segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

CORA CORALINA

Oração do Milho

Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.
Alimento dos porcos e do triste mu de carga.
O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor, que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho.

Cora Coralina (1889-1985)

domingo, 14 de dezembro de 2008

A IMAGEM DO UNIVERSO (8/n)

A flecha que voa, mas não voa

Tales, Anaximandro, Anaxímedes, Heráclito, Pitágoras, Filolau, Empédocles e Demócrito são considerados tanto cientistas quanto filósofos, caracterizando uma época em que a Física se identificava com a Filosofia, tanto que por muito tempo foi chamada de Filosofia Natural.
Zenão de Eléia
Parmênides de Eléia
Na fase pré-socrática, houve, porém, filósofos que não são arrolados por nenhum fato científico específico, como são os casos de Parmênides (cerca de 530 - 460 a.C.) e seu discípulo Zenão (cerca de 504- 430 a. C.), ambos de Eléia (atual cidade italiana de Vélia).
Parmênides, que escreveu um poema filosófico,“Sobre a Natureza”, preocupava-se em provar a superioridade racional do mundo e em negar a veracidade das percepções sensoriais, opondo-se ao dualismo pitagórico (ser e não-ser, cheio e vazio, claro e escuro... ) e à fluidez defendida por Heráclito.
O poema,
na primeira parte, trata da verdade, e, na segunda parte, da opinião:

"Verdade é a convicção baseada em argumentações racionais, ainda que estas pareçam estar em desacordo com a percepção dos nossos sentidos; opinião é a crença em dados percebidos pelos nossos sentidos, mesmo que nos pareçam certos e evidentes."

Aforismos de Parmênides

“O que é, é; o que não é, não é.”

“O não-ser não é jamais pensável.”
ou
“É impossível pensar o nada; logo, a escuridão e o silêncio não existem.”

Vélia, Itália: antiga Eléia

Movimento

Zenão especializou-se em defender os pensamentos de Parmênides, basicamente negar o que dizem os nossos sentidos. Não existe o movimento, entendido como a passagem de um corpo da situação de “estar em um lugar” para a de não-estar-mais naquele lugar”, assim como não existem o tempo, a velocidade e o espaço.
Respondia aos críticos com argumentos que mostravam as contradições do pensamento objetivo, mediante aporias (becos sem saída) e paradoxos. A seguir, dois argumentos de Zenão contra o movimento:

(1) Suponhamos que um móvel, saindo do ponto A, se destine a atingir o ponto B. Tarefa impossível! Pois, antes de atingir B, o móvel deve atingir a metade da distância entre A e B, o ponto C; antes de atingir C, o móvel deve atingir a metade do caminho entre A e C; e assim sucessivamente, até o infinito. Ou seja, o móvel não pode cumprir o depois, que é chegar ao ponto B, porque tem infinitas tarefas a cumprir. Infinitas!

(2) Um objeto está em repouso quando ocupa um espaço igual às suas dimensões. Logo, uma flecha que voa está em repouso, porque, no vôo, a flecha ocupa em qualquer instante um espaço igual às suas dimensões.

Paul Valery

Os paradoxos de Zenão foram considerados extremamente sutis por Bertrand Russell (um especialista, criador do famoso "paradoxo de Russell"), e alguns filósofos chegaram a afirmar que não podem ser resolvidos. Paul Valery (1871-1945), um poeta que tinha interesse em música, matemática e filosofia, também se encantou com os jogos intelectuais de Zenão. No seu celebrado poema “Le cimetière marin”, Valery invoca o paradoxo da flecha em admiráveis versos decassílabos:

Zénon! Cruel Zénon! Zénon d'Êlée!
M'as-tu percé de cette flèche ailée
Qui vibre, vole, et qui ne vole pas!
Le son m'emporte et la flèche me tue!

(Zenão! Cruel Zenão! Zenão de Eléia!
Tu me feriste com esta flecha alada,
Que vibra, voa e todavia não voa.
O som me azucrina, e a flecha me mata!)

Absurdo

- Seu paradoxo não tem correspondência na realidade, disse um vizinho a Zenão. Todos sabemos que a flecha disparada sempre sai de um ponto e alcança outro, ou seja, há algo errado no seu raciocínio.

- Não basta apontar o absurdo, temos de explicá-lo. É o que faço nas minhas aporias, demonstrando que a pluralidade não existe e a mudança é impossível.

sábado, 6 de dezembro de 2008

A IMAGEM DO UNIVERSO (7/n)

O UNIVERSO PITAGÓRICO

Pitagóras e seus seguidores dividem o cosmos em duas regiões, uma sublunar, sujeita a transformações, e outra, supralunar, divina e incorruptível. Embaixo da Lua, o mundo caracteriza-se pelas alterações, movimentos violentos e trajetórias imperfeitas, sendo regulado por leis físicas, ou seja, seus fenômenos são determinados por causas naturais; acima da Lua, o que há é o mundo dos astros, divino, perfeito, dos movimentos circulares, invariável e eternamente igual a si mesmo.
Essa concepção será posteriormente assumida por Aristóteles, que considera o mundo sublunar
composto pelos quatro elementos, terra, ar, fogo e água, da teoria de Empédocles. Para Aristóteles, na região supralunar os astros são constituídos do éter ou "quinta-essência".

As concepções dos Pitagóricos sobre o Universo enquadram-se nas suas idéias religiosas. Deus é um geômetra identificado com a perfeição, e esta se reflete na estrutura perfeita do mundo, de proporções matemáticas. Para eles, os sete “planetas” (aí incluindo-se o Sol e Lua) e a esfera das estrelas fixas giram em círculos, em torno da Terra, que permanece, imóvel, quieta, quieta, na sintaxe do Universo.
A idéia do círculo, assumida posteriormente por Platão, iria prevalecer até o advento das Leis de Kepler, estabelecendo diversamente e de maneira definitiva que os planetas não descrevem órbitas circulares, mas elípticas, tendo o Sol permanentemente como um dos focos.

A música celestial

Pitágoras entende que os planetas tocam uma música celestial, produzida por cordas sonoras definidas pelas distâncias planetárias, que os humanos (à exceção do próprio Pitágoras) não conseguem ouvir por estarem imersos na harmonia divina.
Os planetas "dançam" ao som dessa música. As relações musicais eram definidas da seguinte forma:

- entre a Terra e a Lua, o intervalo musical é de um tom;
- entre Marte e Júpiter, de um semitom;

- entre Júpiter e Saturno, de um semitom;

- entre Saturno e a esfera das fixas, de uma terça menor.


Música celestial

Além disso, na concepção pitagórica, as separações entre as órbitas planetárias obedecem a alguma lei matemática, a ser descoberta, idéia que perdurou por muitos séculos. O próprio Johannes Kepler descobriu as leis dos movimentos dos planetas quando fez uma quantidade formidável de cálculos, na tentativa de relacionar matematicamente suas distâncias com os cinco sólidos platônicos, cujas arestas formam polígonos planos regulares congruentes: tetraedero, cubo, octaedro, dodecaedro e icosaedro.
Os Pitagóricos também defendiam a esfericidade da Terra, pelo só motivo de que a esfera é perfeita, no que se valiam também dos relatos das observações dos navegantes de longo curso.

Filolau

Não obstante, o pitagórico Filolau decidiu tirar a Terra do centro do Universo. Dele sabe-se muito pouco: nasceu em Crotona, pelos meados do século V a. C., era médico e astrônomo e foi mestre de Demócrito e Arquitas. Escreveu um livro, do qual restaram poucos fragmentos, tratando-se do primeiro escrito sobre o pensamento pitagórico. Esse livro teria tido grande influência sobre Platão, que o adquiriu por quarenta minas.
Escreveu Filolau:

"Tudo que é conhecido tem número;
nada é possível pensar ou conhecer sem ele."


Filolau concebeu um sistema cosmológico em que a Terra não era imóvel, nem o centro do mundo. Para ele, a Terra "dança" pelo cosmos, tanto quanto a esfera das fixas e os sete "planetas" (incluídos o Sol e a Lua), ao redor de um fogo central (que chamou de Héstia).
Seu sistema tem, inicialmente, a Terra, mais sete "planetas" e mais a esfera das fixas, num total de nove astros. Para chegar a dez, número da perfeição, Filolau acrescentou um astro simétrico à Terra, a Antiterra, que não vemos porque gira com a mesma velocidade daquela, no lado oposto do fogo central.
Ao estudar posteriormente o sistema de Filolau, Platão abandonou a idéia da Héstia e da Antiterra, recolocando a Terra no centro do mundo e devolvendo-lhe a imobilidade.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

ÚLTIMO TEOREMA DE FERMAT (1/2)

PIERRE DE FERMAT

Filho de um próspero negociante de peles, Pierre de Fermat nasceu em 20 de agosto de 1601, na cidade de Beaumont-de-Lomagne, no sudoeste da França. Após estudar num Convento Franciscano, Fermat freqüentou a Universidade de Toulouse, mudando-se a seguir para Bordeaux e depois para Orleans, onde se formou como advogado. Em 1631 tornou-se Conselheiro da Câmara de Requerimentos do Parlamento de Toulouse, dedicando-se a prestar serviços como juiz. Morreu na cidade francesa de Castres, em 1665.

Fermat

Sempre pode ocorrer a um juiz ter de julgar causas de eventuais amigos e, para fugir desse constrangimento, Fermat preferia viver isolado, para não fazer amigos. Era um gênio retraído, que falava fluentemente Francês, Italiano, Espanhol, Latim e Grego, e dedicava seu lazer à matemática, formulando ou decifrando quebra-cabeças, com uma eficiência tão grande que E. T. Bell chamou-o muito adequadamente de "o príncipe dos amadores".
Fermat não gostava de falar de si próprio, nem se interessava em publicar seus estudos, tendo certa vez dito para Blaise Pascal:

- Eu não quero meu nome associado a nenhum dos meus trabalhos.

Divertia-se com discutir suas descobertas por correspondência com outros matemáticos, entre os quais Beaugrand, Carcavi, Brulart de Saint Martin, Mersenne, Roberval, Pascal, Huyghens, Descartes, Frénicle, Gassendi, Lalouvere, Torricelli, Digby e Wallis. Provocava-os com problemas difíceis, cuja solução dizia possuir.
No final de sua vida Fermat chegou à conclusão de que teria sido mais útil à humanidade se tivesse escolhido a matemática por profissão, e, antes de morrer, declarou:

- Valha-me Deus, pois não fui ninguém.


Gênio e disputas

Não obstante esse juízo auto-depreciativo, Fermat está incluído na categoria dos gênios: estabeleceu os fundamentos da Geometria Analítica, ao mesmo tempo que Descartes, construiu, em estreita colaboração com Blaise Pascal, as bases do Cálculo das Probabilidades, desenvolveu um método para cálculo de máximos, mínimos e tangentes de linhas curvas, resolveu inúmeros problemas de cálculo numérico e deu importante contribuição à Física, seja estudando a trajetória dos corpos em queda livre ou estabelecendo os princípios da ótica geométrica.
Isaac Newton, que algumas décadas mais tarde desenvolveu os fundamentos do cálculo infinitesimal, afirmou, em nota encontrada por Louis Trenchard Moore em 1934, que baseou seus estudos no “método do senhor Fermat para resolver os problemas das tangentes.”
Fermat feriu susceptibilidades e angariou inimigos poderosos. Um deles foi o próprio Descartes, para quem o trabalho de Fermat sobre máximos, mínimos e tangentes empanava o brilho da sua “Geometria Analítica”, que anunciara como prova da validade do “Discurso sobre o Método”. Como se isso não bastasse, Fermat viu erros em trabalhos de Descartes sobre a lei da refração da luz. A reação de Descartes foi investir contra o método de Fermat para obter máximos, mínimos e tangentes e contra seus estudos sobre a ciclóide, além de tachá-lo de “fanfarrão”. Os matemáticos importantes ficaram divididos entre Descartes e Fermat, com tendência favorável a Descartes, que era uma celebridade nos campos da ciência e da filosofia, enquanto Fermat não passava de um intruso diletante.


O famoso teorema

Diophantus de Alexandria, que viveu por volta do Século II, é considerado um dos maiores matemáticos de todos os tempos, e seu livro, "Aritmética", equivale em importância aos "Elementos", de Euclides. Infelizmente, porém, apenas seis dos seus treze volumes sobreviveram à tragédia da Biblioteca de Alexandria.

Aritmética, de Diophantus

Fermat estudou teoria dos números na versão latina do livro de Diophantus, preparada por Claude Gaspar Gachet de Méziriac, edição de 1631, rabiscando em suas margens observações que iriam dar um novo impulso à matemática. Muitas dessas notas só se tornaram conhecidas após a morte de Fermat, publicadas em 1670 por seu filho Clément-Samuel, numa compilação que recebeu o título de “Varia Opera Mathematica”.

Uma dessas observações constitui o Último Teorema de Fermat. Trata-se de um enunciado que, expresso em termos familiares, estabelece que você pode encontrar um quadrado que seja a soma de dois quadrados, e contente-se com isso, pois nunca encontrará um cubo que seja a soma de dois cubos, um número à quarta potência que seja a soma de dois números cada um dos quais elevado à quarta potência, e assim por diante.

- A igualdade xn + yn = zn nunca será possível para n maior que 2.

Para n=1, a igualdade se reduz a uma soma de números inteiros, sempre possível. Para n=2, configurando uma soma de dois quadrados igual a um terceiro quadrado, essa possibilidade existe até como conseqüência do Teorema de Pitágoras, conhecido desde a Antigüidade, pelo qual, num triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Por exemplo, 25, que é o quadrado de 5, é igual à soma de 16, que é o quadrado de 4, e de 9, o quadrado de 3. Não por outra razão, um triângulo retângulo pode ser construído com hipotenusa 5 e catetos 3 e 4. Da mesma forma, 169 é a soma de 144 e 25, sendo os três números, pela ordem, quadrados de 13; 12; e 5, respectivamente hipotenusa e catetos de um triângulo retângulo.
Fiquemos por aí, diz o teorema de Fermat, pois a igualdade nunca se verifica para n maior que 2.
Foi nas margens do Livro II da "Aritmética", de Diophantus, que Fermat escreveu:

- Eu tenho uma esplêndida demonstração para essa proposição, que infelizmente não cabe nesta pequena margem.

Em busca da demonstração

Gauss

Todo teorema tem a sua demonstração, e enquanto esta não for obtida, a proposição envolvida não passa de uma conjectura. Como classificá-la, porém, em caso de demonstração existente, mas desconhecida, como a de Fermat? Reproduzir a perdida demonstração de Fermat, convalidando a impossibilidade por ele suscitada, passou a ser uma obsessão dos matemáticos, muitos dos quais interessados nos prêmios honoríficos, além de 3.000 francos que no Século XIX a Academia Francesa de Ciências oferecia a quem encontrasse a solução.

Evariste Galois

Entre os matemáticos que tentaram demonstrar o Teorema, estão nomes ilustres, como Euler, Legendre, Dirichlet, Christian Goldbach, Sophie Germain, Gabriel Lamé, Augustin Cauchy, Ernst Kummer e o jovem Evariste Galois, que morreu num duelo, em 1832, segundo se diz após passar a noite tentando encontrar a demonstração do teorema. O alemão Carl Friedrich Gauss, considerado por muitos o maior de todos os matemáticos, dizia não ter interesse no Último Teorema de Fermat, embora alguns historiadores suspeitem de que, secretamente, ele tentou obter a sua demonstração.
(continua)