosão.


Passado ------ Futuro

A teoria de Lemaître, a exemplo da de Friedmann, basou-se nas implicações das equações de Einstein e ficou conhecida pelo nome de "Teoria do Big Bang".


Muitos cósmólogos desde então passaram a admitir que o Universo prosseguirá sua expansão indefinidamente, se sua massa não for suficientemente grande para interromper a caminhada; caso contrário, em algum momento, a gravidade começará a predominar e o Universo passará da expansão à contração, de maneira a regressar ao "átomo primordial", num processo a que se costuma chamar de "Big Crunch". Não se conhece a massa total do Universo, mas, se for grande bastante para deter a expansão, a eternidade contemplará cada "Big Bang" sucedido por um " Big Crunch", para dar início a outro "Big Bang", seguido de outro "Big Crunch", e assim sucessivamente, por toda a eternidade.

Acima da linha intermediária: expansão eterna
Abaixo: Um Big Crunch após cada Big Bang


Radiação cósmica de fundo

Um dos que apoiaram Lemaître foi o cientista russo George Gamow (1904-1968), professor da George Washington University. Para além de outros estudos importantes em conexão com a teoria do Big Bang, em 1948 Gamow formulou, com assistência dos físicos Ralph Alpher e Robert Herman, a hipótese de que a explosão primordial postulada por Lemaître encheu o Universo com radiações muito quentes (trilhões de graus Kelvin, no iniciozinho da expansão).

- Essa radiação acompanha o Universo eternidade adentro, disse Gamow, e está atualmente na faixa de micro-ondas. Ela, que existia desde o iniciozinho da expansão, começou a circular quando o Universo deixou de ser opaco, exatamente por causa da expansão, com o surgimento de espaços vazios que permitiam a passagem da luz; quando a radiação começou a circular, o Universo tinha apenas 380 mil anos e sua temperatura já tinha decaído para 3.000 graus Kelvin.

George Gamow

- A radiação expande-se junto com o Universo, permeando-o totalmente, e está atualmente na temperatura de 5 graus Kelvin, conforme meus cálculos, postulou Gamow. Se houver algum meio de detectá-la, ouviríamos hoje um chiado de ondas de rádio vindo de todas as direções do espaço.

A radiação de Gamow e seus colaboradores ficou conhecida como Radiação Cósmica de Fundo em Micro-ondas (RCFM): um sinal eletromagnético, na forma de ruído, que preenche todo o céu.

- Sua existência poderia comprovar a teoria do Big Bang, com papel fundamental na Cosmologia.


Nucleossíntese do Big Bang

Uma ponto a favor da teoria do Big Bang veio ainda em 1948, com Gamow e Alpher conseguindo estimar as temperaturas e as densidades do Universo nos primeiros instantes da expansão, quando toda a matéria era ainda formada por uma colossal sopa de hidrogênio. Temperatura e densidade permitem estudar a nucleossíntese, ou seja, as fusões de elementos para obter elementos mais pesados. A nucleossíntese do Big Bang permitiu a Gamow e Alpher estabelecerem que após cinco minutos do início da expansão 25 % do conteúdo material, inicialmente todo de hidrogênio, converteram-se em hélio, surgindo, ainda, lítio e berílio, em proporções marginais. As percentagens encontradas nos cálculos coincidem com as do Universo real. (Os elementos mais pesados foram gerados muito depois, na nucleossíntese das estrelas e das supernovas, conforme estudos posteriores de Fred Hoyle.)

Universo inflacionário

Outra teoria que mais tarde surgiria alinhada com a do Big Bang, e em decorrência desta, foi a do Universo Inflacionário, do físico Alan Guth, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), que dá uma explicação relativa ao iniciozinho do Universo: no primeiro trilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de segundo, a contar do início da expansão, ocorreu a inflação do Universo.

- Inflação do Universo?

- Uma misteriosa força de antigravidade fez o Universo se expandir de maneira inimaginável, numa velocidade
muitas vezes maior do que a da luz. A cada tempo de 10 elevado a -37 segundo, o Universo dobrou de tamanho, dobrando algumas centenas de vezes num intervalo de tempo igual a 10 elevado a -35 segundo. Depois, a inflação cessou e o Universo material começou a se expandir normalmente.

- Muito complicado. Pode alguma velocidade ser maior do que a da luz?

- Nenhuma entidade material pode ter velocidade maior que a da luz. No caso, porém, o que se expandiu foi o espaço vazio.


Alan Guth

Imagine um balão que está sendo inflado, cheio de pontos na superfície, que representam as galáxias. Na superfície do balão, desenhe um círculo microscópico - este círculo microscópico representa o Universo visível, ou seja, tudo que podemos ver com os nossos telescópios. Se o Universo visível fosse do tamanho de um átomo, o Universo total seria maior do que o Universo visível.

- Caramba!

- O Universo visível parece plano, seguindo a geometria euclidiana, porque está curvado numa escala gigantesca, da mesma forma que a Terra, redonda, nos parece achatada.

Mera especulação?


O Big Bang mais parecia uma história de ficção do que uma teoria científica. Quem podia saber? Enquanto provas não fossem apresentadas, a teoria ficaria na classificação de "especulação científica", facilitando o surgimento de teorias alternativas, igualmente especulativas, como foi a teoria do Estado Estacionário, que será discutida no decorrer da próxima postagem.

sábado, 20 de junho de 2009

IMAGEM DO UNIVERSO (30/n)

SURGE A TEORIA DO BIG BANG

Einstein lutou contra suas próprias equações, que indicavam a expansão do Universo. Ao fazê-lo, criou a constante cosmológica, um fator de camuflagem que permitia anular a força gravitacional, mas sem excedê-la, de maneira que o Universo deveria permanecer estático, sem grandes aproximações nem grandes afastamentos entre as galáxias.

- Concordo com o Universo estático de Aristóteles e Newton, disse Einstein.

- A solução da constante cosmológica é inviável, retrucou em 1922 o físico russo Alexander Friedmann. Mesmo se
existisse em algum momento, o Universo estático passaria a se expandir ou a se contrair imediatamente, pois a Relatividade Geral indica o Universo estático como uma solução instável.

- Neguei minhas próprias equações...

As observações telescópicas de Edwin Hubble, anunciadas em 1929, indicavam que todas as galáxias se afastam umas das outras com velocidades extraordinariamente elevadas, sepultando a hipótese do Universo estático, de Aristóteles, Newton e Einstein. Friedmann estava com a razão.
Em 1931 Einstein visitou o Monte Wilson, em Pasadena, na Califórnia, e examinou todo o material de Hubble, que indicava um desvio sistemático para o vermelho e levava à conclusão de que o Universo realmente se expandia, conforme indicavam suas próprias equações. E em 3 de fevereiro de 1931 reconheceu sua derrota publicamente e, ao fazê-lo, declarou:


- A constante cosmológica foi o maior erro da minha vida.

Big Bang

Para explicar o
Universo em expansão, agora uma tese vitoriosa, surgiram na primeira metade do século XX, para além de outras teorias menos importantes, duas teorias que se excluíam mutuamente:

(1) Teoria do Big Bang (1927) - o Universo foi criado numa explosão, o que explica a sua expansão.

(2) Teoria do Universo Estacionário (1948)
- o Universo sempre existiu, mas cria matéria e se expande.


Alexander Friedmann faleceu em 1925, num estado de delírio, vítima de febre tifóide, sem ver confirmado o seu estudo genial, que até hoje serve de referência para os cosmólogos. Tinha apenas 37 anos. Seus trabalhos tiveram pouca repercussão, tanto que em 1927, sem saber dos mesmos, o físico e padre belga Georges Lemaître, ainda antes da publicação das observações de Edwin Hubble, apresentou um trabalho que também descartava a constante cosmológica e chegava à mesma conclusão de Friedmann: o Universo está em expansão.
Lemaître (1894-1966) nasceu em Charleroi, na Bélgica, estudando engenharia e física na Universidade de Louvain, depois do que ordenou-se padre no seminário de Maline. Como físico, Lemaître estagiou em Cambridge, antes de ser professor na Universidade de Louvain. Fez duas carreiras paralelas, como físico e padre.

- Existem dois meios de alcançar a verdade, costumava dizer. Eu decidi seguir ambos.


Lemaître e Einstein

Seus estudos cosmológicos também partiram das equações de Einstein e foram mais longe que os de Friedmann, intuindo que o Universo iniciou sua expansão a partir do que chamou de um "ovo cósmico" ou “átomo primordial”, supercompactado, que explodiu e evoluiu para o Universo atual.

Físico, em vez de matemático, que era o caso de Friedmann, Lemaître tinha familiaridade com o decaimento radioativo, um processo pelo qual átomos de núcleos pesados, como o urânio, partem-se em átomos menores, liberando partículas, radiação e energia. Por analogia, propôs a hipótese de que o mesmo acontecera com o "átomo primordial", que teria se quebrado em átomos menores, que, por sua vez, foram se quebrando sucessivamente até chegar aos átomos atuais.

-
Estamos cumprindo uma expansão causada pela explosão do "átomo primordial", num passado muito remoto. A evolução do mundo se compara a um espetáculo de fogos de artifício que acabou de terminar; uns poucos fragmentos vermelhos, cinzas e fumaça. Nós, que chegamos muito mais tarde, o que podemos fazer é imaginar como foi o esplendor da criação!


Recuando no tempo (para a esquerda)

- Pode explicar por que pensa assim?

-
Não está o Universo se expandindo continuamente? Então as galáxias:

- amanhã estarão mais distantes de nós;
- ontem, claro, estavam mais próximas;
- mais próximas ainda, no ano passado;
- no início todas estavam juntas, e nós, lá dentro.

Em outras palavras, um relógio que andasse para atrás veria o Universo diminuindo progressivamente de tamanho. Se recuarmos a um tempo suficientemente remoto, é lógico que todo o espaço deve ter estado compactado num volume muito pequeno, com pressão, temperatura e densidade inimaginavelmente elevadas.

Brian Green

No seu livro "O Universo Elegante", o físico Brian Green assim explica o Big Bang:

"Se o tecido do Universo está se estirando, o que vai sempre aumentando as distâncias entre as galáxias que acompanham o fluxo cósmico, podemos imaginar o caminho inverso dessa progressão, recuando no tempo para aprender sobre a origem do Universo. Caminhando para trás, o tecido do espaço se encolhe e as galáxias se aproximam cada vez mais umas das outras. O encolhimento do Universo faz com que as galáxias se comprimam e, tal como em uma panela de pressão, a temperatura aumenta extraordinariamente, as estrelas se desintegram e se forma um plasma superaquecido, composto pelos constituintes elementares da matéria. (...) À medida que se retrocede ainda mais no tempo, a totalidade do cosmos reduz-se ao tamanho de uma laranja, de um limão, de uma ervilha, de um grão de areia, restringindo-se sempre a volumes cada vez menores. Extrapolando esse percurso até o "começo", o Universo se reduziria a um ponto, no qual toda a matéria e toda energia estariam
contidas, a uma densidade e temperatura inimagináveis. (...) O Big Bang irrompeu dessa mistura volátil e espargiu as sementes do Universo em que vivemos."

Big Bang: a panela explodiu.

Essa a teoria do Big Bang, a primeira que surgiu no vácuo deixado pelo destronado Universo estático de Aristóteles, Newton e Einstein.

- A teoria parece mirabolante, mas estaria correta?

- Ninguém estava em condição de garantir nada, naquele ano de 1927.

- Na ciência as teorias têm de ser testadas e provadas, sob pena de descambarem para a poesia.

Então, vale a pena continuar a viagem, para ver como a coisa se resolveu...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

DEVANEIOS DE UM ESPECULADOR

Quem é Al Pacino?

Sou um vitorioso de Wall Street. Ninguém entende mais do que eu de ações e de Índice Filadélfia de Semicondutores, nem de Nasdaq, mercado futuro, margens, opções e derivativos. Adivinhei que a Cisco e a Juniper iriam dar a grande virada e por isso, só por isso, acabo de ganhar doze milhões e trezentos e dezessete mil dólares, em menos de 24 horas. Em menos de 24 horas, senhoras e senhores!

- Show me the money! Show me the real money!


Saio da Bolsa de Nova York e caminho, quase no automático, até o 696 da Madison Square, o restaurante Nello. Gostaria de ver a cara da Glorinha, se me visse agora, ela que me trocou pelo otorrinolaringologista. Acomodo-me na mesa mais discreta e peço ao maître que ofereça vinho e destilados aos demais clientes do restaurante. Gosto de sentir a alegria inocente do povo.

- Oferecer, como?

- Ofereça, senhor, ofereça.

- Até para Al Pacino?, indaga-me o maître, apreensivamente, mas cheio de curiosidade.

- Não sei quem é Al Pacino, respondo, mas pode servir à vontade.

Os clientes percebem que sou um ganhador. Dinheiro para esse cara é artigo abundante, como areia na praia. Caminhões e caminhões de areia, da grossa. Enquanto uns optam pelo Lafite Rothschild 1982, outros pedem o Chateau Margaux 1995. Será que a Glorinha toma vinhos, assim, de responsabilidade?

- São vinhos de mais de mil dólares a garrafa, observa o maître.

- Sirva a dezessete graus Celsius, por favor.

-Dezessete graus Celsius?

- Sim, equivalentes a pouco mais de 62 graus Fahrenheit.

Todos me olham perplexos e agradecidos, mas não lhes dou atenção.

- E para o senhor?

- Peito de frango grelhado, legumes na água e sal e uma garrafa de água mineral, sem gás. De sobremesa, uma fatia de mamão bem maduro. Sim, papaia, sim, sim.

Terminada a refeição, assino um cheque em branco.

- Preencha-o no valor da conta, acrescentando-lhe uma gorjeta de vinte mil dólares.

- Vinte mil dólares? Nem o Rockfeller dá gorjetas assim...

- Rockfeller, só conheci um, o John, que tinha o péssimo hábito de discutir a conta do almoço com o garçom.
O problema dele foi a Lei Shermann. Pobre John...

- Sim, senhor.

- Tenho a lei a meu lado e não me humilho com ridicularias.

Antes de sair, sou efusivamente cumprimentado por Alberto de Mônaco, que é ruim de mulher e sempre paquera por aqui, e dou um autógrafo para Julia Roberts, que, se não me engano, faz tudo por dinheiro. Menos beijar na boca...
Isso aqui já foi mais discreto. É sempre assim... a populaça vai se assenhoreando de tudo, de modo que é inútil e até despiciendo exigir discrição e privacidade.

Ornitorrincolaringologista

- Se tivesse me trocado por um aspirante a oficial, vá lá, mas um otorrinolaringologista!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

DENTRO E FORA, COMO PODE?

Paradoxo de Creta

Lado leste de Creta

No século VI a. C., o cretense Epimênides fez uma declaração, conhecida como "paradoxo de Creta" ou "paradoxo do mentiroso":

- Todos os cretenses são mentirosos.

Essa afirmação consta da Bíblia, Novo Testamento, Epístola a Tito, 1:12. A declaração é verdadeira ou falsa? Sendo Epimênides, ele próprio, um cretense, não se pode responder nem sim nem não, pois, sendo verdade o que disse, a afirmação é falsa. Se o que disse for mentira, a afirmação é igualmente falsa.

- Os que lerem a Epístola não têm como saber, pois estarão diante de uma questão paradoxal e indecídivel.


Epimênides

- Os cretenses são mentirosos.

Eubúlides de Mileto viveu no século IV a. C. e era rival e desafeto de Aristóteles, cujos silogismos ridicularizou publicamente. É de Eubúlides uma formulação com resultado tão paradoxal como o da afirmação de Epimênides:

- Um homem diz que está a mentir. O que ele diz é verdade?


Se for verdade o que diz, a mensagem é falsa. Se for mentira, a mensagem também é falsa.

- Impossível responder
.

Groucho Marx

Muitos consideram uma variante do mesmo paradoxo a famosa declaração do comediante Groucho Marx, explicando sua exigência e dificuldade para associar-se a um clube:

- Jamais pertencerei a um clube que tenha o descuidado de aceitar-me como sócio.


A provocação de Churchill

Winston Churchill certa vez dirigiu a um desafeto a seguinte pergunta:

- Você ainda tem o hábito de roubar?

Churchill

O pobre adversário não pôde responder nem sim, nem não, pois por qualquer escolha estaria admitindo sua desonestidade.

Consequência das afirmações indecidíveis


Gödel

Em 1931 o matemático checo Kurt Gödel, tomando por base os paradoxos de indecidibilidade, que em conjunto são chamados de Paradoxo de Russell, demonstrou que muitas afirmações matemáticas verdadeiras não são passíveis de ser provadas; são as chamadas proposições indecidíveis ou não demonstráveis. A demonstração de Gödel derrubou a teoria, sustentada pelo eminente matemático alemão David Hilbert, de que toda verdade matemática pode ser provada a partir de axiomas básicos.

Christian Goldbach

Há, pois, verdades matemáticas que nunca serão provadas, e este pode ser o caso da Conjectura de Goldbach: "todo número par, a partir de quatro, pode ser reduzido à soma de dois primos". Exemplos:

20 = 7 + 13

80 = 19 + 61

120 = 11 + 109
Carta de Goldbach a Euler, propondo a conjectura

A conjectura foi proposta por Christian Goldbach a Euler em 1742. Nunca foi encontrada nenhuma exceção para a mesma, mas ninguém conseguiu prová-la. Resposta de Euler:

- Acho que você está certo... Os números pares são infinitos, e só uma prova transformará essa "conjectura" em " teorema". Mas não sei como fazer a demonstração.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

FUI AO TEXAS E VOLTEI CASADO

Uma primavera universitária

Universidade do Texas, em Austin

Era a nossa primeira aula na Universidade do Texas. O professor Burford, comentando o teste de suficiência, revelou que dois alunos haviam se confundido na interpretação da terceira questão. Pelo mesmo e prosaico motivo: dificuldades com o idioma inglês. Ambos brasileiros, ambos recém-chegados a Austin, esta cidade generosa que acolhe tantos estudantes estrangeiros.

- Um deles é este aqui, disse Burford, apoiando a mão sobre meu ombro, e ele se chama Carlos Auvergne de Carvalho. The quick brown fox jumps over the lazy dog e, não obstante, o senhor não soube o que eu quis dizer com "dummy variable". Veja só!

Um vexame que nem cheguei a padecer, pois o professor, deslocando-se para o outro lado da sala, apontou para a bela jovem de saia negra e casaco cinza. Foi naquele momento que a vi pela primeira vez.

- Cecília, Cecília Lafayette de Castro.

Cecília

O aplauso de toda a turma era uma demonstração de solidariedade, que ela agradecia cheia de modéstia, mas com sorriso cativante. Um tributo à sua extraordinária beleza, pois, se assim não fosse, teriam me aplaudido também, por que não?
Importante é que eu já não estava só naquele mundo estrangeiro, cujo sotaque eu decifrava com dificuldade e ouvido incompetente. No Union's, o restaurante do campus universitário, ela me explicou que era arquiteta por formação, mas tinha a ambição de ser estilista.


- The quick brown fox jumps over the lazy dog, o que é isso?

- A ligeira raposa marrom pula sobre o cão preguiçoso. É uma frase que contém todas as letras do alfabeto inglês, usadas nos testes relacionados com as máquinas de telégrafo. Essa frase faz parte do show do Burford, que viu em nós, estrangeiros, o pretexto para dizer que o inglês se espalha galhardamente por aí, em todas as bibliotecas do mundo, usando não mais que escassas 26 letras. Daí a estranheza com alunos graduados que não sabem o que é dummy variable. Já pensou na tragédia que será alguém morrer sem saber o significado de dummy variable?

- Ou seja, isso de não saber inglês é pura negligência... Devemos reconhecer, todavia, que ele foi atencioso conosco, pois, seja como for, fomos apresentados à turma.

- Sem dúvida... Mas, voltando à raposa, será que ele sabe português? São apenas 23 letras, se não estou enganada.

- Apenas 23, sim, mas suficientes para escrever os Lusíadas.

- E as crônicas do Rubem Braga...

- Mudando de assunto, Cecília, por que uma estilista tem de estudar estatística?

Curva normal, de Gauss

- Porque trabalha com moda.

- Um trocadilho?

- Onde você acha que os estatísticos foram buscar sua noção de moda? A moda, a das roupas, tem tudo a ver com amostragem, média, mediana, momentos, desvio padrão...

- É, basta ter uma distribuição de freqüências.

- E você, por que está aqui, na Universidade do Texas?

- Bem, sou engenheiro recém-formado e cumpro um treinamento de três meses, a serviço da WED.

- WED?

- Sim, W-E-D, Western Energy Development.

Cecília e eu decidimos estudar juntos e, entre histogramas, regressões e números-índices, tive a percepção de que estávamos construindo uma parceria vitoriosa, que iria para além de uma primavera universitária no Texas. Acertei, pois logo estávamos namorando, e morando juntos, perfeitamente integrados um ao outro. Terminado o curso, visitamos Nova Orleans, San Francisco e Nova York, antes de voltar para o Rio de Janeiro.

- Se você quiser, Cecília, podemos duas coisas.

- Acho que podemos mais do que duas coisas, Carlinhos.

- Sim, mas quero me referir a duas delas, muito específicas e fundamentais. A primeira é estabelecer um binômio para nós, lealdade e generosidade.

- Muito justo e pertinente. E a outra?

- É a gente se casar.

Ela topou, que esse era também o seu desejo.

- Mas, quando?

- Agora, que a burocracia virá depois.