quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O AMANTE DE RITA HAYWORTH

Um jantar no Humphrey's

Guido Salvatore mudara-se para os Estados Unidos havia mais de meio século e estava agora no Brasil para ver os parentes em São Paulo e “despedir-se dos amigos”. Amigo do velho Pastascciuta, quis conhecer Estevinho e convidou-o para um jantar no Humphrey's. Ao fim e ao cabo, acabou sendo um programa divertido. Pois, dos aperitivos à sobremesa, foram histórias que deixaram Estevinho impressionado.

Os maridos de Rita Hayworth

Guido começou nos Estados Unidos como mecânico de automóveis, passando depois para o ramo de barcos. Montou, com o progresso das suas atividades, um próspero negócio de compra e venda de iates, com filiais em oito cidades da Califórnia.

Importante, porém, é sua história com Rita hayworth, a quem foi apresentado numa festa em San Francisco, no ano de 1955, logo depois que ela se separou do cantor Dick Haymes.

- Dick Haymes foi o seu quarto marido. Antes fora casada, sucessivamente, com Edward Judson, por seis anos, com Orson Welles, com o qual viveu cinco anos, e, após, com o príncipe paquistanês Ali Khan, um louco casamento de quatro anos, que lhe deu a filha Yasmin. Em 1953, casou-se com o cantor Dick Haymes e com ele viveu até 1955.

- Ela também teve uma filha com Orson Welles, não teve?

- Rebecca Welles,
que então tinha apenas dez anos, ela que se tornou minha amiga por toda a vida. Fui padrinho do seu casamento, com o escultor Perry Moede, em 1970.

- Em 1955, quando você a conheceu, Rita já era uma atriz veterana. "Sangue e Areia", "Gilda", "Madame Shangai", "Salomé"...

- No entanto, Rita tinha então 37 anos e eu, apenas 28. Começamos um namoro que se tornou muito sério, uma paixão incontida.

Um mitômano acredita nas próprias mentiras, pensou Estevinho. Mas é divertido conhecer as construções e torneios que faz para coonestar-se, a si próprio, e não deixar a mentira ruir.

- Você e a Rita andavam juntos em público?

- Não, que isso era complicado. Era muito preocupada com o que se publicava a seu respeito e estava traumatizada com os quatro casamentos fracassados. Tinha arrepios quando se lembrava de Edward Judson. Não sei, mas houvera, vinte anos antes, um problema meio nebuloso envolvendo Edward Judson e o diretor do filme “Old Louisiana”, que se chamava Irving. Naquele ano de 1937, Rita Hayworth ainda era Rita Cansino.


- Alguma coisa muito grave...


- Não subestime a falta de escrúpulos do Judson, dizia-me ela. Mas nunca me explicou o que realmente aconteceu.


Paixão avassaladora
- Você pensou em casar-se com ela?

-
Eu nutria por ela uma paixão avassaladora.“Você está apaixonado pela Gilda”, dizia-me ela, com aquele olhar triste e enviesado. Chegamos a pensar numa união mais séria, mas acabamos desistindo. No total, ficamos juntos dois anos. Rompemos em 1957, pouco antes de ela conhecer James Hill, seu último marido. Lembro-me de que nos afastamos quando participava de "Separate Tables", um filme com David Niven, Deborah Kerr e Burt Lancaster, do diretor Delbert Mann, o mesmo que anteriormente havia filmado "Marty", premiado com a Palma de Ouro, em Cannes, e com o Oscar de melhor diretor, em Hollywood.

- I love you too, Guido...

- Você nunca mais a viu?

- Nós nos falávamos pelo telefone. Depois disso só a vi pessoalmente na formatura da Rebecca, na universidade de Puget Sound, na cidade de Tacoma, e depois, claro, no casamento da Rebecca. A Rita morreu em 1987, vítima do mal de Alzheimer.

- E a Rebecca?

- Morreu recentemente, em 2004, com apenas 60 anos. Uma pena. Tive pouca intimidade com Yasmin Aga Khan, a outra filha, mas sei que se dedica à filantropia, arrecadando fundos para as pessoas portadoras do mal de Alzheimer.

- A doença que vitimou a mãe.


Muito divertida

- Estevinho, você acreditou nessa história?

- Claro que não. Mas, convenhamos, é muito divertida.


sábado, 25 de outubro de 2008

A IMAGEM DO UNIVERSO (1/n)

REPRESENTAÇÕES DO UNIVERSO

Preocupado em saber sobre sua origem, condição e destino, o homem sempre especulou sobre a imagem do Universo. A esse fim, os estudos astronômicos eram já notáveis no âmbito
das grandes civilizações do Crescente Fértil, incluindo o Egito e a Mesopotâmia, três mil anos antes de Cristo, passando depois pelos gregos e tomando grande impulso com as descobertas revolucionárias de Copérnico, Galileu, Kepler e Newton. Até que se chegou à concepção de que o Universo teve um início compacto, quente e denso e expande-se há mais de dez bilhões de anos.
Eis um passeio que vale a pena fazer, desde as concepções babilônicas, em que o Universo tinha três andares, como nesta postagem, até o contemporâneo conceito do Big Bang, que detonou o "Átomo Primordial" e permitiu a formação das estrelas, planetas, quasares e buracos negros.

Johannes Kepler (1571-1630)

Muitos historiadores defendem que há uma estreita correlação entre a imagem que uma sociedade faz de si mesma e a que ela confere ao Universo, o qual, nas concepções mais antigas, era limitado à Terra, planetas e seus satélites e às estrelas visíveis, como no modelo proposto por Aristóteles, com a Terra no centro do Universo, que prevaleceu durante quase vinte séculos.
Depois, mesmo antes de Newton, o Universo tornou-se infinito, tanto quanto o espaço e o tempo.

- Oh, Deus! Eu poderia estar encerrado numa casca de noz e, ainda assim, considerar-me rei do espaço infinito, se a mim não me coubessem tantos pesadelos.
("Hamlet", Cena II, Ato II)

Na concepção atual, a do Big Bang, o Universo é considerado finito, não obstante suas proporções inimagináveis, com 10 bilhões de trilhões de estrelas, distribuídas em cerca de cem bilhões de galáxias. Nossa intenção é fazer um exame de algumas das concepções e representações do nosso mundo, num trabalho de compilação destituído de rigor científico, numa série de postagens semanais.

Os astrônomos da Mesopotâmia

Mesopotâmia

São chamadas de civilizações do Crescente Fértil aquelas da Antigüidade que se desenvolveram nas regiões atravessadas pelos grandes rios do Oriente (Nilo, o Tigre e o Eufrates), que levam abundância e riqueza para o meio do deserto, com destaque para a Mesopotâmia, sucessivamente habitada pelos sumerianos, acádios, babilônios, assírios, elamitas e finalmente pelos cadeus ou novos babilônios. Eram impérios centralizados, com reis que se confundiam com deuses e eram assessorados por sacerdotes, que monopolizavam todo o conhecimento.
Alguns sacerdotes babilônios eram astrônomos, encarregados de organizar o calendário para orientar as tarefas agrícolas e estabelecer as datas das festas religiosas - ao inventar a agricultura, o homem passou a ter a necessidade de plantar e colher nos momentos adequados. O calendário do céu, as fases da lua, a posição dos astros, as estações e a variação dos dias e das noites, tudo passava a ser fundamental para a vida das pessoas.
Tornando-se cada vez mais competentes, os sacerdotes-astrônomos eram capazes de antecipar as posições do Sol e da Lua e de fazer previsões de eclipses. Deles é que veio a descrição do céu que predominou durante muito tempo e a concepção de que o mundo era pequeno, fabuloso, dominado pelos deuses que se manifestavam mediante fenômenos naturais e no qual o homem desempenhava um papel central.


Torre de Babel (Pieter Bruegel)

Eles colhiam suas observações de observatórios conhecidos como zigurates, que eram torres quadradas de sete andares. Costuma-se explicar os sete andares das torres pela correlação com o número de "astros errantes" (planetas) então conhecidos: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno. O mais famoso zigurate foi a Torre de Babel, construída na cidade de Babilônia, o centro cultural da Mesopotâmia. Para a Bíblia, a Torre de Babel era o símbolo da presunção humana, no seu delírio de alcançar o céu.

Astrologia


E no céu havia ainda o espetáculo mítico e a imagem da imortalidade. Um subproduto desse conhecimento astronômico foi, com efeito, a edificação de um fantástico esquema de astrologia, pois se acreditava que os astros controlassem os destinos humanos. Notáveis eram os astrólogos caldeus, com predições que se referiam apenas à coletividade e ao rei, pois não se ocupavam, como atualmente, do destino dos indivíduos em função de sua data de nascimento. Foram os sacerdotes babilônios que fizeram o inventário das constelações do zodíaco, com sua divisão em doze signos, de trinta graus cada um, que serviam como referência para acompanhar a progressão dos planetas ao longo do ano.

A Imagem do Mundo para os Babilônios

Ter uma concepção acerca do Universo, mesmo de forma rudimentar, implica construir um modelo a partir da observação, acumulando informações sobre a trajetória do Sol, as fases da lua, a rotação de céu noturno, a mudança do clima, eventos que estão ligados ao cotidiano das pessoas e as orientam no espaço e no tempo.
Nem importa que as informações se misturem aos mitos - o modelo de uma época é o que se pôde elaborar nessa época.
A concepção dos babilônios sobre o mundo foi uma das mais importantes formulações da Antigüidade sobre o Universo, tendo por núcleo uma caixa, cujo fundo era a Terra. A Babilônia situava-se no centro da Terra, que era como um disco plano flutuando sobre o oceano, além do qual se seguiam montanhas celestes, que suportavam o Céu.

Deus Anu

Acima da Terra, estava o Céu, onde residia o grande deus Anu, e, embaixo, os infernos. Essa disposição vertical, em três andares, reflete a hierarquização dos personagens: o deus acima dos homens e estes, acima dos condenados.
(continua)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A HISTÓRIA DE UM TESTE (3/3)

SACAÇÕES RECIPROCADAS

Ingrid
acudiu-me com a notícia boa, e eu nem me lembrava do teste.

- Você a
rrebentou!

- Minha preferência e opinião foram aprovadas?

- O departamento de pessoal, o Depes, viu cultura assentada na frase preferida e
uma formulação extraordinária na questão opinativa.

- Formulação extraordinária, como assim?

- Ninguém contrapôs Fernando Pessoa a Einstein, antes de você.

- Mas eu não contrapus...


- Contrapôs, sim, com toda a propriedade. O DI...


- DI?


- Departamento de Inteligência. O DI deu um parecer reconhecendo que você tem toda a razão, pois o Livro do Desassossego e a Teoria da Relatividade constituem as duas sacações reciprocadas mais importantes do século XX.


- Sacações reciprocadas?

- Sim, Frank. O Livro do Desassossego é o contraponto literário da Teoria da Relatividade. Veja só esta passagem do Pessoa: " tudo que é alto passa alto e passa; tudo que é de apetecer está longe e passa longe". Não tem cara de relatividade poética e de poesia relativística?

Há muita coisa errada nesssa avaliação, que extrapola perigosamente todos os limites razoáveis. Não posso deixar prosperar esse julgamento incompetente, que me supervaloriza, pois adiante me cobrarão por isso.

- Não sei se o DI está de gozação, ou se falando sério. Apenas disse despretensiosamente, e sob a pressão de parecer que tinha uma opinião, que Fernando Pessoa e Albert Einstein eram grandes pensadores, mas não me ocorreu sugerir nenhum contraponto à Teoria da Relatividade, muito menos um contraponto literário. Não tenho capacidade, nem embocadura, nem aptidão, para fazer correlações dessa magnitude. A bem da verdade, nunca ouvi falar em sacações reciprocadas.

- Ora, Frank...

- Se há sacação reciprocada entre Einstein e Pessoa, trata-se de um caso típico de serendipidade, exatamente como nas descobertas da penicilina e do viagra.

- Serendipidade, qual nada, mérito seu. Não seja assim modesto. Outra coisa: quem é Zé?

Houve por aí o Zé da Zilda, o Zé Alencar e o Zé de Alencar, o Zé de Anchieta, o Zequinha de Abreu, tanto quanto o Zé de Abreu, o Zé do Patrocínio, o Zé Maria lateral, o Zé Kéti, o Zé Bonifácio de Andrada e Silva, o Zé Boquinha, o Zequinha Sarney, o Zé Trindade, o Zé de Arimatéia, o Zé Bové, a Maria José, Zeca Pagodinho e Zeca Camargo, Zé de Habsburgo, Paulo José, São José e inúmeros outros Zés, notórios e qualificados. Quem vai se interessar por um Zé que foi somente Zé? O melhor é dizer que o Zé é um modelo, um protótipo, encerrando o assunto sem maiores tergiversações.

Zé do Caixão

- Ingrid, é melhor esquecer o Zé.

- Esquecer?

- Esquecer, pois o Zé é um arquétipo, não um indivíduo em particular. Quis apenas fazer uma modesta homenagem aos homens inteligentes, grandes pensadores, que atravessam a existência no mais puro anonimato e perdem-se na primeira esquina do tempo. Ou, por outra, foi uma maneira de manifestar que houve numerosos grandes pensadores e que nomear três, sobre arriscado, não deixa de ser uma temeridade e, mais que isso, uma injustiça com milhares de pessoas extraordinárias cujos nomes simplesmente desconhecemos.

- Sem dúvida.
- Aquele pedaço de osso...

- É impossível saber qual pessoa pensou mais, não é óbvio? Como ter certeza de que não pensou mais o homem primitivo que primeiro pôs-se de pé ou aquele que usou pela primeira vez um pedaço de osso para defender-se? Ou o que percebeu a conveniência de usar o pedaço de osso como alavanca, para remover obstáculos e levantar pesos? E o outro, na imensidão do passado, que inventou a roda, combinando-a com a alavanca para formar o veículo, ou seja, a máquina de transportar? Como descartar os homens que inventaram o papel, a máquina a vapor, o guarda-chuva, os números indo-arábicos e o zero, a luz elétrica, o automóvel, a regra de Chió, o avião, o rádio, a bola de bilhar, o crivo de Eratóstenes, a semana inglesa, o computador, a curva de Gauss, o pedal da bicicleta, a televisão, o cordão dos sapatos, o teorema de Tales e o quadro-negro?

- Pode me chamar de Zé...

- E então?

- Digamos que o "Zé" é o meu genérico; toda vez que me ocorrer um grande pensador da humanidade, dele direi que é um ótimo Zé, eximindo-me do remorso de tê-lo omitido no teste da Maria Moretson.

.- Se Platão vier com alguma reclamação...

- Reclamação justa e pertinente. Eu lhe diria: não o esqueci de forma alguma, senhor Platão, pois você é o Zé, cuspido e escarrado.

- Zé Genérico, sim, senhor, você é muito prevenido!